Amaldiçoados

- Sente-se aqui, preciso lhe contar uma história.

- Novamente. Você sempre conta a mesma história Will.

- Mas ela é muito bonita e aterrorizante. Precisa ser contada tantas vezes até você conseguir lembrar-se de todos os detalhes.

Em um fim de semana ensolarado e de muito calor decidi caminhar pela pequena cidade onde morava. Poucas ruas, poucos mercados e uma casa abandonada, ou melhor, amaldiçoada de acordo com os moradores mais antigos. Coloquei minha playlist nada pequena que continha desde Capital Inicial, Scracho e Legião, até Ac/Dc e Green Day. Andando livremente pela estrada até que me bateu uma curiosidade. O que será que tem dentro daquela casa abandonada? – Ainda não acredito que fui tão fundo nessa minha curiosidade – Andei até a casa abandonada. E foi ai que o terror começou. Por mais que eu tentasse mudar de música no celular. Nada adiantava. Sempre repetia a mesma música - Highway to Hell – meu coração começava a bater mais e mais forte, adentrei o cercado da velha casa. Uma casa de madeira que continha dois andares, janelas quebradas e madeiras amareladas com o tempo, devia ter mais de cinquenta anos.

Cheguei à porta e quando coloquei a mão na maçaneta um choque veio pulsando dentro de mim. A música parou de tocar. Comecei a sentir cheiro de limão com alecrim. Fiquei muito tonto, minha visão ficou desfocada. Até que então a recuperei e percebi que o local tinha mudado. Ou não. A casa ainda era a mesma, porém estava intacta. Tudo parecia inteiro e novo. Então vi dois homens discutindo, não conseguia ouvir, e foram depois de uns cinco minutos que um deles sacou uma arma e atirou. Logo depois uma mulher e uma adolescente apareceram na sala numa correria grande. O homem também atirou nas duas e saiu correndo. Tudo começou a girar. Voltei à casa abandonada. E então comecei a ouvir uma voz estranha – Amor, A morte, Amor-te – E logo em seguida – Saia, vá embora – Congelei e meu coração veio na boca. Mas minha curiosidade foi maior e subi as escadas.

Lá em cima tinha um corredor enorme e ouvi um choro. Fui correndo ver o que era e quando entrei na última porta do corredor, um susto. Tinha uma menina com longos cabelos pretos e pele muito pálida. Aproximei-me dela e por um impulso mais forte que um lutador de MMA, eu a abracei. Senti fortes correntes elétricas dentro de mim e tive uma nova visão. Era aquela menina sendo espancada por uma mulher. Eu sentia as dores dela. Voltei para casa, ela ainda estava chorando.

- Calma, Vai ficar tudo bem. Qual seu nome?

- Samara, e nunca está tudo bem para mim. Vai embora.

- Não. Você precisa de ajuda.

Então ela me contou toda a história de sua vida e que era um fantasma. E foi a única da família que não conseguiu ir para o paraíso, ou inferno. Sua alma ficou vagando por essa casa durante vinte anos e não sabe como fazê-la para liberta-la. Toda vez que ela me tocava eu conseguia sentir toda dor e angústia dentro dela. E às vezes tinha mais visões de sua vida de sofrimento e solidão. Era horrível. Aterrorizante. Mas minha curiosidade sempre falava mais alto.

- Você teve algum amor na sua vida?

- Vivi apenas por dezesseis anos. E não podia sair de casa, nunca vivi um amor sequer.

- Nunca saia nem pra brincar?

- Não. Apenas tinha uma boneca, que eu amava demais, porém minha madrasta a queimou.

A cada detalhe eu ficava com o coração partido. E nos dias que se seguiram ia a visitar todo santo dia. Em um deles levei uma boneca, pela primeira vez a vi sorrir. Um sorriso encantador. Ela me abraçou muito forte e tudo começou a girar. Nessa visão a vi chorando depois de a madrasta ter dado um tapa em sua cara. Não entendi o motivo do tapa. Voltei para casa. Nitidamente estava aterrorizado.

Outros dias se seguiram e minha rotinha era ir a visitar todos os dias. E em cada um lhe ensinar algo novo para que ela possa simplesmente esquecer-se de tudo. Porém a cada toque tudo aquilo acontecia, a dor, a angústia, as visões. Estava me consumindo. Porém aguentava tudo para ver o sorriso em seu rosto, a ver sorrir fazia meu dia ter válido a pena. Mas foi quando ela novamente caiu aos prantos lembrando-se do passado que percebi o quanto estava apaixonado. Não aguentava a ver chorar. Apaixonei-me por um fantasma. Foi a melhor e a pior coisa que me aconteceu em toda a vida.

- Sr. Will. A história já está acabando? Preciso atender outros pacientes.

- Acalma-se senhorita. Você já a ouviu e sabe que não tem hora para acabar.

Os dias passaram depressa. Não dava para contar as areias caindo na ampulheta imóvel. Tudo que pensava e fazia estava relacionado com Samara. A menina fantasma. Meu mundo virou de ponta cabeça, estava fadado a viver com aquilo. A cada toque uma nova maldição. Decidi encarar isso de frente. Sem sucumbir para o medo. Então no dia treze de maio de mil novecentos e noventa e cinco. O dia em que minha vida mudou completamente. Fui até a casa abandonada ouvindo música. Porém a única coisa que eu ouvia era uma voz estranha dizendo – Amor, A morte, Amor-te – Quase fiquei louco até chegar lá.

- Preciso lhe contar uma coisa Samara. – Ela olhou para mim de uma forma muito graciosa.

- Fala Will. Você sempre chega para me alegrar.

- Eu estou apaixonado. – Um silêncio tomou conta do ambiente – Estou apaixonado por você.

- Não. Não. Isso não é certo. Eu sou apenas um fantasma.

- Você não gosta de mim? – Estava um pouco decepcionado.

- Não é isso... Eu amo você desde a primeira vez que lhe vi. Só que toda vez que você encosta em mim acontece coisas ruins pra você. Você não merece isso... Tem certeza que quer isso?

- Tenho tanta certeza disso quanto que fantasmas existem – Ela então abriu o maior e mais lindo sorriso que eu já vira em toda minha vida. Cheguei perto dela para lhe dar um beijo. Ela apenas virou o rosto e começou a chorar.

- O que foi?

- Não vai dar certo, me beijar é como beijar a morte – Virei o rosto dela para olhar em seus olhos verdes que estavam cheio de lágrimas. Apenas sorri e lhe falei.

- Então eu quero morrer todos os dias.

- Está na hora de encerrar a história. Ela está começando a chorar e eu não quero isso.

- Quem está começando a chorar?

- Samara.

- Eu não consigo ver ela aqui.

- Eu também não consigo vê-la. Mas consigo senti-la.

Willpsk
Enviado por Willpsk em 28/10/2013
Código do texto: T4545246
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