O noivo tardio
Mal terminara de vestir o terno e ouço o toque da campainha. Vejo que são os pais de Milena, acompanhados do padre Pietro. Abro a porta.
– Vimos o seu carro lá fora. Então os boatos são verdadeiros? Você levou mesmo nossa filha para sua casa? – questiona a Sra. Carli.
Aceno que sim, indicando para que entrem e tomem assento, enquanto ajeito a gravata.
– Você sabe que a jovem está atrasada para a cerimônia, Julius. O que aconteceu? – intervém o padre Pietro, com sua voz pausada, mas ainda assim com um ar preocupado.
– Apaixonei-me – respondo de pronto. – Simplesmente apaixonei-me. Sei que só a conheço há dois dias, mas o que se há de fazer?
– Enlouqueceu, homem? Ela já está comprometida! – levanta-se da cadeira o Sr. Carli.
– Julius, pense bem – intervém novamente o padre –. Todos a estão aguardando na igreja. O que você pretende?
– Pretendo casar-me com ela – confesso docemente.
– Isso é impossível! – sobressalta-se a Sra. Carli.
– Nada é impossível para o amor, senhores – respondo ainda com mais veemência, e todos distinguem o brilho sincero e triste em meu olhar. – Por favor, case-nos agora mesmo, padre Pietro, antes que seja tarde demais. Faça-nos um casal feliz!
O padre negou-se, a princípio. Negou-se, negou-se a trair-se. Ele hesita, colocando as mãos sobre o rosto, e depois se vira para o casal, que, para sua surpresa, o olhava de volta com os olhos resplandecentes, a respiração ofegante, e despontando um sorriso de esperança nos rostos aflitos, porém perplexos diante da sinceridade de meu amor.
– Sr. e Sra. Carli – rogo-lhes –, eu garanto que sua filha jamais encontrará um homem como eu, que a deseje tão intensa e devotamente.
– O que pensa sobre isso, Rui? – deseja uma opinião sensata a Sra. Carli.
– Bem, nossa filha sempre desejou casar-se com um homem romântico e impetuoso, e temos de admitir que o Julius aqui teve uma atitude ousada. Ninguém nunca a havia tratado assim antes. Talvez nossa filha mereça... – pondera o Sr. Carli.
– Então, você consente que eles... – sorri a esposa com a voz trêmula.
– Não gostaria de voltar à igreja se não for de outro modo – arremata o marido.
– Então está bem – suspira a Sra. Carli –. Nós daremos nossa bênção. Pode casar com nossa filha.
Levo os pais até meu quarto, onde Milena já nos aguardava de véu e grinalda, e segurando um ramalhete de flores. Mesmo a contragosto, o padre procede com a cerimônia às pressas e abençoa nosso casamento. Após as bênçãos finais, peço para que se retirem e nos deixem a sós. Os pais choram de felicidade, orgulhosos da decisão. O padre Pietro reza, pedindo perdão pelo que acabara de fazer.
– Milena, meu amor, nosso sonho realizou-se. Enfim nos deixarão em paz – digo-lhe enquanto a beijo gentilmente.
E quando os policiais entram, estamos deitados na cama. Ela, recostada em meus braços, e eu, aguardando o efeito dos remédios para acompanhá-la. Antes que nos levem, tenho ainda tempo de ver o Dr. Ivan, meu chefe, que assistia os policiais. Ele, com seu olhar horrorizado, reprovando-me. Enquanto fecho os olhos, posso ouvi-lo lamentando-se – lamentando-se! Nem ao menos reconheceu nosso amor, nem a satisfação nos olhos dos pais de Milena, felizes pela filha haver realizado, ainda que tardiamente, seu sonho juvenil. Mas não. Reprovava-me. Dizia que jamais imaginara que eu, um empregado promissor e exemplar, pudesse em dois dias apaixonar-me assim, e ainda mais por uma cliente, e tampouco imaginara que eu fugiria do meu trabalho com ela – ela, Milena, o mais belo, o mais angelical, o mais recente cadáver a chegar ao necrotério.