– Pare com isso, Abel! – Caim reclamava enquanto colhia pedaços de lenha.

Abel segurava um pedaço de galho fino e cutucava a orelha do irmão.

– Deixe de ser tão resmungão, se não conto para a mãe que você não tem feito as tarefas que ela lhe pede.

– Claro que não tenho! – Caim respondia com a voz brusca, sentindo irritação. – Você não me deixa fazer nada, fica o tempo todo enchendo minha paciência e dizendo o quanto suas proezas são notáveis. Quero só ver o dia que descobrirem que sou eu quem faço e não você... – terminou de falar com a voz quase desaparecendo.

– O que você disse? – Abel desceu a mão no pescoço do irmão e apertou. – Quem aqui faz o quê? Eu ou você?

– Você, mas...

– Sem “mas”! – Empurrou Caim para frente, fazendo o tropeçar e derrubar a lenha que trazia. – Pega isso e vamos embora.

Abel virou as costas e seguiu em frente, enquanto seu irmão permanecia caído.

E as emoções assaltaram Caim com força duplicada desde a última vez. Com os joelhos no chão, olhando para grama verde que crescia, ele chorou. Chorou pela injustiça cometida, pelos atos nunca corrigidos e pela ineficácia do Deus que tanto adorava.

– Se tu, meu Deus, é o Senhor que tudo vê, por que não é capaz de enxergar as atitudes de Abel?

As lágrimas escorriam enquanto as acusações contra o irmão jorravam de sua boca. Era ele o primogênito, mas nunca fora o escolhido. O mais forte era Abel, e o mais alto também. Com certeza o que tinha as feições mais agradáveis, e o trabalho menos cansativo. Caim queixava-se diariamente pelo esforço diário para manter a lavoura, enquanto seu irmão tinha o privilégio de simplesmente pastorear.

Enquanto a Abel era dado as melhores ovelhas, a ele era cedido apenas a terra mais seca. Seus frutos eram mirrados e sua colheita escassa. Deus admirava com bons olhos os sacrifícios do irmão, mas condenava aquilo que ele podia lhe dar. Não havia compreensão, não havia ajuda ou fertilidade lançada sobre a terra. Havia apenas a cobrança ininterrupta. E com seus pais não eram diferentes. Visivelmente preferiam Abel ao invés dele. O amor não era igual, e o tratamento muito menos.

Esse turbilhão de emoções girou até não mais caber no peito, inflando o ódio que crescia cada vez mais e a injustiça que parecia mais atenuada com o passar do tempo.

Caim se levantou, limpando os olhos com as costas da mão, e correu até o irmão, segurando ainda os gravetos.

– Irmão, precisamos de mais lenhas. – Falou com Abel quando o alcançou.

– E por que precisamos de mais? Já não é o suficiente o que tem aí?

– Não, nas árvores secas ao lado da ribanceira ainda há algumas. E são boas – Apontou para o local distante, beirando um barranco de aproximadamente quinze metros de altura.

– Tudo bem, mas você carrega.
 

Enquanto Caim recolhia os galhos enquanto Abel permanecia em seu trabalho essencial, que era perturbá-lo. Sorrindo a cada estocada no irmão. Até que por fim, ele explodiu.

– Pare com isso agora! – Gritou.

– O que você pensa que está fazendo? Ficou louco?

– Não aguento mais você! Seu jeito de ser me envenena e ainda mais aos outros que estão a nossa volta. Eu tenho medo de algum dia quere lhe causar mal, então peço que pare com isso. Seja um homem honesto como eu tento ser, e faça por merecer aquilo que lhe é dado. – As palavras dissolveram-se no ar e um silêncio caiu sobre ambos, permanecendo por um bom tempo, congelando o tempo em que seus olhares se tocavam.

– Isso é uma ameaça? Você pensa que é quem para me ameaçar? – Abaixou-se e pegou um pedaço de madeira, grosso o suficiente para deixar marcas.

– Não vou brigar e nem discutir com você, Abel. Só peço para que pare com isso. Eu tenho medo de mim e dos pensamentos que nasceram em meu coração. As raízes estão se tornando profundas demais para serem arrancadas com facilidade. – Olhou para o chão e concluiu enquanto buscava fitar o irmão novamente. – Espero que possa entender...

O porrete veio em direção ao peito, acertando os galhos que segurava. A força da pancada o jogou no chão. Abel correu para cima dele e desceu o porrete em direção as pernas, acertando-o com força. Caim gritou e escorregou para longe, arrastando-se no chão e segurando um pedaço de madeira pequeno e irregular. Virou-se no momento que seria atingido novamente, e levantou seu porrete em guarda, aparando o golpe. Levantou com dificuldade, e esperou o irmão que o olhava furioso.

– Você é uma pária, Caim. Não merece o amor que recebe de nossos pais, e nem mesmo o de Deus, por mais pouco que seja.

– E eu me pergunto o porque de Ele nunca ver como as coisas realmente são. Por que você age dessa forma e é tão bem afortunado?

– Isso não importa, o que importa é que você merece ser castigado por suas blasfêmias!

Abel avançou e lançou um golpe contra o irmão. Ele desviou e correu para o lado. Foi perseguido por trezentos metros e então foi alcançado. Abel se jogou em cima de Caim e ambos caíram, rolando de um lado para o outro, estalando galhos e chiando sobre folhas secas. Levantaram-se ainda se atracando, e Caim empurrou o irmão com força. Mas não esperava o que vinha a seguir.

Abel tropeçou em uma raiz velha e carcomida, deu dois passos para trás e se desequilibrou. A queda mesmo não foi o problema, mas sim a rocha. Caiu ribanceira abaixo, sem nada que o parasse. Sua cabeça encontrou conforto em uma pedra enterrada pela terra. O som oco foi ouvido por Caim, que lá de cima esticava os braços em uma tentativa vã de salvar o irmão.

Olhou para o corpo estirado ao chão, e chorou. Chorou como nunca havia chorado antes.

E no céu, ao longe, trovões reboaram. O tempo fechou e a chuva que caiu se misturou as lágrimas de Caim.
Jefferson Lemos
Enviado por Jefferson Lemos em 03/02/2015
Reeditado em 03/02/2015
Código do texto: T5124839
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