O Lago. (Revisado)

Às vezes, uma válvula de escape é tudo o que precisamos...

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Capítulo único. - Cuidado, este lago engana...

Após um dia mais que cansativo no trabalho todos desejam um belo Happy Hour, certo? Errado. Existem àqueles que preferem algo um pouco mais light e Marcelo Alves Furtado, era um desses... Casado e pai de três filhos, Marcelo estava no auge de sua carreira aos trinta e cinco anos, acabara de conseguir sua tão sonhada promoção na empresa. Mas, entretanto... Engana-se quem pensa que a vida deste homem era perfeita. Oh, estava bem longe disso! Seu casamento há muito havia se resumido a apenas duas alianças 'sem valor', seus filhos tinham cada um suas próprias preocupações e seu pai não estava incluido nelas e por fim seu trabalho o estava levando a loucura!

Céus, só queria um pouco de paz! Era pedir demais?!

Inferno! Estava perdido no meio de tantos papéis que tinha de revisar no máximo até a manhã seguinte e qual a sua surpresa ao encontrar no meio de inúmeras folhas de papel, os documentos para o seu divórcio? Nenhuma, afinal para aquilo acontecer era só uma questão de tempo mesmo. Suspirou cansado...

Até quando seria assim?

Retirou sua aliança que por sinal nem sabia mais o motivo de usar já que sua 'mulher' Inaura, não usava mais a sua faz tempo. Quando as coisas saíram de seu controle mesmo? Perdeu tanto tempo se preocupando com o trabalho, com o casamento, com a vida perfeita e acabou esquecendo de viver. Irônico, não? Não, apenas deprimente assim como sua vida...

Afrouxou o nó de sua gravata e rumou para fora de seu escritório. Chega! Estava no seu limite já e nada que fizesse parecia aliviar o peso que sentia sobre suas costas, afinal os antidepressivos que tomava já não faziam efeito e até mesmo o bom e velho Uísque havia perdido o dom de afastar tais pensamentos.

Porque tentar nadar contra a correnteza quando o afogamento já é certo? ''E o salva-vidas não está lá, porque não vemos...'' Lembrou-se, da música e sorriu, afinal o saudoso Renato tinha razão sobre muitas e muitas coisas, fato. Com esse e outros tantos devaneios mais, Marcelo que já estava em seu carro dirigia sem direção, pois não queria voltar para casa ao menos não agora. Ah, se pudesse apenas desaparecer... Como o sol, sabe? E voltar majestoso no dia seguinte. Pena, a vida não é feita de querer e sim de aceitar! Sol, Sol, Sol... Não sabes a sorte que tem! Se recolhe quando quer e em dias ruins nem ao menos aparece. É isso! Como não havia pensado nisso antes?! Talvez, tantas horas de trabalho tivessem acabado com seu bom nível de raciocínio.

Pegou uma saída naquela avenida movimentada em que estava e de repente já tinha um rumo! Iria simplesmente ver o nascer do Sol e talvez isso o fizesse sentir melhor, talvez. Guiou seu carro até uma parte mais afastada da cidade e quando deu por si já eram umas quatro e meia da manhã, mas isto não importava. Afinal, estava bem diante ao lago que costumava frequentar quando garoto e mal podia acreditar que ficara tanto tempo sem ver a beleza daquelas águas. Aquele ar fresco lhe fazia um bem quase que anormal...

Marcelo estava tão perdido e cansado que apenas queria uma saída de emergência, ''Tenta achar que não é assim tão mal exercita a paciência, guarda os pulsos pro final saída de emergência.'' De repente, a música um tanto quanto pesada que sua filha mais velha insistia em ouvir fazia sentido para si. Sorriu ao se lembrar de como se irritou com a menina quando a mesma apareceu em casa com os cabelos tingidos de azul e um piercing no lábio, agora ele simplesmente não achava aquilo o fim do mundo, afinal ainda podia afagar os cabelos da menina e ela ainda passuía o mesmo sorriso inocente de quando tinha seus oito anos. Por Deus, havia feito tempestade em copo d'água!

Aquele lago era mesmo um bom companheiro de pensamento.

– Um bom lugar para pensar, não? - indagou em voz doce e melancólica.

Marcelo estava tão mergulhado em seus pensamentos que se assustou com a pergunta da mulher. Mas, de onde ela surgira mesmo? Ainda assustado em perceber que não estava sozinho ali, ele se levantou da pequena rocha em que estava sentado e ficou a encarar aquela mulher tão diferente. Diferente, pois sua vestimenta era apenas um vestido branco que chegava na altura de seus joelhos e parecia estar desfiado ali, estava sem nenhum calçado e seus cabelos negros e cacheados estavam em perfeita simetria com pele branca e os lábios vermelhos, porém seus olhos... Marcelo não conseguia encarar os olhos dela.

– Quem é você? - ele perguntou, se afastando um pouco dela.

– Esse lago é belo, mas cuidado, pois ele também pode confundir sua mente... - disse vaga. ignorando a pergunta anterior.

– Quem é você? - tornou a perguntar.

– O peso da vida, às vezes assusta, não? - ela falava como se ambos já fossem conhecidos há tempos.

– Quem é você, mulher?! - perdeu a paciência com aquela estranha que falava coisas sem sentido para si.

Ela apenas sorriu...

– Quem você quer que eu seja? - perguntou - Faço qualquer coisa para que se sinta melhor. - disse sincera.

Ele riu.

– Sei quem és. - disse ainda rindo.

– Sabe? - a voz dela era esperançosa.

– Claro! - ria-se - Com certeza, uma prostituta contratada pelos meus amigos 'pra me divertir um pouco. Foi o Pablo, né?

Ela abaixou a cabeça e ficou fitando o chão por um tempo...

O silêncio perturbava.

– Quando pensar em usar suas palavras para machucar, apenas fique quieto. - ela murmurou por fim.

– Desculpe, mas não estou interessado em seus serviços, moça. - disse, escolhendo bem as palavras agora.

– Não sou uma prostituta. - revelou.

– Então, quem é? - aquela altura estava mesmo curioso.

Droga, apenas queria ver o nascer do Sol! Se quisesse conversar com uma mulher maluca teria ido para casa.

– Ninguém...

– Como assim? - perguntou alterado. Estaria ele conversando com uma drogada?

– Você quer paz, não é? - ela perguntou, novamente ignorando a pergunta dele.

– Você usou algum tipo de substância...

– O mundo te sufoca e o prazer não te satisfaz, certo? - o cortou.

– Se você quiser eu te levo a um hospi...

– Até quando você pretende fingir que tudo vai ficar bem?

– Você é louca? - ela já o estava tirando do sério.

– Eu posso fazer todo esse sentimento ruim passar. - disse ela séria.

– Jura? - indagou sarcástico - Você é psicóloga por acaso? Não sabe nada sobre a minha vida! - gritou alterado.

– Sei mais do que imagina, querido.

– Quem é você? E não me chame de 'querido'! Sou um homem casado. - disse ríspido.

– Não vejo aliança alguma.

– Ora, vá pastar! - gritou nervoso.

– Acalme-se, Marcelo. - ela pediu.

– Como sabe o meu nome?!

Silêncio...

– Esse lago engana, sabe? - ela alertou.

– Responda! - ele gritou.

No que aquela noite havia se transformado? Oh, já era possível ver a claridade no horizonte.

– Você quer muitas respostas.

– Maldita!

– Confie em mim. - pediu - Deixe-me ajudá-lo.

– O quê? - quem era aquela mulher, afinal?

– Venha comigo. - ela pediu, quase em uma súplica.

– Para onde?

– Para o lago e lá seremos felizes. - disse sorrindo.

– Hã? - havia entendido bem?

Só podia estar ficando louco, ou melhor, ela era louca! Só podia...

– Essa dor vai passar, Marcelo. - disse, se aproximando dele.

– Pare com isso! - foi a vez dele implorar.

Estava tão cansado... Apenas não queria mais aguentar nada. Nem sua família que estava há muito perdida, seu trabalho que o enlouquecia, simplesmente nada.

– Venha comigo. - pediu.

– Não posso... - murmurou.

– E vai continuar nesta loucura? - indagou ela.

– Tudo bem. - disse por fim.

Ela sorriu e lhe pegou pela mão.

– Relaxe e tudo ficará bem...

– Eu só quero me sentir bem. - confessou.

– Eu sei, querido.

Ela começou a guiar Marcelo até o lago e sem que ele pudesse perceber a água já estava na altura de sua cintura.

– Tudo vai ficar bem... - ela dizia.

– Mesmo?

– Sim, apenas relaxe e se deixe levar.

A água agora batia em seu queixo, era realmente um lago fundo.

– E-eu não sei nadar! - a realidade o atingiu.

– Você não precisa nadar.

Por mais incrível que pareça ele não sentia medo, mas sim uma leveza em sem seu peito. Era como se estivesse bem agora, ali com ela.

– Me diga seu nome. - pediu ele.

Ela sorriu e como que por mágica sumiu... Apenas desapareceu.

– Ei?! - chamou, mas no que se agitou começou a afundar.

Então, percebeu que nunca houve mulher alguma. Só mais uma ilusão de sua mente perturbada que desejava o descanso eterno, afinal estava cansado!

Por fim percebeu que na verdade o que desejava era cometer o suícidio e apenas precisava de uma desculpa para realizar tal ato. Enquanto se deixava levar pelas novas sensações Marcelo pensou se realmente valia a pena aquilo que estava fazendo a si mesmo, e sim valia, pois como já foi dito aqui ele estava cansado demais de tentar nadar contra a correnteza, então como sempre fez em sua vida inteira, apenas se deixou levar.

Fim.

Camylla
Enviado por Camylla em 09/03/2012
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