Eles não voltam sozinhos.
Então seu marido achava que era uma espécie de Jesus?
Assim começou o interrogatório de Márcia Veras ,sobre a morte de seu marido, o Médico Antônio Veras na última noite.
Sentindo o sarcasmo na voz do detetive, Márcia se absteve de responder a pergunta.
O detetive percebendo a reação de Marcia resolveu assumir uma posição mais séria e perguntou: - Porque matou seu marido?
- Eu já disse em meu depoimento. Respondeu secamente.
O detetive puxou uma folha de dentro de uma pasta que estava ao lado de sua cadeira e a leu em voz alta: - A que diz que seu marido enlouqueceu e tentou matá-la durante a madrugada. - -Foi isso mesmo. Respondeu Marcia.
-Em seu depoimento a senhora alega que ele acreditava ter o dom de ressuscitar pessoas.
-Ele tinha o dom! Respondeu com uma voz firme.
O detetive deu uma risada sonora, e continuou: - Não seria mais fácil a senhora admitir que descobriu que seu marido tinha uma amante, e não aguentando carregar esse fardo nas costas o matou?
Marcia apenas ficou observando o detetive, não lembrava como ele se chamava, mas acreditava ser Mariano Silva, ou Mariano Pereira, era um sobrenome desses bem comum.
-a senhora desferiu quarenta facadas em seu marido, acho que isso combina muito mais com uma traição recém descoberta.
-Por quanto tempo vão me manter presa aqui?
-O tempo que for necessário para juntarmos as provas para provar sua culpa.
O delegado já entrou com o pedido de prisão temporária para a senhora.
Márcia abaixou a cabeça por um tempo e falou: - Eu sabia que meu marido frequentava a casa daquela mulher; ele não estava me traindo.
Naquela casa morava uma jovem menina chamada Monica, foi a ultima pessoa ressuscitada por ele.
-Vai continuar sustentando essa mentira?
Márcia nada respondeu. O detetive a olhou durante um tempo, para depois continuar falando:
Eu estive na casa, não havia mais ninguém morando lá, estranhamente deixaram tudo para trás, móveis, eletrodomésticos, para mim quando sua vizinha descobriu o que fez com o seu marido resolveu fugir para não ser a próxima vitima.
Márcia deu uma gargalha estrondosa, em seguida olhou o detetive nos olhos e disse: - Ou pode ser também que o que aconteceu naquela casa foi tão terrível que eles não quiseram guardar nada daquilo em suas vidas novas.
-Bem conveniente isso... Respondeu o detetive Mariano .
-Amanda Souza, Ronaldo de Jesus, Milton Nunes, Cássio Vergueiro!
-O que tem esses nomes? Perguntou Mariano demonstrando uma curiosidade crescente no tom de voz.
-Investigue, e descubra o que eles têm em comum.
-Talvez eu faça isso. Respondeu ele para logo em seguida chamar um guarda para levar a prisioneira de volta a sua cela.
Assim que saiu da sala de interrogatório, o delegado Silas o chamou e perguntou: - Conseguiu tirar algo dela?
-Ainda não. Continua com a história sobre seu marido ter poderes paranormais.
-Quando a perícia vai começar a fazer a autopsia no corpo? Perguntou ao delegado.
Essa greve dos legistas deve nos atrasar um pouco, mas acredito que até amanhã esteja tudo resolvido. E sua filha como está?
-Ela está bem, estou indo ao hospital agora. Respondeu Mariano.
-Melhoras para ela!
Na Saída da delegacia Mariano refletiu sobre os problemas que começaram a afligir sua família nos últimos meses, primeiro a separação da esposa que foi embora do país largando as filhas de dez e seis anos respectivamente para ele criar sozinho. Não que ele achasse que era um sacrifício, amava Lívia, e Raquel a menorzinha, mas não entendia como uma mãe largava as filhas assim para trás. Logo depois Lívia começou a ter desmaios frequentes, depois de uma bateria de exames, foi constatado que a menina tinha um tumor no cérebro, posteriormente o resultado dos exames acusou um câncer maligno. Em outras palavras sua filha tinha pouco tempo de vida.
Assim que chegou ao hospital sua filha o recebeu com um imenso sorriso no rosto, onde antes havia lindos cabelos encaracolados, agora havia apenas uma cabeça lisa.
-Porque demorou papai?
-Fiquei preso no trabalho filha! Respondeu, enquanto alisava o rosto da filha.
-Como foi seu dia Lívia?
-Foi bom, quase não senti dores, dormi a maior parte da tarde. Respondeu se espreguiçando a menininha.
-Teve bons sonhos?
-Não sei ao certo papai, sonhei com um homem que parecia estar perdido, estava em uma floresta, onde as árvores estavam todas com as folhas secas, ele parecia estar tentando achar seu caminho de volta para casa.
Mariano abraçou a filha e falou: - Foi apenas um sonho filha.
Ficou mais meia hora conversando com a filha antes de ir embora. Já no caminho de volta lembrou-se dos nomes ditos por Márcia, e resolveu investigar.
Três dias depois a primeira coisa que disse foi: - Investiguei os nomes!
-Descobriu o que eles têm em comum?
-Todos foram pacientes do mesmo hospital que seu marido trabalhava.
- E o que mais? Perguntou.
- Tiveram a morte constatada por mais de cinco minutos, e milagrosamente conseguiram se recuperar.
-Se você for mais a fundo, descobrirá também que meu marido estava de plantão no hospital todos esses dias.
Ele juntou as mãos e falou: - Eu não duvido disso, a senhora é tão doente que planejou tudo.
- A menina Mônica foi o único caso diferente geralmente ele tinha suas regras, só curava essas pessoas no hospital, não queria ser descoberto, mas ele não aguentou ver o corpo da menina.
-Ela havia sido atropelada por um ônibus, enquanto tentava atravessar a rua, ela só tinha seis anos.
- Meu marido adorava aquela menina, sempre que ela o via pedia doces.
-Ele a ressuscitou em frente de uma multidão.
-E ninguém que testemunhou um fato tão “incrível” como esse chamou os jornais? Perguntou Mariano com seu tom de deboche habitual.
-Chamaram sim, mas ninguém se interessou pela notícia, era sensacional demais para alguém acreditar. Você acreditaria se abrisse um jornal com a seguinte noticia:- Homem ressuscita menina de seis anos!
Antes que ele pudesse responder qualquer coisa seu celular tocou, ele observou o nome que aparecia na tela brilhante do telefone, e seu rosto assumiu feições de preocupação: Oi Amor! Disse ele ao Atender o telefone.
-Ela piorou? Perguntou ele, enquanto baixava a cabeça e levava uma das mãos à testa.
-Tudo bem, já estou indo para ai. Continuou ele desligando o telefone em seguida.
No hospital foi informado que o estado de sua filha havia piorado, e que no momento ela estava passando por uma cirurgia. Ficou na recepção aguardando por mais informações que nunca chegava.
Logo chegaram seus familiares, sua mãe que estava tomando conta de sua filha mais velha, alguns amigos e sua ex esposa.
Verônica se aproximou, gentilmente tocou em seu ombro e disse: - Ela é forte. Vai melhorar.
Mariano não conseguiu disfarçar a raiva que sentia naquele momento, o que aquela mulher fazia ali? Ela deixou para trás não só ele, como também as duas filhas: - Fora daqui, você não tem direito de estar aqui! Vociferou enquanto empurrava Verônica em direção a porta de saída.
Verônica tentava se desvencilhar dele sem sucesso, Mariano estava completamente transtornado só parou quando ouviu uma voz atrás de si: Senhor Mariano Silva?
Era o Médico. – Sim sou eu! Respondeu sem esconder sua preocupação.
-Tentamos de tudo, mas infeliz mente sua filha faleceu.
Mariano havia se isolado num canto do hospital, não queria falar com ninguém. Como seria voltar para a casa, e ver os brinquedos de sua filha espalhados?
Ele conseguiria se recuperar desse trauma? Acreditava que não. Se não fosse por Raquel já teria dado um ponto final em sua vida.
-Pai! Ouviu Raquel o chamar.
Olhou para trás e encontrou a filha de apenas seis anos com os olhos vermelhos.
-Minha Irmâ está no céu?
-Está sim minha filha, papai do céu está cuidando dela agora.
O que Mariano desconhecia era que enquanto ele conversava com a filha no corredor do hospital, uma auxiliar de necropsia caia desmaiada no chão do necrotério. Antônio Veras após dois dias de óbito chamou pela esposa.
Na chegada a delegacia no dia seguinte a morte da sua filha, Mariano teve que deixar seu carro estacionado dentro do estacionamento de um supermercado, pois era impossível entrar na rua da delegacia de carro;uma multidão se espremia por toda a rua da delegacia, jornalistas, religiosos, curiosos, todos atraídos pela história do homem que voltou do mundo dos mortos.
Alguns religiosos acreditavam que havia acontecido um milagre, enquanto outros achavam que era obra do coisa ruim., Mariano conseguiu entrar na delegacia com uma certa dificuldade, assim que adentrou pela porta foi recebido pelo delegado Silas com um olhar incrédulo: -Não esperava você aqui! -Sinto muito pela sua filha.
-Tudo bem. Essa é a lei da vida, não podemos fazer nada.
-Como está o médico?
-Em coma. Ele chamou pela mulher, e depois disso não teve mais nenhuma ação, mas a cada hora que passa seu quadro clinico evolui; ele já respira sem a ajuda de aparelhos.
-Eu vi alguns jornalistas comentarem que ele teria ressuscitado quatro pessoas que estavam próximas a ele no necrotério, isso é verdade?
-Isso é verdade. Mas não vamos dar nenhum tipo de declaração para a imprensa.
- E Por quê? Perguntou Mariano.
-Não acho que seja o momento certo.
-Preciso de um dossiê completo sobre ele e a esposa. Quero saber quem são essas pessoas !
-Pedirei para te mandarem Mariano.
Mariano ficou parado em frente ao delegado sem dizer nada, o que chamou a atenção de Silas: - Quer dizer mais alguma coisa?
-Na verdade, queria autorização para levar o corpo da minha filha até o Doutor Veras.
-Droga Mariano você sabe que não podemos permitir isso. Não posso te negar isso, você vai fazer por sua conta e risco, terá que ser durante a madrugada, mas se alguém te pegar, lembre-se você foi sozinho!
-Tudo bem Silas. Ninguém vai me pegar! Em seguida virou as costas e seguiu o caminho para fora da delegacia.
O guarda responsável pela segurança do quarto do Doutor Veras, já havia sido informado do que aconteceria ali, exatamente as duas da manhã em ponto fingiu estar passando mal da barriga para se ausentar do seu posto, Mariano entrou facilmente no quarto do Doutor, tão fácil quanto tirar o corpo de sua filha do necrotério. Pensou ele.
O corpo do Doutor Veras estava isolado em um quarto particular, ao entrar sentiu seu corpo todo arrepiar. Tinha a sensação de que algo o vigiava, era como se a escuridão do quarto tentasse o engolir.
As sombras que o farfalhar das arvores criavam na parede, mas pareciam esculturas mal formadas de humanóides.
Mariano deitou sua filha gentilmente ao lado do Douto Veras e apenas esperou.
Meia hora havia se passado, e nada acontecerá, Mariano estava nervoso, temia que alguma enfermeira entrasse no quarto para avaliar o estado do paciente.
- Por favor, meu Deus traga a minha menina de volta pensou ele.
Às três horas da manhã, o guarda o avisou que a enfermeira estava indo em direção ao quarto, que ele teria que sair, Mariano tentou resistir, mas sabia que nada aconteceria. Aceitando o destino, pegou o corpo sem vida de sua filha no colo e saiu dali.
Na primeira hora do dia seguinte ele estava frente a frente com Márcia, estava completamente transtornado:-Quero saber como seu marido ressuscitava alguém e por que com a minha filha não funcionou!
-Não sei como funciona, só sei que acontece. Pense o seguinte, talvez não fosse para acontecer.
Mariano agarrou Márcia pelo pescoço e apertou o mais forte que podia logo depois dois detetives entraram esbaforidos na sala e o puxaram para fora: - O que está fazendo Mariano? Gritou um dos detetives.
-Me soltem! Retrucou Mariano, caminhando em direção a saída da delegacia.
Era o dia do enterro de Lívia. A temperatura estava agradável, o sol de vez em quando aparecia por entre as nuvens, Mariano nada dizia, não chorava mais, para muitos ele estava passando a imagem de um homem frio, mas não era essa a verdade, seu sofrimento era tamanho que era como se ele na verdade não estivesse Ali.
Lívia apresentava uma aparência serena. Parecia estar dormindo.
Mariano não tirava os olhos da filha, podia jurar que a filha estava mexendo a boca, quando a menina abriu os olhos alguns suspiros puderam ser ouvidos.
A avó da menina se aproximou para lhe fechar os olhos, bruscamente à mão de Lívia emergiu do caixão impedindo ela de realizar o ato.
A menina estava viva!
Algumas pessoas desmaiaram outras correram em pânico, e algumas poucas oravam: Era um milagre diziam elas!
Mariano sabia o que tinha acontecido, correu até a filha e a tirou do caixão: - Graças a Deus! Dizia ele apertando a filha entre seus braços.
-Nunca mais vou deixar você partir, papai vai estar sempre com você.
Naquela noite o caso foi transmitido pela TV, alguém havia filmado tudo com um celular.
Médicos, legistas e alguns conhecidos deram diversas declarações, afirmando que a menina teve o óbito constatado há dois dias por falência múltipla de órgãos.
Mauricio estremeceu sabia que sua casa estaria cheia de repórteres querendo uma exclusiva com sua filha. Querendo evitar a pressão sufocante que sofreriam da mídia, resolveu arrumar suas coisas e ir para sua casa de campo, onde dificilmente seria encontrado.
Acordou suas filhas no meio da noite e partiu em direção ao campo onde ao menos teria alguns dias de sossego.
Uma semana após sua partida, sua filha ainda estava quieta, raramente falava algo, passava a maior parte do tempo assistindo desenhos animados, ele tomava o maior cuidado para ela não assistir nenhum noticiário, não queria que ela soubesse o que o mundo falava dela.
Voltou a pensar em Márcia Veras, ela poderia dizer o que aconteceu com a menina Monica, será que ela ficou no mesmo estado que sua filha? Não aguentando mais pegou o telefone e ligou para o delegado Silas.
-Alô! Atendeu o delegado.
-É Mariano Falando Doutor.
-Meu Deus, onde você se meteu cara está todo mundo atrás de você?
-Tinha que preservar minha filha, não entregaria meu cordeiro aos lobos da imprensa.
-É você está certo...
- Preciso falar com Márcia Veras.
-Não sei se será possível, depois do que você fez a el....
-Escute Silas! Disse não deixando o delegado concluir sua frase.
– Minha filha está um pouco estranha e sei que ela pode me ajudar a entender o que está acontecendo.
Mariano ouviu uma respiração profunda de Silas do outro lado da linha, e em seguida ouviu a resposta: - Tudo bem venha por volta das sete da manhã!
No caminho Mariano estava preocupado com suas filhas, será que elas ficariam bem sozinhas?
Não poderia trazê-las, mas também não poderia ficar carregando essa angustia no peito, foi uma decisão difícil mas ele sabia quer era a decisão correta.
Assim que entrou na sala de interrogatório, Márcia o fitou de cima embaixo e disse: - Sabia que voltaria!
-Como?
-Quando vi a reportagem sobre sua filha na TV.
-Entendo. Respondeu Mariano sentando-se de frente para ela.
-Ela quase não fala correto?
-Passa a maior parte do tempo apenas vendo desenhos.
-Foi assim também com a menina Mônica.
-O que aconteceu a ela?
-Entenda que meu marido nunca havia ressuscitado alguém tão próximo; só acompanhava a distância e mesmo assim durante pouco tempo, apenas para saber se não haveria nenhum efeito colateral nesse regresso.
- Mônica foi um caso diferente, ela passou a ser uma menina retraída, enforcou seu gato de estimação e o amarrou em um poste na rua, disse aos pais que ele tinha roubado sua comida no prato.
Durante uma brincadeira na escola ela enfiou um lápis no olho de um garoto o deixando cego.
-Meu deus. Disse em uma voz quase inaudível o Detetive.
-Meu marido passou a frequentar a casa dela todos os dias à noite para tentar um meio de cura-la, ele percebeu que quando você traz uma pessoa de volta de outro mundo, ela não volta sozinha, volta sempre acompanhado de alguma coisa, e essa coisa passa a ser a parte dominante, não existe salvação, meu marido morreu tentando salvar Mônica; ele conseguiu tirar os demônios dela os transferindo para ele, acreditando que assim ela estaria curada. Infelizmente ela morreu durante o exorcismo. Por isso que aquela noite ele tentou me matar, não era mais o meu marido naquele corpo, o que estava nela passou para ele.
-Você está me dizendo que quem está em minha casa não é mais minha filha?
-Exatamente. Quem está com ela?
-Minha filha mais nova!
-Então é melhor você correr!
- Não acredito nisso!
- Lembra os nomes que você investigou?
-Os pacientes do seu marido?
Todos eles comentaram diversas atrocidades depois da ressurreição, se não acredita investigue!
-Milton Nunes, foi preso por pedofilia há dois anos atrás segundo investigações ele teria abusado de mais de trinta crianças com idades de quatro á onze anos; Amanda Souza, Presa há um ano atrás por assassinar a própria filha, a mantinha em prisão domiciliar, certa vez obrigou ela transar com cinco bêbados que ele convidou a sua própria casa, a menina fazia suas necessidades em um balde porque viva acorrentada na parede. Ronaldo de Jesus contraiu o vírus da AIDS depois de se relacionar com travestis, não satisfeito passou a contaminar outras pessoas durante saidinhas de bancos, espetava suas vítimas com uma agulha.
-Chega! Gritou Mariano. Ele não queria acreditar naquilo, mas algo gritava dentro dele para ir o mais rápido possível para casa, na saída da delegacia foi parado pelo Delegado Silas que Perguntou: - Como foi com ela, tirou suas duvidas?
-Sim.
-Pela sua cara, não descobriu coisa boa.
Mariano forçou um sorriso e respondeu: - Só estou preocupado com as meninas sozinhas em casa.
-Então é melhor você ir embora mesmo.
Mariano balançou a cabeça afirmativamente e caminhou para saída quando foi impendido mais uma vez por Silas: - Mariano!
-Sim. Respondeu visivelmente contrariado.
-O dossiê que você havia pedido sobre o casal Veras chegou, leve ele.
Mariano colocou o envelope embaixo do braço agradeceu e foi em direção ao seu carro, sua angustia crescia a cada segundo.
No caminho um acidente provocado por um caminhão que tinha tombado na estrada provocou um congestionamento de um quilômetro.
Arrependia-se agora de ser tão pão duro, nunca quis colocar um telefone na casa para evitar gastos que para ele era desnecessário, afinal, ia uma ou duas vezes no ano a casa de campo, ter um telefone lá não serviria para nada.
Assim que chegou em casa, correu para sala gritando pelo nome das meninas, ninguém respondia.
O desespero começou a tomar conta dele, correu para os fundos da casa e lá também não havia ninguém.
Caminhou em direção ao matagal e embaixo de um arvore encontrou um vestido jogado; era de Raquel sua filha mais nova.
Mariano agarrou o vestido da filha e o desespero tomou conta dele correu mata adentro, e na beira do Rio, avistou Lívia deitada com metade do corpo para fora do leito, ela estava afogando sua irmã mais nova.
Correu em direção as meninas e gritou: -Solta ela Lívia!
Lívia olhou para trás e deu um sorriso: - Papai.
Mariano não respondeu sua filha mais velha, ficou de cócoras na beira do Rio e puxou Raquel para a superfície.
A menina estava desacordada mais viva.
Aplicou os primeiros socorros cabíveis para essa situação, Raquel então começou a expulsar toda a água que havia em seu Pulmão.
Olhou para a filha mais velha e as palavras de Márcia vieram com força a sua cabeça: - Eles não voltam sozinhos, alguma coisa passa a ser a parte dominante!
Fechou os olhos e disse numa voz cheia de angustia: - Perdão filha, perdoa o papai onde quer que você esteja.
Em seguida agarrou a menina pelo pescoço e com toda a sua força a jogou dentro do lago.
A menina lutava para tentar se desvencilhar dos braços fortes do pai, mas não conseguia obter sucesso. Mariano evitava olhar para o olhar desesperado e sofrido da filha se afogando, mas pensava que apenas o corpo era da sua filha, após quase três intermináveis minutos a criança parou de se mexer, novamente tinha sido entregue a morte.
Mariano trocou a roupa molhada de sua filha por peças secas.
-Você está bem meu anjo?
-Minha garganta dói papai. Respondeu com uma voz chorosa.
-Logo logo passa amor, deita um pouco que você vai se sentir melhor.
Assim que a filha deitou Mariano foi até a sala e ligou a TV, estava com o espírito em frangalhos, não tirava a expressão de sofrimento que o rosto de Lívia apresentava na hora do afogamento.
Na TV a repórter dava à seguinte notícia que tomou toda a sua atenção:
O médico Antonio Veras, foi assassinado dentro do hospital onde se encontrava e teve sua cabeça arrancada .
E segundo as imagens de segurança interna do hospital a mulher que aparece nas imagens é sua esposa Márcia veras.
Mariano correu até o telefone e ligou para o delegado Silas.
-Silas, é Mariano. Acabei de ver na TV, a senhora Veras foi liberada?
-Não saiu. Não temos uma explicação para o que aconteceu. Respondeu o delegado em uma voz bastante insegura.
Mariano respirou fundo e falou: - Tudo bem Silas me mantenha informado.
- E as crianças?
-elas estão bem. Respondeu com a imagem de sua filha morta voltando para assombrar sua mente.
Abriu o envelope entregue pelo delegado e em meio a fotos, cartas e documentos, achou um pequeno diário, na primeira capa estava escrito em letras garrafais o nome do Doutor Antonio Veras.
Pegou uma caneta e foi sublinhando o que ele achava mais importante:
Nas primeiras páginas ele falava sobre como descobriu seu dom, que só realizava os milagres depois de sentir o coração tocado pelo espírito santo.
Ele fazia um relato completo de como era a vida das pessoas depois da ressurreição, Elas haviam se tornado pessoas extremamente bondosas, ligadas a Deus e extremamente humanas.
Alguma dessas pessoas ele acompanhou de perto por cinco anos.
Na página vinte e cinco ele relatava o primeiro encontro que teve com Márcia, ele a descreve como uma mulher linda, inteligente e sedutora, faltando lhe apenas um pouco de fé.
Todas as desgraças que ela teve na vida, culpava a Deus, com o tempo que ela entenda, o significado de fé, escolhas e destino.
As páginas seguintes era uma continuação de relato sobre ressurreição e sua vida com Márcia.
Porque ela havia mentindo para mim? Pensou Mariano.
Ela disse que a única pessoa que ele acompanhou de perto foi à menina, mas aqui está claro que ele acompanhou diversas pessoas.
Mas a frente no diário o médico relatava que tinha medo de que os pecados da esposa tivessem causado o endurecimento do seu coração, ela pecava cada vez mais contra o espírito santo.
Em outra pagina ele relatava a viagem que fez com a esposa ao Egito, aproveitando a valorização do Recém criado plano Real.
Durante a viagem ela sofreu um infarto fulminante dentro de uma das pirâmides, ele não poderia aceitar aquilo, aquela mulher era o amor da vida dele, tentou ressuscita - lá, mas seu coração dizia que não. Ela não merecia o dom da vida.
Fiquei furioso. Escreveu o médico. Servi minha vida toda aos propósitos de Deus e agora que peço um favor não posso ser atendido?
Mesmo sem consentimento trouxe minha esposa de volta.
No decorrer das páginas ele relatava que após a ressurreição, ela se mostrou inclinada, a trabalhar na área de saúde, fez um curso de enfermagem e foi trabalhar com ele no hospital.
Com o passar do tempo ele descobriu que as pessoas ressuscitadas ali, haviam cometidos crimes bárbaros no futuro.
Só depois de ressuscitar Mônica foi que ele entendeu, estava cego. Deus tentou lhe mostrar o tempo todo.
Quem ele trouxe de volta aquele dia na pirâmide não foi sua esposa, e sim uma legião de demônios, toda vez que sua esposa estava presente, ele não trazia a pessoa de volta e sim um demônio. O poder do demônio no corpo que outrora pertencia sua esposa subjugava o dele, ele abria o portal, e ela atravessava as legiões.
Ele terminava a página com a seguinte frase: - Felizmente ela só conseguia fazer isso estando próxima de mim, todas as pessoas que eu ressuscitei quando ela não estava presente deram sua contribuição para Deus e para o mundo.
Na última página ele apenas dizia: - Agora que já sei a verdade tenho que encarar os fatos exorcizar a pobre Mônica e em seguida mandar de volta ao inferno a Legião que vive no corpo que um dia pertenceu a minha esposa.
Felizmente ela só conseguia fazer isso estando próxima de mim, todas as pessoas que eu ressuscitei quando ela não estava presente deram sua contribuição para Deus e para o mundo.
Felizmente ela só conseguia fazer isso estando próxima de mim, todas as pessoas que eu ressuscitei quando ela não estava presente deram sua contribuição para Deus e para o mundo.
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A frase ficava martelando em sua cabeça.
Felizmente ela só conseguia fazer isso estando próxima de mim, todas as pessoas que eu ressuscitei quando ela não estava presente deram sua contribuição para Deus e para o mundo.
Mariano levou as mãos à cabeça, o que ele tinha feito? Márcia estava longe quando ele levou sua filha até o Doutor Veras, não existia a possibilidade de ela estar possuída por demônios.
Mas ela estava tentando afogar a irmã. Disse em voz alta para si mesmo.
Mariano estava confuso, levantou e começou a andar de um lado para o outro.
Sua filha mais nova apareceu na sala e perguntou: - Pai cadê a Lívia?
Com lágrimas brotando dos olhos Mariano não conseguiu responder nada.
-Está triste comigo papai? Perguntou a menina olhando para o chão.
-Não filha, porque deveria estar?
-Quando o senhor saiu, eu tentei conversar com Lívia, mas ela não me respondia então a segurei pela mão e a levei para o mato, quando chegamos embaixo da mangueira eu resolvi tirar meu vestido para dar um mergulho. Disse para ela fazer o mesmo, mas ela não me respondia.
Entrei no lago, e fiquei me segurando na ponta, mas a terra cedeu e eu cair, eu fiquei desesperada chamando por ela, e depois de algum tempo ela correu na minha direção e tentava me tirar da água. Depois eu vi você chegando e acho que desmaiei.
-Não briga comigo esta papai? –
Felizmente ela só conseguia fazer isso estando próxima de mim, todas as pessoas que eu ressuscitei quando ela não estava presente deram sua contribuição para Deus e para o mundo.
Essa foi a frase que martelou na sua cabeça até o fim de sua vida.