Diálogo com a morte - DTRL 18

- Estou decepcionado com todas as coisas que vem acontecendo. O que posso fazer? Tentei de tudo, tudo é um desgosto profundo, a cada dia que passa a esperança de uma vida melhor diminui. O rico fica mais rico, o pobre fica mais pobre. Pensei que podíamos escolher o nosso próprio caminho, porém todas as nossas estradas estão esburacadas. É mais fácil parar logo o carro e desistir. Ah, meu nome é John, e sei que o seu não é. – John vai até a sacada de seu apartamento e sobe no parapeito. Sente o vento em sua cara, com um movimento lento e doloroso abre seus braços, ele agora está crucificado.

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Após rodar por muitas horas em uma estrada ruim John estaciona seu carro em frente a um bar sujo e mal cuidado. Lá dento, agora, sentado no balcão o dono do bar chega.

- O que o Senhor deseja nesse lugar sujo?

- Desejo um copo de cachaça e um comprimido de cianeto.

- Boa escolha.

Um homem com um casaco preto e óculos escuro entra no bar, ninguém parece notar ele. O homem se aproxima e senta ao lado de John.

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As estrelas lhe contam segredos e medos que ninguém quer revelar, John com os olhos fechados escuta e absorve todos esses segredos e medos. Uma lágrima escorre pelo seu olho esquerdo, o direito ele abre e olha para baixo. Vinte metros de altura até uma piscina vazia. Transpira ainda crucificado.

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O homem olha para o dono do bar e depois para John, que agora, segura um comprimido com a mão.

- Não faça isso – O homem diz.

- Por que não? É a minha vida, não a sua.

- É por isso mesmo. – Ninguém no bar parece se importar com a conversa.

- O que quer dizer com isso?

- Eu cometi o mesmo erro que você está cometendo agora. E me arrependo amargamente disso, às vezes fazemos várias coisas sem pensar e depois ficamos procurando tempo ou algo para que possamos voltar atrás, mas isso que você está fazendo não tem volta, não tem como voltar atrás. Não tem perdão. – John parece não ligar para o que o homem disse. – Sua mulher te deixou e levou a filha de vocês com ela né? Seu chefe pega no seu pé direto e te pede coisas que não são de suas responsabilidades? Tenho certeza que você não consegue dormir direito por pensar que podia ter sido diferente se acaso escolhesse uma palavra diferente em tal situação. Tenho mais certeza ainda que você se arrepende por não ter arriscado mais e se dedicado a conquistar alguém. – John está chorando.

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John cai aos prantos, sua visão está embaçada e suas mãos estão muito doloridas, mas seu braço continua na mesma posição. Ao longe carros com faróis ligados vão passando um atrás do outro, de todas as cores e tipos diferentes.

- Será que eles estão dirigindo pra ir fazer algo que gosta ou por obrigação da rotina? – John sorri triste.

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- Como você sabe disso tudo?

- O meu serviço é esse. Eu sou a morte e vim para buscá-lo, mas vi que você ainda não fez isso.

- Se é o seu serviço, por que está pedindo para eu não fazer isso?

- Isso é uma maldição que eu tenho, eu vejo o sofrimento das pessoas e não posso fazer nada para ajudá-las, elas sempre estão decididas e quando eu as encontro já estão mortas, mas você não. Você ainda está vivo e isso quer dizer que não está realmente decidido a fazer isso, algo dentro de você ainda acha que a vida pode valer à pena. – John olha curioso.

- Não acho não. As coisas nunca dão certo, o azar é meu único fiel companheiro e quero me livrar dele tomando esse comprimido. Deixa-me fazer isso em paz e depois me leva para qualquer lugar.

- Não posso, você até agora é o único que já pude ajudar, e vou ajudar. Pense nas coisas boas que a vida te deu, com sua mulher, filha, amigos. Mesmo que isso sejam só lembranças agora, elas podem voltar com outros personagens. Não é por que você perdeu sua mulher que não possa encontrar outro amor. Não é por que seu amigo agora mora longe que você não possa fazer outra amizade. As pessoas são mutáveis, a vida é mutável. E você, só você pode fazer mudar, porém tem uma coisa que não dá pra mudar e é isso que você quer fazer. A morte não é mutável, ela não te dá uma segunda chance.

- E Por que eu iria querer uma segunda chance? Sofrer de novo?

- A vida é sofrida para quem quer ver sofrimento, a vida é bela para quem quer ver beleza. Basta você querer mudar que as coisas mudam. Você pode dar uma ênfase maior às coisas ruins ou então uma ênfase maior as coisas boas. Aproveitar pequenos prazeres da vida, fazer uma boa ação e ganhar um obrigado. Em vez de buzinar no congestionamento, ligar um som e ouvir aquela música que alegra nosso dia. Afinal a gente conhece um filme de drama pela trilha sonora silenciosa. – John riu da última frase.

- Do jeito que eu tenho azar o som iria falhar.

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John fica na ponta dos pés. Olha para o chão onde está a piscina vazia. Suspira. Uma borboleta pousa em seu ombro e começa a bater as asas sem sair do lugar. Como se quisesse carregá-lo dali.

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- Você leva a sério esse negócio do azar e sorte, é lógico que essas coisas existem e estão em nosso dia a dia, mas são equilibradas. Ninguém tem só azar ou só sorte.

- Eu tenho só azar. Deixa-me tomar logo o comprimido – John nota que seu copo está vazio. – Ué por que meu copo está vazio – A morte sorri.

- Lembra-se John, o vazio é mera ilusão de ótica. – John fica curioso

- O que você quer dizer com isso?

- Que hoje você está com sorte.

- Estou? Por quê? – A morte se levanta. E caminha até a porta do bar e olha para trás

- Por que vou tirar o resto do dia de folga.

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John sente o vento levá-lo para baixo. Sente o vento cada vez mais forte em seu rosto. Até que seus olhos se fecham. John não enxerga mais nada.

Tema: Desejo.

Willpsk
Enviado por Willpsk em 08/10/2014
Reeditado em 17/10/2014
Código do texto: T4992121
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