A Morena Assombrada

Quarta-feira, 19h, Cuiabá. Tatianna voltava para casa em seu jipe Troller, o orgulho da moça. Geóloga, comprou o veículo com muito esforço, por meio do pífio dinheiro do estágio. Prestes a se casar e agora ganhando bem mais, a contente jovem ouvia no rádio uma amena música, dessas que tocam na Antena 1.

Tinha de pegar uma rodovia, porque morava na zona rural. Ela e seu noivo optaram pela localização, por ser distante do centro e não ter barulho, além de ser possível a visualização do maravilhoso céu noturno.

Na metade do caminho, o toró desabou. Ela sempre teve medo de tempestades, quando era criança, e alguns resquícios dessa fobia ainda se apresentavam. Procurava manter a calma, como orientava o futuro marido, psicólogo, mas se começasse a imaginar as coisas ruins que poderia lhe ocorrer, entrava em pânico. Teve de ligar o limpador de vidro, pois as gotas eram espessas e frequentes. Sua visibilidade era baixa, e seu coração começava a palpitar com mais intensidade.

Num átimo, um raio caiu a menos de 25 metros do seu carro, em uma das plantações de soja. O clarão desviou-lhe a atenção, fazendo-a perder o controle do carro, que foi parar no acostamento.

-Por sorte, não aconteceu nada. Graças a Deus.

Simplesmente, mais calma, voltou a pilotar. Mas, lembrando a cena, algo esquisito apareceu. Pensando na situação com mais calma, notou que viu um homem, com aparência de cerca de 40 anos, colorido totalmente em branco, sendo apenas sua pupila escura, como se fossem os abismos mais profundos que resultassem nos portões do inferno grotesco e demoníaco. Achou, sobretudo, que fosse apenas impressão.

Ao chegar em casa, o iminente esposo não estava, e a chuva só fazia piorar. Tentou ligar para ele, mas seu telefone estava fora de área, com certeza por causa da chuva. Um torpedo datado de três horas atrás chegou ao seu celular, dizendo: "Amor, vou ficar até mais tarde com um paciente, chego às 21h."

E ainda eram 19h30. Para espantar a solidão o transtorno que a tenebrosa tormenta causava, preparou o jantar e decidiu tomar banho. Despiu-se, então, e foi ao banheiro. Nua, lindíssima, uma flor humana, de pele morena acetinada, olhos castanhos, botão róseo e delicado, como uma verdadeira margarida. Não era à toa que era cortejada por praticamente todos os homens.

Abriu o chuveiro, e aquele barulho de água lembrava em muito a chuva. Procurou ignorar. Começou, então, a tomar o seu banho. Entrou por debaixo da água, e ouviu outro raio, desta vez estrondoso, como se tivesse caído do lado de fora da casa. Não viu o clarão. Manteve-se serena. Enxaguando as mamas e o resto do corpo, sentia-se quente e mais leve, até finalmente lavar os pés, o que exigia que ela abaixasse um pouco. Ensaboando por entre os dedos, seu campo de visão contemplava a janela, que mostrava a noite mais escura que o vazio do universo e que se fazia possível ver o som do tilintar maligno das gotas do inferno que diretamente em seu cérebro caíam e atrapalhavam seus pensamentos.

Ouviu um grande barulho, acompanhado de outro clarão. A luz, desta vez, era muito mais intensa, causando-lhe total dor nos olhos, mas ela não queria fechá-los. Viu o mesmo homem, diante de si, naquela luz ofuscante que não cessava. A sinistra figura chegava mais perto, cada vez mais, até dar-lhe um beijo e tudo se apagar. Tatianna desmaiou.

-Meu Deus, meu amor, o que aconteceu?

Ao abrir os olhos, via nada além da escuridão. Os olhos de Tatianna tornaram-se secos, atrofiados e necrosados, como se fosse um pedaço de carne esquecido ao fogo.

Alberto Fitzgerald
Enviado por Alberto Fitzgerald em 22/05/2013
Reeditado em 22/05/2013
Código do texto: T4303619
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