A Maldição do Morto

Policiais militares do 13o Batalhão da grande BH foram acionados ontem por vizinhos de um prédio localizado na Av. Amazonas próximo ao centro da capital. Eles alegavam que há vários dias vinham sentindo um cheiro estranho no interior daquele prédio. Muitos suspeitaram que o estranho cheiro pudesse ser de alguma caixa de esgoto danificada ou de que algum cano na tubulação dos esgotos houvesse quebrado ou estourado. Entretanto, os outros vizinhos creram que aquele cheiro, ou melhor, aquele fedor nauseabundo era diferente e forte demais para ser comparado com o cheiro de esgotos.

Com os evidentes depoimentos dos moradores da vizinhança, a polícia então começou a revistar os apartamentos vazios de todo o prédio, com o intento de descobrir o que era e localizar de onde provinha o estranho cheiro, já que o síndico do prédio estava viajando a negócios. Em seguida, depois que os policiais revistaram os dois primeiros andares, eles foram para o terceiro andar e perceberam que ali o cheiro era mais forte, intenso e nauseante. Descobriram então que o cheiro provinha de um apartamento no fim do corredor, bem logo após os elevadores. Os policiais então coloram as máscaras no rosto para amenizar o fedor e foram até a porta do apartamento de onde exalava o cheiro pútrido. Tentaram abri-la de imediato, mas estava trancada como todas as outras portas dos apartamentos vazios, mas só que esta fora trancada por dentro.

Com alguns empurrões e insistentes solavancos com uma gazua improvisada, os policiais conseguiram arrombar a porta. Quando abriram-na, o pútrido cheiro se intensificara e um dos policiais regurgitou todo o espaguete do almoço depois de penetrar no interior daquele mefítico apartamento. Ali dentro estava frio como uma câmara frigorífica, úmido e totalmente escuro, e os policiais tiveram que usar suas lanternas para enxergarem melhor o que havia ali dentro, pois todas as janelas daquele apartamento estavam fechadas.

Os policiais então seguiram o fétido cheiro – como bons cães farejadores – até ao seu lugar oriundo, um quartinho logo após o banheiro. Os lampejos das luzes de suas lanternas se entrecruzavam nas paredes e no teto do apartamento enquanto procuravam o Ser ou a Coisa que fedia mais do que gambá ou bosta de doninha. Quando ouviam algum barulho diferente ou iluminavam alguma coisa que não esperavam ver, sobressaltavam-se de susto e medonha surpresa, pois ali dentro era realmente um lugar temível. O miasma que exalava daquele quarto era muito forte, intenso, azedo-adocicado, indescritível, eternamente abominável.

Quando os policiais chegaram até a sala de onde provinha o fedor e iluminaram ali dentro, eles tiveram uma grande surpresa inoportuna e repugnante. O que viram ali dentro, causou em alguns policiais arrepios, interjeições espontâneas e pesadelos quando foram dormir na noite daquele dia. O Ser que exalava aquele cheiro nauseabundo e abominável era o corpo de um rapaz, conhecido por Sandro Dias, que estava dependurado no ventilador fixo ao teto daquela salinha por um grosso fio elétrico amarrado envolta do pescoço, esquelético e inchado.

Aquele mesmo policial que vomitara anteriormente derreou-se e colocou o resto do espaguete do almoço para fora.

Sob as luzes das lanternas, os policiais viram vermes parecidos com solitária ou larvas de borboletas se rastejando e contorcendo preguiçosamente em todo o semblante intumescido do rapaz ali pendurado, o peso do corpo todo em seu pescoço, sustentado apenas pelo grosso fio elétrico. Havia também alguns daqueles vermes nas carnes podres que estavam desprendendo-se dos braços pendentes, revelando a brancura pardacenta dos ossos. Então aqueles vermes contorcionistas caíam no chão daquele corpo deturpado e intumescido, e um monte de grandes formigas e aranhinhas que estavam sob os pés pendentes de Sandro Dias, apressavam-se a alimentar a farta chuva de vermes que caíam aos gotejo ao lado de uma cadeira derrubada – provavelmente usada por ele para subir, atar o laço do fio no pescoço e depois empurrá-la com os próprios pés deixando o peso do corpo no ar, enquanto morria aos estrebucho, implorando loucamente por ar.

Mosquitos, baratas e moscas varejeiras zumbiam voluptuosamente no ar ao redor do corpo e várias delas haviam botado seus nojentos ovinhos no peito, no rosto e na região do pescoço onde o grosso fio elétrico havia feito um feio vergão arroxeado devido ao peso de seu corpo, apesar de ser franzino. Quando se morre, humano ou animal, o peso do corpo parece se tornar mais pesado, é o que dizem!

Entre aqueles vermes rastejantes e ovos de moscas, os olhos de Sandro estavam esbugalhados e olhavam para o vazio; ao foco das luzes das lanternas dos policiais era um olhar horripilantemente vítreo e parecia estar observando os militares como aqueles medonhos e imóveis olhos nos quadros fotográficos que temos na sala de nossas casas. Olhos fixos, imóveis, olhos que parecem segui-lo quando você se movimenta ou muda de lugar.

O semblante dele era uma aberração humanística, inusitada, nunca visto antes em nenhum corpo humano que trocara o ar da vida pelo ar da morte horrenda.

Havia também uma outra coisa naquele corpo putrefato que os policiais encontraram naquela sala. Logo abaixo do pescoço intumescido e recheado de vermes e insetos, havia um fino canudo de papel pardo enfiado no bolso esquerdo da camisa do morto. Quando os policiais desenrolaram o canudo de papel, um deles leu em voz alta com a ajuda da luz da lanterna as seguintes inscrições escritas com lápis de cera vermelha:

“Não posso mais suportar o que se passa comigo. Fui extremamente descoberto. Ela agora sabe quem sou; ela conseguiu arrebentar o elo negro que me prendia ao mórbido fascínio que há anos sentia por ela. Consigo saber de tudo e posso ter o que quiser. Mas creio que nada neste pútrido mundo suprirá e superará o amor e a afeição que tenho por ela. Ela sabe disso – oh Deus, e como sabe – melhor do que ninguém, e espero que ela não se desaponte quando souber o que fiz. Devo agora mergulhar no lago negro do Abismo Escuro e viver naquele ermo torturante e de sombras distorcidas para todo o sempre, já que tudo que me resta a fazer é isto mesmo! E creio que às vezes a morte é melhor, é beneficente. Às vezes é melhor darmos um jeito em si mesmo do que ficar se martirizando com penitências por aqui. Isto é tudo que quero. Adeus”.

Explicitamente,

S.D

Dias depois de confirmado o suicídio de Sandro Dias, o médico legista fez a necropsia e constatou que o franzino corpo do rapaz ficara pendurado por aquele grosso fio elétrico por volta de uns dez dias. Todos os moradores daquele prédio ficaram apavorados e estarrecidos demais quando souberam de onde e o que exalava aquele pútrido cheiro; o cheiro do humano morto, o cheiro de carne humana morta desprendida do esqueleto, o cheiro de um homem que morrera por asfixia e com os olhos horrivelmente arregalados. Ninguém nas redondezas souberam explicar ou dizer quem era a pessoa (Ela) citada na carta. Possivelmente uma ex-namorada ou alguém que não o correspondia, de certa forma. A maioria daqueles moradores se mudaram dali, pois acreditaram que os andares daquele prédio ficaram mal-assombrados por Sandro Dias, o suicida.

Uma solitária velhota gorda, a mais antiga moradora do quarto andar do prédio, disse que numa certa madrugada ela se levantara para tomar água e esvaziar a bexiga. Então enquanto retornava para seu quarto e ouvia os seus próprios ossos se rangerem e se estalarem dentro do vultoso corpo, ela olhara para a janela da cozinha e disse ter visto um jovem franzino e de olhar perdido levitando do outro lado da janela e acenando de uma forma grotesca e obscena. Para seu maior e grotesco horror de toda a sua longa vida, ela dissera também que enquanto olhava para o rosto pútrido e disforme do rapaz-morto que esboçava um sorriso maléfico e metálico, um de seus olhos esbugalhados foi crescendo e crescendo até chegar a um tamanho descomunal e estourara feito um balão, jorrando um visguento caldo cinzento no vidro de sua janela transparente recentemente limpa. E enquanto aquela espessa massa ocular cinzenta escorria janela abaixo no vidro pelo lado de fora, ela jurou ouvi-lo sussurrar com uma voz terrosa e roufenha palavras macabras, feiticistas e ininteligíveis.

Meses depois, um novo morador, um inquilino evangélico, morrera misteriosamente duas semanas depois de ter alugado o apartamento onde Sandro Dias morava. Fora encontrado morto no mesmo local onde Sandro amargamente se enforcara.

Algumas semanas depois da morte misteriosa do pastor no interior do prédio, ouviram-se numa tarde ensolarada, gritos estridentes de extremo pânico e pavor. Foi assim que os moradores próximos ao Cemitério da Saudade viram e ouviram na tarde de ontem uma mulher atarracada e obesa fazer este espetáculo. Todos imaginaram que ela – a Sra. Marciléia – estava louca e que havia fugido de algum manicômio, mas não antes deles virem ela correndo aos tropeços pela rua chorando e ao mesmo tempo falando e gritando aos berros para quem quisesse ouvir:

“Eu vi. Credo em Deus-Pai, eu vi. Acreditem, é horrível e diabólico o que vi com meus próprios olhos. Não estou louca, vocês precisam ver para crerem em mim. É o fim do mundo! É o vaticínio apocalíptico! O que vi é terrivelmente horrível!”

Quando conseguiram acalmá-la convencendo-a de que agora estava tudo bem, o pessoal que acudiram-na, ficaram arrepiados quando ouviram a Sra. Marciléia contar o que tinha visto. Ela contou-lhes que naquela tarde fora visitar o túmulo do pai que há anos havia falecido de pericardite. Era um hábito trimestral que ela adquirira para si, pois a nostalgia em relação ao pai era demasiada dorida. Então naquele dia ela notou que haviam feito uma nova sepultura ao lado do velho túmulo do pobre pai; era uma sepultura simples, mas ela contou que algo misterioso despertou-lhe a curiosidade em examinar com mais detalhes aquela sepultura. Ao chegar até a ela, viu que no ápice da sepultura não havia nenhuma foto do falecido, apenas uma linda e simples, mas bem-feita grinalda. Inscrita na lápide, logo abaixo da grinalda havia somente a data de nascimento e morte do infortunado recentemente ali jazido. então ela lera mentalmente o nome do falecido: Sandro Dias.

Assim que lera o nome do morto, ela disse que seu sangue gelara em suas veias e que se assustara mais ainda quando lera também o epitáfio metálico aderido com argamassa na lápide branca adjacente ao túmulo do pai:

“Aqui jaz um rapaz pouco conhecido e estranhamente engraçado, pois usava meias de cores diferentes. Mas muitos acreditam que ele fora o maior feiticeiro que já existiu em toda a história mineira sobre feitiçaria. Caso você o conheceu, mas não soube como foi seu fim, é melhor tranqüilizar-se e deixar o caso de lado, pois muitos não acreditam se o fato dele haver suicidado é verídico. O que muitos acreditam é que o Diabo o carregou vivo, com suas roupas e tudo”.

Então ao terminar de contar-lhes tudo isto, ainda chorando e tiritando como se estivesse morrendo de frio, ela disse que ainda havia algo mais horripilante a dizer. Era sobre A Coisa que vira na sepultura do suicida.

Ela disse que enquanto lia o epitáfio do suicida, uma leve brisa perpassou-lhe o corpo e algo crespo e seco como bolas de capins do deserto americano roçou-se em seus pés desnudos, pois naquele dia ela havia ido ao cemitério de sandálias rosadas. Quando então inclinou sua cabeça e olhou para seus pés rente aos pés da recente sepultura, vira um monte de grandes cabelos com ásperos fios compridos e madeixas negras crescendo por debaixo da recente sepultura; as pontas crespas saindo pelos lados livres. Eles estavam na altura de um capim de algum matagal que ainda não fora roçado. Ela disse que a quantidade de cabelos era tão assustadora e descomunal que vira insetos e coisas nojentas esbranquiçadas se contorcendo e emaranhando nos fios daqueles cabelos que lentamente saíam de debaixo da terra, como se alguma coisa ou alguém estivesse empurrando-os para fora.

Observando mais atentamente, ela também disse que nas outras três pontas do rodapé sepulcral, outras mechas daqueles cabelos haviam saído da base tumular e que sua altura já estava na metade daqueles cabelos cuja brisa fê-los roçar-se nos pés desnudos da desventurada mulher que fora apenas visitar o túmulo velho, trincado e desbotado do pai, fazendo-a sentir a espessura infernal daqueles malditos cabelos que cresciam do subterrâneo.

Quando ela finalmente terminou de relatar aos soluços e gaguejos tudo que a assombrara, muitos a desacreditaram, chamando-a de louca, doida-varrida. Mas algumas daquelas pessoas tomaram coragem e foram até ao local onde o suicida estava sepultado e verificaram por si mesmas que o que a Sra. Marciléia sofrivelmente havia contado era insanamente a verdade. Viram com os próprios olhos aquele mundo de cabelos que havia crescidos por debaixo da sepultura e que suas pontas eriçadas e macabras sobressaíam-se para fora.

Passaram-se alguns anos e conta-se que a direção do cemitério tomou as conclusivas providências em relação ao maligno caso que acontecera na sepultura onde Sandro Dias, o amaldiçoado suicida fora enterrado. Eles então colocaram em volta de toda aquela sepultura grossas placas de ferro inoxidável, e por após as placas, construíram uma forte parede com tijolos retangulares em toda a sua dimensão quadricular. Fizeram isto, cortaram aqueles cabelos macabros, incineraram-nos, desinfetaram o lugar, chamaram o padre local para exorcizar com crucifixo e abluir com água benta a sepultura do suicida. Fizeram de tudo para aniquilar o crescimento sobrenatural daqueles cabelos e também evitar constrangimentos aos habitantes que iam até àquele cemitério velarem seu parente ou conhecido e então logo em seguida, enterrá-lo. Ou até mesmo para aqueles que iam visitar os túmulos dos entes mortos queridos, sobretudo no Dia dos Mortos.

Mas A Coisa na sepultura de Sandro Dias não parava. Aqueles cabelos malignos continuam crescendo. Como já foi mencionado e averiguado anteriormente, eles fizeram de tudo para exterminar o crescimento infernal daqueles cabelos. Às vezes eles desaparecem por alguns dias, semanas ou meses, mas quando menos esperam, lá estão eles novamente, vivos com sua negrura reverberante, enormes, crespos, secos e eriçados como pernas de baratas, horripilantes e sobrenaturalmente crescidos e cada vez mais fortificados.

Quando eles irão parar de crescer? É o que perguntam. Quando o espírito obscuro ou a alma atormentada de Sandro Dias dará a ordem de interrupção de seus crescimentos? Quando sua história sombria e terrível será esquecida e quando será extinguida todas suas ideias e pensamentos maléficos?

Três semanas depois que a Sra. Marciléia tocou os pés desnudos naqueles cabelos - ou eles tocaram-na - ela repentinamente faleceu. Como todos sabem, ela era obesa – talvez pesasse uns 130 kg – mas morrera tão raquítica e magra quanto a uma vara comum de bambu. Estava mesmo irreconhecível e esquelética. Apesar de ser obesa, tinha uma boa saúde e raramente ia examinar-se no médico. Contudo, os médicos legistas do IML não encontraram no laudo a causa de sua morte súbita. Sua morte foi aparentemente quase idêntica a do pastor que alugara o apartamento onde Sandro Dias morava e quando se passaram duas semanas, ele fora encontrado morto no mesmo local onde o próprio Sandro se enforcara, também tão magro quanto um homem padecendo de AIDS em fase final. A carne sumindo repentinamente do corpo e deixando à mostra a formação dos ossos, dando pra contar fácil e nitidamente os ossos das costelas e de toda estrutura do esqueleto.

Quem sabe se naquele dia a Sra. Marciléia estivesse calçando sapatos fechados ao invés de alpercatas, estes provavelmente não a salvariam?

Mas é que às vezes o Feitiço não têm limites. Se quem faz o feitiço realmente quiser – como Sandro Dias sempre quisera – e se assim Deus-Pai Todo-Poderoso permitir que seu efeito siga em frente, o poder feiticista pode levá-lo sem problemas algum para o eterno fundo negro do Abismo Escuro, onde há milhares de espíritos imundos e agônicos que saem da boca do Dragão como horrendos sapos, e este Dragão é LÚCIFER. Ele sempre virá incitar-nos o mal que tentaremos parar de fazer e a cada morte que conseguir, ele mandará de volta outro maléfico lacaio, a menos que você consiga detê-lo previamente de alguma forma. No mundo hodierno, LÚCIFER, um satânico ser superior ou equivalente a Belzebu e pai de todos os demônios do inferno, faz com que seus lacaios ajam sobre os falsos profetas que podem cortar qualquer pescoço para manter sempre aliada e lacrada o elo negro da corrente satânica. Eles – os falsos profetas – podem esfolar-lhe até verem todo o complexo alvacento de seu esqueleto, para depois espalhar o seu sangue num círculo negro que rodeia aquela seita satânica, adorando a LÚCIFER e invocando-o em línguas estranhas e ininteligíveis para vir buscar a flácida carne que foi retirada do seu esqueleto, ou seja, para alimentá-lo com a carne do seu corpo e depois mandá-lo de volta para o Seu Reino no Abismo Escuro.

Sabe onde é que fica isso? Eu me arrepio dos pés a cabeça só de pensar e creio que você também ficaria arrepiado e estarrecido se algum bom e velho feiticeiro sussurrasse repetidamente bem baixinho nos seus ouvidos o nome daquele horroroso e temibilíssimo lugar, onde o pior dos demônios , o rei dos reis de todos os males, permanece eternamente com sua insaciável… fome por almas e carnes humanas, preferencialmente frescas.