O Problema é a Gravidade ou a Falta Dela?
8º colocado no desafio do Entre Contos
A primeira vez que vi o planeta terra pela janela da estação, tive a sensação de uma bolha caleidoscópica estourando dentro de meu estômago, espalhando as cores para cima e além, levando com elas a minha imaginação. Ainda me lembro das tonalidades perfeitas que se completavam, vibrando em união com o branco das nuvens que riscavam o céu. E mesmo hoje, depois de tanto observá-las, seu brilho e vivacidade ainda me fascinam. Esse azul opaco e ao mesmo tempo reluzente me traz boas lembranças.
Mas inda assim, há agonia e há o ar que, escasso, escapa em lufadas cada vez mais desreguladas. Porém mais cruel e devastador do que tudo isso, não é a falta, e sim a presença; O silêncio que enclausura todo esse vazio.
Desolador.
Esmagador.
Uma vastidão que se inicia em minha cabeça e só termina no infinito, onde a borda do nosso buraco negro se finda e a de outro começa. Alguns dizem que há beleza na noite, mas ela exala muito mais encanto sendo vivida, do que observada.
E hoje posso dizer que vivi a noite.
Fui envolvida em seu abraço frio e distante, onde nem mesmo o sol era capaz de me aquecer. O medo invadia cada poro da minha pele, se infiltrando nos ossos e derretendo em forma de suor. Era um frio desesperador, que queimava por dentro, como uma centelha lançada em um amontoado de folhas secas. A sensação de solidão que vem acompanhada destrói pouco a pouco a minha consciência, e os mergulhos na insanidade estão se tornando frequentes. Essa espera terrível nada mais faz do que me matar, um pedaço por vez.
Enquanto esse pedaço de metal gira sem rumo em torno da vida ali em baixo (ou seria em cima?), o universo mantém seu ciclo sem se abalar. E com todo esse tempo para pensar, descobri que não sou essencial.
Por vezes já me senti pequena, tão miúda e mesquinha que me envergonhei em incontáveis ocasiões. Mas nada se compara a ser enclausurada na melancolia espacial. Nada...
O que mais me faz falta é o gosto da comida de verdade. Essa pasta insossa que mais parece vômito já não me satisfaz – e me pergunto quando foi que me satisfez. Penso que poderia estar sentada em uma mesa neste exato momento, observando minha filha beliscando o frango suculento servido à mesa. Os dedos pequenos e inábeis segurando o garfo com firmeza, enquanto seus olhos me fitariam de soslaio, buscando algum sinal de perigo. É tão real que consigo até mesmo tocá-la...
Não era para ser assim. Digo, isso tudo, esse sofrimento solitário. A missão tão simples se tornou um inferno.
Um maldito inferno gelado e quieto, e que já está me levando à loucura!
A chuva de meteoros não estava prevista para aquela hora. Era para ser uma hora mais tarde. Mas no fim, acho que foi culpa nossa. Rodamos tantas vezes pela órbita terrestre que nos esquecemos de ajustar as mudanças do tempo-espaço.
Certamente fomos atingidos.
Meu companheiro vagou pela órbita e se perdeu no meio do nada. Já eu vim parar aqui, nessa nave capenga com inúmeros furos na fuselagem. Trepidou por algumas muitas vezes e apertou ainda mais meu coração que já se espreme no peito, buscando uma forma de se esconder do negrume que me encara através desta pequena janela.
Sinceramente? Espero mesmo que esse aparelho esteja gravando. Ele está ligado, mas não sei... Talvez eu esteja igual uma idiota falando sozinha, e ninguém nunca irá ouvir minhas confissões. Na verdade seria bom, pois pelo tanto que já falei...
Agora, preciso me segurar. A chuva de detritos vem em minha direção novamente. Meu eu deixa o controle para o temor invadir, enquanto fecho os olhos e aguardo o impacto. Só preciso passar por essa chuva e...
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~ Transmissão interrompida. ~
~ Transmissão interrompida. ~