O SÍTIO - DTRL.
Aos 45 do segundo!! Este eu consegui participar... Espero que gostem do texto!! Obrigado a todos, e parabéns aos envolvidos pela iniciativa.
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1ª Manchete.
Gazeta de Minas - Segunda-Feira, 17 de agosto de 1982.
"Sete pessoas são encontradas mortas em Extrema. Chacina é descartada”.
Na manhã de domingo foram encontrados os corpos de sete jovens em uma chácara no interior de Extrema. Suspeitava-se a princípio tratar-se de uma chacina, porém o delegado de polícia Julio Cesar descartou a possibilidade. Os nomes, que já constam no obituário de nosso jornal são: Jeferson Lacerda, Edilaine Grusisinsk, Joyce da Silva, David Batista, Jean Pierre, Tainara Soares, e Marcel Marshall...
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2ª Manchete
Papel de São Paulo - Segunda-Feira, 17 de agosto de 1983.
"01 ano após as mortes em Extrema, caso permanece sem solução".
Passado um ano do assassinato de 07 jovens no sítio que pertenceu ao antigo Circo de Extrema, o terreno permanece fechado a visitações. Nesta edição, iremos entrevistar a caseira do local e viúva do antigo proprietário, o respeitado e ilustríssimo Sr. Amond Nascimento, dono do antigo circo que funcionava no local.
...Papel de São Paulo: O que a senhora se lembra exatamente daquela noite?
Maria Justo: Eu pouco me lembro. Fui dormir cedo. Apenas sei que meu marido nunca quis fechar o circo. Sua tristeza foi grande quando o fez.
P.S.P: Na noite dos assassinatos, a senhora viu ou ouviu alguma coisa?
M.J: Ouvi um choro de madrugada. Um choro baixo; parecia um homem chorando. Imaginei que estivessem bêbados. O som esteve ligado até meia noite.
P.S.P: A senhora mora no local a mais de trinta anos. Sabemos da tragédia que houve no circo de seu marido. Após isso, como foi continuar morando lá?
M.J: Se o senhor se refere a meu filho, prefiro não responder a esta pergunta.
P.S.P: Como quiser, senhora. Mas... Apenas para sanar a curiosidade de nossos leitores...
M.J: Olhe (ela interrompeu minha pergunta): Sei que meu filho no meio de um espetáculo apenas sacou uma arma e se matou. Ele não gostava de trabalhar ali e Almond sabia disso. Depois ele não aguentou ver o filho naquele estado... (choro), e ele se... Apenas se... (interrompo).
P.S.P: Sabemos do seu marido. Desculpe, não precisa falar sobre isso. Vamos voltar ao foco da entrevista, se a senhora ainda estiver em condições de continuar, claro.
M.J: Tudo bem (ela enxuga os olhos com um lenço que eu lhe dei). Tudo o que lembro foi de um choro. Mais nada. Acordei no dia seguinte e tudo estava quieto. Achei que tivessem ido embora e fui até lá ver se a casa estava fechada. O que vi... (mais choro).
P.S.P: Obrigado senhora Maria. Já é o bastante. O Papel de São Paulo agrade a entrevista.
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3ª Manchete:
Gazeta de Minas, domingo, 31 de outubro de 1994.
"Morre Maria Justo, viúva de Almond Justo e mãe do palhaço Cuca".
"Novos dados da perícia finalizam investigação que durou 12 anos".
"Sitio é colocado à venda. Expectativa é que seja assumido pelo setor privado".
Morreu ontem à noite, aos 92 anos de idade, Maria da Silva Justo, viúva de Almond Justo e mãe do de Tiago Justo, conhecido como palhaço Cuca, que cometeu suicídio diante da plateia, durante uma apresentação em 1974.
Maria será sepultada no jazigo da família, localizado dentro do sítio. Como não havia herdeiros diretos, o terreno ficou nas mãos da administração pública. A expectativa é de que seja feito um leilão e a propriedade seja assumida pelo setor privado.
Soma-se a esta notícia, o último relatório sobre a investigação das mortes dos sete jovens, ocorrida em agosto de 1982. Segundo trechos do relatório, “as portas da residência foram arrombadas do lado de dentro, demonstrando aparente pânico, decorrido de fator desconhecido”... “Os corpos das sete vítimas foram encontrados mutilados, todos do lado de fora da casa”... “As marcas de arranhões deixam claro que algumas vítimas foram arrastadas para fora da residência... Os dados deixam claros que sob o efeito do álcool, dois ou três homens entre as vítimas arrombaram as portas do lado de dentro, e ao saírem tentaram retornar. Tudo indica que o grupo foi morto por lobos, que se acreditava, estariam extintos há 15 anos na região. Buscas feitas após constatação preliminar do relatório encontraram, após 04 meses, sinais da presença de Lobos-Guará, o que também, acredita-se, que a presença da espécie não ultrapasse os 05 indivíduos.”
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4ª Manchete
Gazeta de Minas, 24 de março de 1996.
"14 anos após tragédia em Extrema, sítio do Circo Extrema é vendido a empresário".
João Augusto Rocha, empresário do setor de brinquedos é o mais novo dono da propriedade de 10 hectares localizada no interior de Minas Gerais. Segundo o empresário, o sítio será utilizado apenas pela família. João, que não deu mais detalhes, foi enfático ao dizer que não comprou o sítio pelo valor histórico, mas por "ser um pedaço de terra para descansar".
..."hoje em dia não dá pra ficar só na cidade. Temos que aproveitar nossos finais de semana, e o interior é um ótimo lugar para isso"...
“Questionado se manteria o jazigo da família no sítio, João afirmou que não faria alterações no local especificamente dito”.
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Dias Atuais - 18 anos depois da compra do sítio.
-Chegamos pessoal!
Marcio conduzia a Zafira 2014 enquanto comemorava a cancela a vista, logo após a curva do rio que cruzava a pequena estrada de terra.
A viagem até Extrema levara um pouco mais de tempo que o planejado. Houve um acidente na rodovia Fernão Dias e o congestionamento era grande. Marcio, Anita, Jéssica, Eduardo e William não se importaram. A viagem fora divertida, e até mesmo debaixo de transito intenso, todos se divertiram com as brincadeiras de William.
Eduardo contemplava admirado o lugar. O carro transcorria devagar a entrada do sítio. O céu estava aberto e azul e pássaros cantavam praticamente por toda a propriedade. Um campinho de futebol ficava ao lado da cancela e debaixo da sombra de uma grande figueira. Ipês amarelos e roseiras enfeitavam a entrada do terreno, e uma casa branca surgiu ao lado de pés de abacate.
A vista era de tirar o fôlego. Anita se perguntava se aquele não seria o lugar para casar-se com Eduardo. Próximo à entrada da casa havia um balanço e logo mais abaixo, a piscina que podia ser vista de toda a sacada lateral do imóvel.
-Caralho! Que lugar Marcio!
-Isso não é nada William. Você precisa ver a cachoeira.
-Tem cachoeira aqui? - Eduardo entrou na conversa.
-Tem cara. Fica há uns 05 minutos daqui. Daqui a pouco levo vocês lá.
Todos desceram do carro e aguardaram Marcio abrir a porta da sala. Enquanto ainda olhavam ao redor, William se lembrou:
-Foi aqui que morreu aquela gente?
Marcio se demorou um instante. A porta aparentemente estava emperrada. A maçaneta, embora não muito velha, era usada com pouca frequência e costumava emperrar. Forçando um pouco a chave e empurrando a porta para dentro, Marcio virou-se sem entender.
-Que gente?
A porta não queria abrir. Desta vez, empregando um pouco mais de força, finalmente ela cedeu ruidosamente.
-Aquela gente em 82...
-Ah, lembrei... Foi sim. Meu pai disse que foram assassinados.
-Todos nossos pais disseram isso - interviu Jéssica.
-Mas foi nesta casa? - Perguntou Eduardo.
-Não... Foi só no terreno. Meu pai demoliu a casa antiga e fez esta. Ninguém ia querer vir aqui né? Imagina ver o chão com marcas de unha? Too fora!!
-E o túmulo da família? - Anita até agora estava meio quieta, mas lembrou-se de que o túmulo ainda podia estar por lá. - Seu pai demoliu?
-Meu pai o manteve. Até cuida dele quando vem aqui. Lava e tira a sujeira. Diz que é em respeito aos mortos. Eu concordo com ele. Essa família sofreu muito enquanto esteve viva e agora merece descansar. Vamos arrumar as coisas e depois levo vocês pra conhecer o lugar. Vamos na cachoeira e no caminho mostro túmulo também.
Eduardo jogou no ar a última pergunta:
-Marcio, e a casa da falecida?
-Meu pai demoliu também. Disse que os mortos só podem ter uma casa depois que morrem. Claro que ele brincou com essa frase. Ele demoliu mesmo pra fazer aquele campinho - Disse apontando em direção ao campo de futebol próximo à porteira.
Encerrada a breve conversa, todos cuidaram de se organizar.
Enquanto as mulheres iam ao banheiro e cuidavam de arrumar suas coisas, os homens encarregavam-se de tirar os suprimentos do carro. Um saco de arroz, um pacote de macarrão, carne, refrigerantes e muita cerveja.
Eram 11 horas quando o grupo chegou ao sítio, e às 11h35min todos já estavam prontos para conhecer o lugar.
-Vamos pessoal! - Gritava Marcio. - Vou mostrar a cachoeira. A água é gelada hein, quero ver quem vai dar pra trás e não vai entrar.
A cachoeira ficava a uns bons 200 metros da casa. O caminho até ela era fácil. Bastava descer um pequeno lance de escadas e percorrer uma estradinha de terra. Em meio ao percurso, havia um bosque de árvores altas que seguia paralelo a estrada de terra até certo ponto. Em meio às árvores, uma construção pequena, porém imponente erguia-se, banhada parcialmente pelo sol. Galhos e folhas encobriam quase que completamente o túmulo da família.
O caseiro do sítio não era muito fã de cemitérios; a ideia de ter uma pequena parte dele dentro da propriedade não era muito agradável. O pai de Marcio concordara e respeitava o medo do homem, e ele próprio se encarregava de ir lá uma vez por mês tirar a sujeira do lugar. Se o filho viajasse até lá, então a limpeza era por conta dele.
-Estão vendo ali? - Marcio apontava -. O pessoal está enterrado lá. Querem ver?
Todos assentiram e foram até o local. O barulho da água correndo era tentador, mas a curiosidade de ver o túmulo dos Justo fez com que eles esperassem. O túmulo era branco, simples e despojado de adornos como flores e velas, comuns em cemitérios. A única decoração eram três fotos. A primeira trazia o filho do casal, posando de palhaço Cuca. O sorriso era largo e exibia dentes cuja cor não poderia ser definida pela fotografia, já amarelada pelo tempo. O olhar era vivo, e parecia atravessar a foto, sendo refletido fixamente por todos que a olhavam. A segunda foto, não menos estranha, mostrava o senhor Almond vestido de mágico, segurando a cartola com uma mão, e na outra, um coelho. A terceira foto, colorida, parecia triste. Mostrava à senhora Maria já velha, com um olhar perdido, que talvez buscasse a facilidade em seu passado que fora tão sofrido. A imagem parecia transmitir a dor da perda, e quem sabe talvez, um sinal de inconformidade com a morte de seus entes.
Jéssica sentiu-se mal com aquilo. Teve um mal estar ao olhar a foto de Cuca, e um arrepio percorreu lhe a espinha.
-Gente, não acham melhor irmos nadar?
Eduardo, que também pouco sentiu-se a vontade concordou. Não gostava muito da proximidade com a morte, e aquilo igualmente o incomodava.
-Vamos nessa?
Marcio, antes de virar-se e seguir a turma disse com ar de tristeza:
-Gente, vou ter que limpar aqui depois tá? Se vocês não quiserem vir comigo, tudo bem. Sei que o lugar não é legal, mas...
William solicito, colocou a mão no ombro do amigo.
-Relaxa cara, eu venho com você.
-Beleza! Então vamos nadar!
A água corria solene em meio às pedras que formavam a cachoeira. Gelada, ela descia em queda até chegar a uma espécie de açude fundo o suficiente para que todos pudessem nadar. A sombra das árvores contribuía para mantê-la fria, e assim, mesmo sob o forte calor era possível refrescar-se.
O grupo ficou ali por mais ou menos uma hora e meia. A fome já falava alto, quando sobre protestos, Eduardo deu o último pulo sobre o poço. Neste momento, seu pé atingiu um galho submerso que lhe provocou um corte próximo ao calcanhar.
Marcio e William entraram na água quando o amigo gritou.
-Tá vendo sua anta? Já era pra gente estar subindo de volta pra casa e você me inventa de pular na cachoeira agora - esbravejava William.
-Vá se foder!!! Tá doendo pra caralho esse corte. Me ajuda aqui.
Marcio e William levaram Eduardo até fora do poço, e este depois acompanhou o grupo manquitolando na volta para a casa.
O dia transcorreu normal e sem alterações. O machucado no pé de Eduardo doía, mas, cerveja após cerveja, a dor se anestesiou. Enquanto as mulheres preparavam o almoço, Marcio e William cuidavam da churrasqueira, sem claro, abrir mão de seus copos.
Um rádio a pilhas lançava um samba no lugar, e nada parecia poder estragar aquele clima.
-Marcio! - Eduardo surgiu na pequena varanda, desta vez sem mancar. A cerveja já tinha lhe subido pelos miolos, e Eduardo sequer notava a dor lancinante no pé. - Eu trouxe este filme pra gente assistir.
-Lá vem merda!! - Gritou Jéssica da cozinha.
Eduardo tinha um gosto fanático por filmes de terror. O problema é que 01 a cada 10 filmes que ele trazia prestavam.
-O que você trouxe Eduardo? - Perguntou William, já com ar de indignação.
-Calma gente. Este não é de terror não. Trouxe alguns desenhos pra assistir. Geralmente só passa porcaria na televisão.
-Desenhos? - Berrou outra vez Jéssica da cozinha. - Vai chover hoje!
William ficou a sós na churrasqueira enquanto Marcio ajudava Eduardo a localizar o aparelho de DVD que estava jogado em um dos cantos da casa.
A vista daquela varanda era realmente incrível. O terreno descia num declive e de lá era possível observar a serra em todo seu esplendor. Havia o campinho, o caminho que descia para a cachoeira, e o bosque de pinheiros. Quando seus olhos passaram pelo bosque, algo se mexeu. Havia... Havia alguém lá. Mas dali era impossível descrever quem.
Uma pessoa passou correndo em meio às árvores. Certamente, se estivesse descalça teria ferido os pés em meio aos galhos de pinho. William pensou em gritar, quando aquela pessoa parou e acenou com a mão. Ela parecia estar chamando ele.
Devia ir até lá? Sem responder esta pergunta, William deixou a churrasqueira de lado e desceu. Provavelmente devia ser o caseiro precisando de ajuda, ou algo parecido.
A vista não era total após descer da varanda, e William seguiu em direção ao bosque, ao, que ele julgava ser o local exato onde o homem estivera. Após um pequeno aclive, William sentiu os galhos de pinho arranhar o lado de seus pés.
-Puta merda - esbravejou - Devia ter vindo de tênis.
William caminhou até onde o homem estava. De lá, era possível ver Marcio olhando na varanda e acenando para ele. William deu de ombros e se pôs a buscar o homem que vira, quando ouviu um pássaro resmungar por perto.
Além disso, não havia ninguém ali. A menos, claro que o homem tivesse ido embora, e William tivesse interpretado errado sua ação. Já se preparava para voltar, quando teve a impressão de ver alguém acima dele, nos galhos das árvores.
Ressabiado, olhou novamente e não viu nada. Começou a andar mais rápido. Queria sair dali, pois começou a sentir medo. Um galho quebrou atrás de si, e quando ele virou-se, viu uma corda pendurada com um nó em sua extremidade. Esfregou mais uma vez os olhos e não viu nada.
-Essa merda só deve ser efeito da...
Algo o interrompeu. Mãos úmidas pousaram em seus ombros e ele subitamente gelou. Tremeu de susto quando Marcio exclamou:
-Veio me ajudar então?
William virou-se pálido e cheio de raiva para Marcio.
-Porra, que susto!!!
-Tá com medo de que, cara??
-Tinha um homem aqui. Acho que era o caseiro, sei lá. Parece que me pediu ajuda. Desci aqui pra ajudar e não tinha ninguém.
-William, você está vendo coisas. O caseiro foi lá em casa perguntar se queria ajuda pra lavar o tumulo quando vi você aqui embaixo. Não é querendo te assustar não... Mas acho que você bebeu demais.
-Rá-rá. - William parecia realmente nervoso - Eu vi o que vi.
Márcio notou o temor do amigo, mas deu de ombros. Procurou distraí-lo da situação jogando o esfregão contra ele.
-Vamos lavar aquela porra de túmulo.
Marcio nunca gostou daquela tarefa. Desde pequeno via o pai lavando o túmulo dos Justo. Aos poucos fora perdendo o medo. Sabia que os mortos estavam mortos e que não voltariam para os vivos. Depois, com o tempo, ele mesmo fazia a limpeza quando ia até lá, mas sempre a contragosto. O medo tia ido embora, mas Marcio julgava que os mortos deviam ficar onde estavam, e como estavam. Cuidar do túmulo significava preservar a trágica história de uma família infeliz, e que há muito já fora esquecida.
Além disso, havia aquela foto do palhaço Cuca, que com seu sorriso amarelado pelo tempo, parecia transmitir um olhar vivo, que ultrapassava as barreiras daquele jazigo. Era como se ele mesmo, vestido de palhaço saísse de seu caixão e estivesse ali com eles.
O serviço foi feito de forma rápida, porém zelosa. O jazigo era bem cuidado, e Marcio sabia que disso, ninguém, nem mesmo os mortos, poderiam reclamar.
O dia já estava caindo quando Marcio e William retornaram a casa. Eduardo dormia embriagado no sofá, em frente à TV ligada que exibia um episódio antigo do Pica Pau.
As mulheres estavam na piscina tomando cerveja e conversando. O sítio aos poucos caia no silêncio, à medida que o sol se punha.
Tempo depois, Eduardo já curado da bebedeira, preparava o jantar e todos ajudavam como podiam na cozinha. O dia tinha sido bonito, e a noite estava clara, iluminada sob o luar.
Após a janta, as mulheres se divertiam num balanço, e os homens conversavam sentados em frente casa com um cigarro entre os dedos.
Grilos cricrilavam ao longe, e já passava das 22h quando todos resolveram dormir.
Jéssica acordou assustada. Era meia noite. Tivera um pesadelo com a tumba dos Justo. Caminhava pelo bosque, descalça, sentindo os galhos das árvores ferirem seus pés. Algo ali a chamava, e quando finalmente chegou lá, contemplou o pai e a mãe do palhaço Cuca flutuando sobre o jazigo. A lua era forte, e quando eles abriram a boca, desapareceram.
-Anita, Anita - Jéssica cochichava. - Acorda Anita.
A casa estava silenciosa e imersa em escuridão. Apenas podia-se ouvir o som baixo da televisão na sala, onde Eduardo e Marcio dormiam. William babava na cama ao lado. Naquela noite, a mulher dormiu com a amiga, enquanto ele tomou algumas outras cervejas antes de deitar-se.
Anita acordou sonolenta:
-O que foi Jéssica? - Sua expressão carregada de sono logo se desfez ao ver a cara da amiga - Está tudo bem?
-Tive um pesadelo, Anita. Foi horrível...
-Quer conversar sobre isso agora?
-Não, apenas te acordei pra não me sentir só. Desculpe, sou uma boba.
-Não fique assim. Tente dormir. Está tudo bem. Conversamos quando amanhecer...
-Tá bem.
As mulheres deram as mãos, e assim voltaram a dormir.
-Snif... Snif... Sniffffff
Um choro. Vindo da TV provavelmente, assim pensou Eduardo quando se levantou para desligar a televisão. Trôpego, caminhou até o aparelho e não encontrando botão, desligou-o da tomada. Era 01h30min da madrugada e a noite esfriara. Sua cabeça doía mais que seu pé, a ressaca estava chegando e ele mal tivera tempo para um cochilo. Imerso a esses pensamentos, ele se deitou sem se dar conta que o choro continuava.
Quando o silêncio imperou em sua mente e seus olhos estavam para render-se novamente ao sono, por fim Eduardo gelou. O choro não vinha da TV.
Assustado, olhou ao redor da sala e viu Marcio sentar-se sobre o outro sofá.
-Cara, quem está chorando?
-Ouviu isso também? - Perguntou Eduardo. - Achei que tivesse sonhando.
-Serão as meninas?
Sem dizer uma palavra, ambos levantaram-se e foram ao quarto ao lado.
William já estava de pé, ao lado de Anita e Jéssica, que assustadas, ainda seguravam a mão uma da outra.
-Que merda é essa? - Indagou William.
-Deve ser o caseiro - retornou Marcio. - Estranho um homem chorar desse jeito, mas só pode ser ele. Aconteceu alguma coisa. Vou ver o que é.
-Marcio - Jéssica interviu -, e se for outra coisa?
Marcio riu irritado.
-Pode ter certeza que não é.
O grupo aproximou-se da porta da sala e a abriu. A visão que tiveram foi de puro pânico e terror.
Sentado no banco de pedra em frente ao jardim da casa, um palhaço chorava. Seu choro agora era alto, não mais um soluço, mas sim um sentimento de total desespero transmitido em meio a lágrimas. O palhaço chorava aos berros com uma das mãos aparando a cabeça, enquanto a outra segurava um balão.
Jéssica gritou, e nesta hora, para sua infelicidade, o palhaço ergueu a cabeça e sorriu.
Seus dentes eram pontiagudos e pretos, e a carne de seu rosto desfigurada. Mas o olhar... Era o mesmo do palhaço Cuca. Calmamente, ele levantou-se e começou a andar. De seu rosto emanava ódio, mas seu olhar demonstrava a certeza de uma única coisa. Todos estavam condenados.
Antes que o palhaço atravessasse metade do jardim, Marcio empurrou seus amigos para dentro de casa e trancou a porta. As batidas começaram. A princípio violentas. Depois, diminuíram até cessar.
Ainda assustado, o grupo se entreolhou sem saber o que fazer. Eduardo ia falar alguma coisa quando as luzes da casa se apagaram. O terror foi geral, quando gargalhadas começaram a ecoar dos mais diversos cantos.
Marcio correu até a porta, forçando-a para que abrisse. Sem sucesso, desferiu chutes, até que sua perna atravessou a madeira já frágil, e alguma coisa o puxou para fora.
Após isso, as gargalhadas ficaram mais altas, até que por fim, uma luz vermelha iluminou o que já não era mais a casa deles.
Eduardo, Anita, Jéssica e William estavam em outro lugar.
-Respeitável público!... Com vocês!!... O palhaço Cuca!!!
O som de gritos de pessoas desesperadas em meio a uma cena de caos transmitiam urros tão incompreensíveis, que apenas uma gargalhada avarenta podia-se distinguir. Para a desgraça do filho, o senhor Almond Justo assistia a tudo da plateia gargalhando furiosamente, pronto para vê-lo em mais uma de suas ridículas atuações.
Subitamente, o teto de lona se desfez. O rosto do palhaço apareceu sobre ele, e agora era uma enorme careta, presente em todo lugar.
Os amigos tentaram correr, mas foram desfalecendo, a medida em que eram mordidos em todo o corpo. Em um último ato, o brilho de um revolver surgiu e ouviu-se um estampido.
Após isso, silêncio.
Um silêncio que durou três dias. Tempo suficiente para a polícia e a imprensa chegarem. Desta vez seria difícil dar uma explicação.
Cinco corpos jaziam pendurados em uma árvore perto ao túmulo dos Justo. Os cinco tinham o rosto pintado e estavam com nariz de palhaço. O túmulo? Trazia apenas dois caixões fechados. O terceiro tivera a tampa arrombada, e o corpo do palhaço Cuca havia desaparecido.
-"Senhor comissário, Senhor comissário!!" - Gritava um repórter.
- Sim?
- Como explica o enforcamento dos cinco jovens e o desparecimento do corpo do palhaço? Seria ele que teria os enforcado?
- Basta! Gritou um homem. Sem declarações.
Do alto da arvore, uma sombra pitoresca trajando roupas coloridas sorria, feliz por ter enfim realizado seu grande show.