Prisão

1

Amei demais, e paguei um preço alto por isso.

Já fazem três horas que estou encarando o corpo que balança de um lado para o outro, dançando sem vida, ao som do rangido de uma velha corda antes usada para um varal e das vigas já corroídas pelo tempo, que sustentam minha casa.

O fim chegou por causa do erro, por culpa do pecado. O amor acabou.

2

Achei que Lúcia era a mulher de minha vida.

Nos conhecemos em uma festa de um amigo meu e foi amor a primeira vista.

Ela era encantadora! Morena, olhos verdes, um corpo magro mas que me enfeitiçava e deixava-me carregado de desejo. Mas o melhor de tudo não era seus olhos ou seu corpo, e sim seu sorriso! Ah que sorriso lindo tinha Lúcia! Brilhante, maravilhoso, de uma beleza celestial.

Acho que ela sempre me amou da mesma forma que eu lhe amei, pelo menos no começo. De início foram três anos sendo a melhor namorada que um homem pode ter. Então, levado pela mágica rotina que levávamos, eu a pedi em casamento.

Lúcia aceitou, fizemos a maior festa, foi tudo perfeito.

Depois comprei uma casa e fomos morar juntos, prosseguir a vida dos sonhos.

Nos dois primeiros anos ela ainda sorria e tudo era maravilhoso.

3

O tempo passou e então eu errei. Me descuidei e as coisas começaram a desmoronar.

Lúcia parou de sorrir, parou de me beijar, parecia ter nojo de mim. A noite não fazíamos mais amor e nem mesmo conversar comigo ela queria. Eu não conseguia viver naquele clima, eu ainda a amava, queria que ela sorrisse, que nossa vida voltasse à perfeição, mas como eu já disse, eu errei.

4

Qual é o preço que pagamos pelos erros que cometemos? Pelos corações que destruímos?

A resposta é a dor, dor sob dor. Dor que só gera mais sofrimento e que me condenou, acabando com um destino que eu sempre sonhara, acabando com minha vida e com a de Lúcia também.

Eu ainda choro e para sempre irei chorar.

5

Demorou para eu descobrir que ela me traia, até hoje não sei quando tudo começou.

Eu sempre bebi demais e Lúcia não conhecia esse meu lado. Mas após as noites chegando embriagado escondido, após ela encontrar garrafas de bebida escondida em minhas coisas, eu resolvi parar.

Certo era que meu vício era tão forte como o amor que eu sentia por Lúcia. Mas eu já não aguentava mais ver ela me olhando com cara de desprezo e infelicidade. Não aguentava mais ver ela chorando quando eu chegava tropeçando, ébrio devido a horas passadas dentro de um medíocre bar bebendo com desconhecidos que não tinham nenhuma consideração por mim, mas que mesmo assim eu insistia em achar que eram meus amigos, os melhores amigos do mundo.

6

Parei de beber por Lúcia e então chegando em casa mais cedo, sóbrio, encontrei minha esposa no banho e seu celular em cima da mesa da sala.

No aparelho uma mensagem, falava sobre um encontro, já estava combinado, iria ser em uma praça, no dia seguinte as quinze horas.

Li o nome Pedro e fiquei me perguntando quem seria aquele cara. Li as demais mensagens e fiquei carregado de raiva. Lúcia conversava com ele por SMS da mesma maneira que me tratava no inicio da relação. Nas mensagens o amor de minha vida se dizia carente e tentava demonstrar com todas as palavras a ausência de amor e carinho que sentia.

Eu não conseguia acreditar no que meus olhos viam, não era possível! Eu havia errado, arruinado tudo!

Sai de casa, Lúcia nem percebeu, fui para o bar, sabia que aquele era meu refúgio. Bebi como nunca naquela noite e dormi na rua. No dia seguinte fui para casa, Lúcia perguntou-me se eu não iria trabalhar, menti que sim e sai carregando na mochila um objeto que eu tinha guardado a muito tempo, um calibre 38, que pertencera a meu pai e que eu nunca havia pensado em usar. Isso até o dia da maldita mensagem.

7

Esperei na praça até as quinze horas e de longe vi Lúcia se encontrar com outro homem. E então abraça-lo, beija-lo.

Vi os dois sentados em um banco, de mãos entrelaçadas, com os olhos brilhantes. Lúcia sorria, o sorriso mais lindo do mundo, o sorriso que pertencia apenas a mim.

Caminhei em direção deles e quando me viram eu comecei a atirar. Disparei nos dois, descarreguei a arma, ali mesmo na praça.

Acertei na cabeça de Pedro, no meio de sua testa. E outros tiros no peito. Em Lúcia o primeiro tiro foi direto na cara, estraçalhando a face que a poucos segundos expressava o sorriso dos sonhos de qualquer homem.

Os corpos caíram no chão, o sangue escorreu pela grama e eu satisfeito, voltei para casa.

8

Eu não queria mais viver, não mesmo. Por isso tomei uma decisão.

Peguei a arma, coloquei em baixo do queixo e puxei o gatilho. Mas minha cabeça não estourou, pois o 38 não tinha mais munição.

Ri e depois chorei, era aquele o preço que eu iria pagar por ter errado? Eu não queria ser a vítima, mas também não queria ser o assassino.

Sem saber o que fazer e tentando fugir da culpa, eu peguei uma corda, amarrei na primeira viga que encontrei na cozinha de minha casa.

Depois arrumei uma cadeira, subi nela, passei a corda por meu pescoço e respirei fundo.

Então pulei, torcendo para que fosse rápido, para que a corda não arrebentasse, para que tudo passasse logo.

Agonizei, até que a escuridão chegou.

9

O preço por matar, por destruir vidas é a eternidade vazia. É o sofrimento atemporal, um fluxo cíclico que não traz nada, a não ser mais sofrimento.

Abri os olhos.

Estava deitado no chão da garagem, achei que a corda havia arrebentado. Mas quando olhei para cima vi meu corpo dançando e ouvi uma voz em minha cabeça, que provavelmente era minha própria consciência falando:

"Você destruiu tudo, olha o que você fez! Se condenou! Imbecil! Mas agora você vai pagar, vai passar a eternidade aqui, sem pode fazer nada, você agora é um fantasma! Um espirito imundo preso no mundo dos vivos!"

Desde então só se passaram três horas, mas a eternidade já demonstra seus efeitos. Meu corpo dói e eu só tenho vontade de chorar.

A poucos minutos vi um grupo de policiais encontrando meu corpo e indo embora, deixando a casa sozinha. Tentei entrar em contato com eles, mas ninguém me viu, ouviu.

Tentei deixar minha casa, mas nem isso consigo. As portas e janelas estão todas trancadas, até parece um prisão.

A última gota de esperança que me resta, é que alguém encontre estas folhas, que de uma forma sobrenatural, estão sendo preenchidas por minhas mãos de além.

Alguém que leia isto e tenha piedade de minha alma. Preciso de libertação, preciso sair desta prisão.

Por favor, me ajude...

Mr Belzebu
Enviado por Mr Belzebu em 20/11/2013
Código do texto: T4579053
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.