Quando Marcos Alencastro completou 100 anos
Em todos esses anos eu menti, roubei, enganei, manipulei, matei... Minha existência resumiu-se no fato de precisar sobreviver. Infelizmente minhas necessidades estão acima do bem e do mal. Pelo menos pra mim.
As horas passam aceleradas enquanto estou acordado e a agitação me faz vivo de novo. Mas ver que a lentidão dos anos parece não acabar me faz lembrar que estou morto.
Décadas passaram, os anos mudaram. O romantismo do meu tempo já não existe como antes. Talvez não exista... E quando me lembro que tocava piano para minha família no meu último aniversário como mortal em fevereiro de 1907, o tempo ajuda a não me assustar quando percebo que meu aniversário de cem anos foi comemorado sugando mais uma vítima. Cem anos? Eu realmente estou contando apenas os anos desde minha imortalidade?
É bom sentir o meu corpo quente de novo, não nego. Mais do que isso, hoje o sangue é tudo com o que me importo e me apego. Minha existência sinistra acaba quando tenho a vida alheia em meus lábios e saber disso me faz um monstro culpado. Mas já estou acostumado. Sou do século passado, lembra-se?
(Texto de Marcos Alencastro)