Vale das Sombras
— Será que vamos conseguir?
— Bem, se conseguirmos será fantástico, afinal até o dia de hoje ninguém conseguiu, e pelo que sabemos não foi falta de tentarem.
— Sei que a ultima tentativa foi em 1999.
— Sim, já se passaram muitos anos. Não fique preocupada, nossos equipamentos são melhores e não somos aventureiros irresponsáveis, sabemos a hora de parar.
— Eu sei a hora de parar né, graças a mim você ainda está vivo.
— Ok mana! Você sabe a hora de parar.
O rapaz sopra o ar e a garota sorri vitoriosa, continuam a caminhada pelo terreno íngreme, no horizonte o sol está quase nascendo. Os irmãos estão indo em busca do Vale das Sombras. Dizem que o nome vem das sombras criadas na cidade minutos após o sol nascer, são sombras horripilantes. Ninguém sabe dizer o que houve com aquela cidade, mas dados históricos provam que a cidade aprisiona quem a visita. Mito? Lenda? Ninguém sabe dizer ao certo, os que ousaram investigar jamais foram vistos novamente. Caso algum tenha retornado, não se deu ao trabalho de contar o que viu. O mistério permanece.
— Anda Clara, o sol está quase nascendo.
A garota aperta o passo, segura com firmeza a lanterna e observa curiosa a vegetação. Percebe que no limite da cidade a vegetação parece morta, ilumina as árvores e percebe, assustada, que as mesmas parecem petrificadas. Continua a caminhar e de repente Estevão lhe da um puxão, a garota quase cai.
—O que é isto? Ta maluco!
—Olhe, veja se não valeu a pena andar tanto.
Os raios de sol tocam o lugar, mas não os ilumina. Várias sombras começam a se desprender da cidade e rapidamente somem pelas janelas e portas. Enquanto filma, Estevão fala com a irmã.
—Fantástico! Vamos ficar famosos.
A garota olha assustada para o espetáculo, um leve arrepio percorre seu corpo, ela olha por toda a volta, apesar da luz a cidade permanece nas sombras.
— Estevão, vamos embora?
— Ta louca? Vamos até lá embaixo, quero saber o que forma aquelas sombras.
— Eu não vou lá, não mesmo. Acredito no que li naquele livro. Não quero ficar presa aqui.
— Clara para com isto, onde foi parar ser espirito de aventura?
— Tenho bom senso irmão, e este lugar é assustador.
— Não vem com esta não.
—Eu não vou, se quiser vá sozinho.
— Vou mesmo, duvida?
Sem pensar muito o rapaz começou a descer até a cidade, grava tudo e seu coração estava acelerado. Do alto ela observava e dizia para se mesma.
— Ele vai voltar, em 5 minutos. É um medroso, muito mais do que eu.
A cidade era sinistra, varias estátuas em forma de demônio decoravam as encruzilhadas, apesar de serem cinza o olhar era pavoroso. O rapaz filmava tudo, do alto a garota mantinha-se atenta, com o auxilio do binóculo era seguia atentamente os passos do irmão. Pegou uma barra de cereal na mochila e resmungou.
—Como é teimoso. Aff!
Ele continuava a andar, olhava para trás ás vezes, procurando saber se a irmã já havia vencido o medo.
— Ela virá, com certeza.
Os olhos atentos acompanhavam o rapaz, quando não se aguentou mais se levantou e o procurou novamente, para seu desespero ele havia sumido. Sem pensar duas vezes correu até a rua principal e blonq, bateu em algo gelado. Afastou-se novamente e desta vez colocou a mão, arregalou os olhos ao perceber que estava presa do lado de fora.
— Como é possível? Como!
Estevão caminhava descuidado, tudo ali era fascinante e ele se sentia muito animado. Olhava às vezes para o alto e vislumbrava a silhueta da irmã, sentia-se seguro e sabia que em breve ela estaria ali do seu lado.
— A cidade é pequena e fascinante. Ela não vai resistir.
Do lado de fora Clara estava desesperada, já havia tentado de tudo e não conseguia entrar. Seus olhos tentavam ver além do paredão cinza, mas não via nada. As horas passaram rapidamente, em breve a noite chegaria.
— Meu Deus o que farei? Ele pode estar em perigo.
Em desespero ela começou a golpear a parede invisível, seu coração machucava o peito e um ar frio banhou seu corpo, olhou para os lados, apreensiva, não via nada além da escuridão.
— Porque ficou escuro tão rápido? Não são nem sete da noite.
Estevão sorria, estava empolgado, olhou para o céu e sorriu. Sentou-se na beirada de uma fonte que encontrou, no meio da mesma havia um demônio de tamanho descomunal e de sua boca jorrava água cristalina. Olhou devagar a estátua e disse em seguida.
—O criador desta cidade tinha gosto estranho.
Ao terminar a frase sentiu uma sede estranha, tocou a água e sem pensar pulou na fonte. Deixou-se levar pela sensação agradável, a água parecia perfurar seu corpo e refrescar até sua alma. Fechou os olhos e não notou que estava sagrando, de todos os seus poros saía sangue. Permaneceu de olhos fechados, o demônio na fonte tornava-se dourado e seus olhos brilhavam. Após alguns segundos, apenas a agua na fonte era vista. Do lado de fora Clara chorava, estava desolada e arrependida.
— Porque eu não o acompanhei? Por quê?
Ela não percebeu, mas a cidade se movia agora, muitas sombras caminhavam pelas vielas. Uma delas alinhou-se a garota, formou com ela um único corpo, manteve-se assim e devagar se fundiu a sua aura. Um calafrio percorreu todo o corpo envolvido, ela se pôs de pé, caminhou até a cidade, andou devagar até a fonte, mergulhou ali. Lenda? Mito? Nunca saberemos. A certeza que temos é que a cidade não obriga ninguém a ficar, todos que ali chegam entram por livre espontânea vontade, algumas vezes a força é usada, mas nem sempre é necessária.
FIM