A vinda de Onwgan
Primeiro, ele chegou através de sinais. A princípio, todos os satélites que orbitavam a Terra pararam de funcionar. Como consequência, os meios de comunicação móveis e as redes digitais entraram em colapso. Na televisão e no rádio, noticiava-se que a Terra parecia ter sofrido o efeito temporário de uma onda magnética vinda do Sol e ainda não identificada. Asseguravam que após os devidos reparos, tudo voltaria ao normal. Mas nos dias que se seguiram, as próprias transmissões via rádio, televisão, telefones, qualquer transmissão por ondas também se tornaram inúteis. Dos aparelhos de transmissão de som ou imagem apenas saíam ruídos estáticos. Os meios de comunicação reduziram-se a cartas impressas por meios manuais. A população, ávida pela informação instantânea, pelas transmissões ao vivo, teve de esperar ansiosamente por cada novo relato escrito. E o que se lia, com os rostos pálidos, era que os danos causados pela passagem da força magnética pela Terra até então eram irreversíveis e irreparáveis. E o impacto desta força desconhecida também passou a afetar eletrodomésticos e computadores, que não mais funcionavam. Baterias, geradores, carros, e até aviões entravam em pane. Viajar para outras cidades ou deslocar-se pelas grandes metrópoles tornou-se um esforço quase impossível, e os meios de locomoção reduziram-se à tração humana ou à tração animal. Em poucos meses, a própria vida cotidiana sofria trágicas alterações. À noite, as cidades iluminavam-se, mas como já não era feito há centenas de anos – com velas ou lamparinas a querosene. As cidades e os países, cada vez mais isolados, iam sendo informados cada vez mais lenta e demoradamente dos novos acontecimentos. Havia o relato de que o fenômeno, sem explicação científica até o momento, e que agora era sabido haver tomado escala global, tinha causado danos não só em equipamentos elétricos e eletrônicos, mas também à própria atmosfera terrestre. Até os animais passaram a sofrer com a interferência magnética global. Os animais domésticos enlouqueciam e voltavam à bestialidade, atacando-se e atacando os seres humanos, em casa e nas ruas. Pássaros morriam aos milhares. Pragas urbanas como ratos e insetos infestavam as cidades e invadiam as casas em qualquer hora do dia. Nas cidades litorâneas por todo o mundo, havia relatos de que centenas de baleias encalhavam e morriam nas praias. Poucas fontes de água doce encontravam-se livres da contaminação causada pela morte de centenas de peixes.
E em pouco tempo, apesar do esforço da população em adaptar-se, a frágil ordem deu lugar ao caos selvagem, a lógica racional deu lugar à brutalidade. Sem haver como refrigerar alimentos perecíveis devido à pane na energia elétrica, os preços dos alimentos, da água e dos mantimentos inflacionaram até tornar a vida urbana insustentável, onde assaltos, arrombamentos e até mesmo assassinatos ocorriam em plena luz do dia pela luta de qualquer provisão extra, o que fez com que a população urbana decidisse migrar em massa para as fontes primárias de sobrevivência, um êxodo urbano, um retorno à vida rural. Durante a fuga das cidades para os campos, os riscos apresentavam-se tão terríveis quanto para os poucos que decidiram permanecer nos grandes centros urbanos. Os grupos que marchavam para os locais mais afastados e agrícolas eram constantemente atacados por feras ou hordas famintas. E cada fonte de água limpa e terra fértil eram disputadas muitas vezes até a morte. As autoridades oficiais eram cada vez mais desacreditadas e agiam tão desesperadamente quanto o restante da população, sofrendo rebeliões e sendo tomadas por governos provisórios, tão despreparados quanto os governos oficiais derrubados.
Após alguns meses, a população restante, a que havia sobrevivido aos tempos de horror, a que ainda poderia ser chamada de humana, passou a sentir algo mais do que apenas as vibrações da força magnética sideral, passou-se ouvir do céu um zumbido cada vez mais forte e insistente, como um enxame de abelhas, um ruído constante, como uma corrente elétrica. Não havia mais silêncio. Em qualquer lugar onde se estivesse, as pessoas passaram a ouvir sons dissonantes, até que se passou a ouvir um som harmônico, os mesmos acordes intercalando-se: “On...”, “Wg...”, “An...”. E passaram a repetir em voz alta o que lhes era revelado pelo que parecia ser a voz da energia dominadora que havia abalado o mundo. Agora a grande e desconhecida Força inominável tinha um nome, era Algúem, podia ser conhecida, podia revelar sua vontade, seu propósito à humanidade. E aos que ouviam o som da Força passaram a respondê-la, a experimentar algum contato com a fonte do som, com o adorado Onwgan. Alguns estudiosos chegaram a reinterpretar os antigos escritos religiosos e afirmavam que sua vinda já havia sido profetizada desde o início das grandes civilizações ancestrais. Templos rústicos foram erguidos e a grande Força passou a ser cultuada como uma divindade – como A Divindade –, revelada desde o princípio dos tempos, mas agora compreendida como mal interpretada pelos seguidores das religiões antepassadas desde suas primeiras revelações. Onwgan, o único e verdadeiro deus, o princípio e o fim de todas as coisas. Lugares sagrados de antigas religiões, desde as Américas até os confins da Ásia, tornaram-se os novos centros de procissões e abrigo. As novas cidades. Orações eram dirigidas a Ele, à Força primordial de todo o universo enfim revelada em toda a sua glória. Tudo agora fazia sentido, a Força veio apenas para ser adorada e amada. Porque era temida, devia ter sido amada desde o princípio, para que seus propósitos fossem compreendidos e assimilados. Mas diante de quais seriam seus propósitos misteriosos somente alguns se apresentavam mais sensíveis e estes passaram a intermediar o desejo da Força para o populacho sedento de respostas e esperança. Em outras localidades do planeta, ofertavam-lhe comida e até mesmo ouro. Em algumas aldeias, pessoas eram sacrificadas na tentativa de se aplacar a ira da Força, e, em alguns acampamentos, suicídios coletivos eram praticados na crença de que Onwgan havia chegado para levar a alma dos preparados.
Até que um dia, quando a população do planeta havia sido reduzida a menos da metade, e os sobreviventes procuravam adaptar-se às novas condições de vida – a épocas quase tribais –, uma segunda Força, nova e diferente da dominante, sentiu-se sobre o globo. Parecia ter sido dirigida do centro da galáxia, como se tivesse atendido ao clamor da multidão, que rezava por misericórdia e paz. Então veio o impacto. Tempestades, terremotos, maremotos e vulcões refletiam ao tremor cósmico da antiga Força invasora frente à nova Força. Podia-se sentir o embate entre as duas correntes de energia, como um confronto de forças estelares pelo céu. Muitas pessoas desmaiaram naquele dia. Pessoas desapareciam e nunca mais eram vistas. Durante dezenas de dias, a medida de forças continuou até que a nova Força prevaleceu, e o fôlego de Onwgan cessou. Pela primeira vez após quase um ano a população da Terra não ouvia o puro, calmo e sepulcral silêncio da natureza. Durante a semana seguinte, somente o ar permanecia o mesmo, pesado, como se a atmosfera estivesse coberta pela aura da nova Força, a Redentora, a Intercessora das preces desesperadas. Alguns aparelhos chegaram a voltar ao seu antigo funcionamento. As pessoas passaram a se sentir protegidas e seguras com o novo visitante, o novo soberano. Ninguém jamais estaria só, mas estariam seguros, libertos de todo o atendado alienígena. Nunca mais seriam incomodadas novamente, não com a nova Força pairando sobre todos, atravessando cada matéria, cada molécula, cada átomo. Mas, dia após dia, as pessoas perceberam que a Terra não havia sido libertada. Tão somente a nova Força havia vencido a anterior, e tomado o seu lugar. Dia após dia, um novo zumbido – crescente e harmônico – passou-se a ouvir. Mais alguns dias e todos poderão ouvir o nome cósmico do novo opressor.