Ainda sob a luz da flor do vale.

Lentamente as bestas emergem do breu tártaro do vale, onde as sombras reinam soberanas. Suas faces, cheias de vincos e sem olhos, ostentam esgares de escárnio e satisfação, enquanto como fontes esbanjadoras, permitem que os féis purulentos secretados dos lábios finos e retraídos, rebrilhem sobre o piso de conchas amareladas, ao encharcarem o que restou de um oceano de pecadores.

Elas deixam pequenos arremedos de riachos doentios e fétidos para trás, enquanto seguem sua seara rumo ao repasto que sou, mas isso não é suficiente para impedir que os ossos triturados pelas patas hediondas, virem pó e dancem pelo ar como rolos de fumos carregados pelo vento. Verdadeiros cumulos, cuja missão é roubar a luz dos meus olhos cansados e esmagar o peito, negando o folego, enquanto o sangue pisado que habita em mim, faz-me ser um afogado em pleno deserto de trevas e dor.

Fico a tossir, expurgando placas de sangue podre, ao passo que os arremedos de hienas, maquinalmente persistem em seu labor sinistro, sendo embaladas pelos ecos dos pedidos de clemência dos condenados e o riso maldito dos carrascos. As monstruosidades alcançam minha concha arruinada e como sempre, saúdam meu tesouro de luz com suas línguas ásperas e desproporcionais, para logo em seguida darem início em meu eterno martírio, o qual sou plenamente merecedor, pois a tolice e a fraqueza merecem punição e fui cumplice de ambas ao me entregar aos teus encantos.

Os carrascos talham minha carne, como se suas garras fossem arados fendendo os campos onde as ervas são cultivadas. Mordem meus flancos, levando entre suas presas doentias, partes de meu corpo, legando poços onde o rubro da vida passa a jorrar. Elas cumprem seu dever com maestria única, demolem cada vez mais, o que um dia foi o regaço para tua fronte e onde enroscaste teus braços em abraços incontáveis.

Meras mentiras ditas por teu corpo quando os lábios cínicos se cerravam.

Nestes momentos costumo urrar, mas não de dor ou frustração. Grito de ódio, mas não por ti e sim por mim, pois cada instante que permaneço servindo de joguete e repasto das crias do abismo, mais tenho a certeza do quão sou odiável, já que por minha fraqueza e cegueira, trouxe infinitas tristezas aos meus amados. Por saber que permiti tua entrada na vida deles, e dessa forma te amassem tanto quanto amei, sinto ódio de mim, assim como uma profunda vergonha.

E saiba que se me fosse ofertada a oportunidade de fazer-te sentir a décima parte da tristeza que sinto e engolir uma gota do amargo que reina em minha boca, pelo preço de matar o mundo, a terra dos homens seria tingida de carmesim e mesmo os que amo seriam chacinados, com o marfim de meus dentes emoldurados por um sorriso.

Urro de ódio com toda força que tenho, mas meu brado morre ante a cacofonia das infinitas legiões de demônios a rir histericamente e os gritos pedindo clemência da incontável turba de pecadores hipócritas, que tais quais você, mentem se dizendo arrependidos quando na verdade, em seus íntimos, sentem enorme satisfação por todo o mal feito.

Nas raras horas em que sou largado para permanecer ao lado da solidão, uma das muitas senhoras desse reino de dor e amargura, tento colocar em movimento as gastas engrenagens da memória, em busca de algo bom que se atrele a ti, mas nada me é cuspido na face e volto a afogar-me em minha desilusão e desespero. Mergulho em minha peçonha, esse abismo profundo, onde a própria serpente primordial poderia se enrodilhar e aguardar a vinda das falanges de Tronos e Virtudes, tocando as trompas da derradeira hora das coisas do mundo.

Um veneno cujo amargor se empreguinou em minha alma tão profundamente quanto às raízes de minha flor. Ela cresce frondosa enquanto me consome, assim como as feras malditas que infestam o vale, no entanto, tal erva é a ancora que mantêm minha réstia de lucidez e esperança. Já que como dito pelo príncipe deste reino funesto, ela é especial, capaz de trazer luz para a escuridão do vazio de antes da criação.

Então saiba mon bebé, não te esqueci, na verdade penso em ti sempre e tenha certeza: Em breve a luz azul de minha flor, banhará tua face e refulgirá como a mais brilhante estrela.

Continue em tua seara de lasciva, mentiras e cinismo. Faça como a moça da canção, continue a cavar o teu abismo com os próprios pés.

Continue vindo para o meu lado.

Permita que te veja sofrer... Eternamente.

TTAlbuquerque
Enviado por TTAlbuquerque em 30/11/2014
Código do texto: T5054106
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