Do que você tem medo?
Faz algum tempo que passei a acordar no meio da madrugada. Tudo sempre acontece da mesma forma, todo mês, toda semana, todo dia. Ouço passos pela casa, o barulho de madeira rangendo entra pelos meus tímpanos e me dá calafrios. Os passos parecem me procurar. Escuto-os entrando em meu quarto, chegando perto... Muito perto. O medo me faz gritar, gemer e tremer. Quando acendo as luzes, não há nada.
Posso parecer paranóica, mas passei noites em claro contando os passos. É claro, que nessas ocasiões, ele nunca entrou no meu quarto. Apenas vagava pela casa. E eu tentando descobrir de onde vinham, e o mais importante: o que queria. Apesar de já saber a resposta.
7. O numero de passos que separam a porta do meu quarto da minha cama. Nunca deixei que se aproximasse mais do que 3 passos de distancia. A única vez que ficou a 2 passos de mim, pude sentir seu hálito quente, uma respiração rouca e ganhei alguns arranhões no braço. Foi o fim das minhas consultas no psiquiatra. Seus remédios me deixavam sonolenta, sem reflexo, vulnerável. Tudo que não quero.
Podem dizer que sou louca, mas sei o que me persegue e também sei que não sou eu quem deixa marcas no chão.
Estou disposta a provar minha sanidade. Hoje irei enfrentar quem me procura. E possivelmente será minha ultima tentativa. Amanhã irão me internar em uma clinica para "mentalmente perturbados" e ficarei dopada para o resto da vida em uma cama com paredes brancas em volta, branco que lembra paz, paredes que lembram prisões... Será que a prisão seria meu único meio de paz? Não sei, talvez eu irei descobrir, talvez não.
São 3 da manhã, estou esperando. Sei que ele está perto. Está na porta, me observando, parece gostar da situação e até mesmo posso ouvir uma gargalhada. Mesmo no escuro sinto minhas pupilas dilatarem do medo, não como nos outros dias. Não fico tremendo ou pálida, apenas com medo, medo da verdade.
3 passos. No primeiro o ranger da madeira parece gritar “Felicidade”, no segundo parece gritar “Amigos”, no último parece gritar “Amor”, está ai, a verdade. Três coisas que eu não tenho. Começa a me farejar, procurando meu cheiro, o cheiro do medo, angústia e solidão. Meu coração está disparado, minha respiração ofegante. Ele parece esperar que eu acenda as luzes para que volte no dia seguinte. Mas hoje não, não vou mais deixar ele se divertir com minha dor.
Mais 2 passos. Um grita “Suicídio”, o outro grita “Morte”. Estou no meu limite.
- Não, Não. Não me venha com essa – Grito, choro, e lembro.
Algo rasga meu cobertor e colchão.
Ambos sabemos que é hora de nos encontrarmos finalmente.
Estou pronta, só falta 2 passos, que não ouço. Não tenho mais medo.
De repente sou puxada da cama e arrastada pelo quarto.
Arrependo-me de não ter acendido a luz, mas é inútil. Suas unhas rasgam a minha pele, sou banhada em sangue. Alguém acorda - graças a deus – Vejo a luz entrando pela fresta da porta do meu quarto.
Não há mais nada, apenas eu em um leito de sangue misturado com lágrimas... Lágrimas essas que nunca mais irei chorar, sangue que nunca mais irei derramar. Olho para meus braços e todos os cortes estão cicatrizados, parece uma nova pessoa, mas ao mesmo tempo algo que não existe mais.
E você, o quanto confia nos seus medos? Tem medo deles? Ou tem medo da verdade?