Ônibus preto
Murilo e sua namorada Isabela andavam calmamente pelas ruas de Curitiba, sendo a fresca brisa de outono, em um final de tarde, passar pelos seus corpos. Murilo, que sempre fora um apaixonado por academia, protegia, com sua musculatura gigante, o corpinho de Isabela, que apesar de pequeno, era levemente rechonchudo.
Pararam numa praça qualquer e ficaram namorando ali. Quando eram aproximadamente 19h30, já estava escuro, e Isabela disse que precisaria ir para casa. O namorado gostaria de poder levá-la, mas era menor de idade e não tinha licença para dirigir. Ela tinha de sempre voltar para casa de ônibus, e foi o que fez.
Esperaram cerca de quinze minutos no ponto, que estava completamente vazio. Aquela rua, na verdade, que era bem próxima aos limites da cidade, era completamente deserta. O ambiente, fúnebre, dava calafrios nos dois.
-Não se preocupe meu amor, eu te protejo.
-Murilo, você sempre me conforta...
Apareceu o ônibus, com as luzes acesas, motorista e gente dentro. Não havia nada de estranho, além de cor negra na pintura do veículo.
Ué - disse Isabela - os ônibus não eram vermelhos?
-Devem ter mudado, sei lá.
-Vamos moça! - gritou o motorista. A manceba se despediu do namorado com um selinho e graciosamente entrou. As portas foram fechadas, e o ônibus saiu. Murilo olhava o veículo indo embora, e desaparecer nas sombras. Foi a pé para casa, pois morava não muito distante dali.
Lá pelas 22h, Murilo tentou ligar para Isabela, sem sucesso. É como se o telefone estivesse fora da área de cobertura ou desligado, achou que tivesse dado algum defeito no aparelho ou acabado a bateria. Foi dormir, calmo e feliz, sobretudo.
No dia seguinte, acordou tarde por estar cansado. Olhou o celular e viu que não havia nenhuma notificação: ninguém havia nem ao menos tentado ligar para ele. Chamou, novamente, pelo celular da namorada, que deu a mesma resposta.
-Ela deve ter perdido o celular... Certeza.
O dia seguiu, e quando chegou a noite, Murilo começou a ficar nervoso. Nada de Isabela. Ligou na casa onde ela morava, mas foi em vão, pois Isabela era uma universitária, que morava sozinha em uma kitnet. Desesperado, falou com os pais e foi até a polícia. No outro dia, foi até a agência de transporte público na cidade, e nenhum ônibus preto estava registrado. Ela havia sido "sequestrada sem querer"
Uma semana se passou, um mês, um ano, dois anos, cinco anos, e Isabela nunca mais voltou. No exato aniversário de seis anos do desaparecimento da garota, Murilo decidiu esquecê-la, apesar da dor ser imensa. Ela já havia sido considerada morta, apesar do corpo jamais ser encontrado. Quase se formando na faculdade de engenharia química, decidiu então ceder ao amor de uma linda menina, chamada Gabriela, que gostava dele desde o início do curso. Acabaram ficando juntos, e na noite em que transaram, no apartamento dela, alguém bateu na porta.
-Eu atendo- disse a nova namorada. Ela foi até a porta e abriu. Murilo pôde ouvir um grito. De repente, lá estava Isabella, toda em farrapos, em estado de putrefação.
-Meu amor, eu voltei, para sermos felizes de novo!
-Não... isso só pode ser um sonho... Fique longe de mim!
Com um grande sorriso no rosto, ela foi até ele e o agarrou. Ele deu diversos socos naquele corpo duro, o que era em vão. Então, ela, com uma boca podre com vermes residindo, deu um grande e gostoso beijo no rapaz. Depois desse ato, ele vomitou.
-Venha, meu amor, vamos para a nossa tão merecida lua de mel que você me prometeu!
-Não... não...
Ele tentou resistir, mas Isabela segurou-o pelo antebraço, cravando as unhas na carne, tão fundo a ponto de os dedos da morta entrarem pela metade. Se Murilo fugisse, perderia a mão.
-Vem...
Tendo de acompanhá-la, Murilo viu que os dois olhos de Gabriela, no chão, estavam furados, e ela soltava sangue pelo tórax recortado.
-Essa vadia estava no nosso caminho. Vamos ser felizes!
Como já era de madrugada, Murilo gritava e de nada adiantou. E ele, só de cueca, foi puxado por ela até o mesmo ponto de seis anos atrás. Ouviu um motor a diesel roncando, e um farol ofuscou seu rosto.
-Veja, esse ônibus nos levará para a nossa viagem! Sobe comigo, meu amor!
E o formando, completamente desesperado, sabendo do destino que o aguardava, subiu. O motorista, que não tinha um olho, sorriu, com dentes amarelados e rotos. O veículo saiu, perdendo-se na escuridão, para voltar novamente, pronto para levar mais almas desavisadas.