O bicho (Dêmonio)

Para ela, as noites eram terríveis. Era como se fosse fazer uma cirurgia, ou participar um assalto, todo santo dia, e viver aquele momento horrível, horas antes, de espera. 23h. O menino ainda não tinha aparecido. A primeira aparição foi um mês atrás. A moça estava tomando banho, quando, pela cortina do box, viu uma silhueta de uma criança de 10 anos. Tomou um susto e abriu, rapidamente, para ver quem era. O vulto tinha desaparecido. Nas madrugadas ela ouvia sussurros:

-Brincar... Vamos brincar...

Quase todas as noites era isso: Vozes e mais vozes, juntamente com um choro.

Pensou em sair da casa, mas como era nova na cidade, não tinha para onde ir. Estava sem dinheiro para voltar para sua cidade natal. Então ela foi a uma igreja:

-Padre, eu preciso falar com o senhor.

-Pode falar, minha querida.

Hesitou por um momento.

-Acho que tem um espírito na minha casa. Na verdade, tenho certeza.

-Conta mais.

-Ele anda pedindo ajuda. Mas eu não posso fazer nada. Não é que nem nos filmes, que a moçinha resolve o mistério e tal..

E eles ficaram conversando por mais um tempo, até que o padre resolveu ir a casa dela. Chegando lá ele começou a ter calafrios.

-Eu... Eu...

-O que houve?

-Eu não posso ajudar – ele murmurou – Eu pensei que era um espírito qualquer, mas isso é pior.

Então ele começou a rezar, e foi embora.

-ESPERE!

Ele já tinha entrando no carro. Acelerou, com toda a velocidade. Naquela noite, ela chorou. No outro dia, ela descobriu que o padre tinha se matado. Enforcou-se no porão da igreja.

-A culpa é minha. Toda minha.

Então, a única coisa que ela tinha que fazer, era conviver com o fantasma. Quem sabe podiam até ser amigos?

Então, ela acordou, na madrugada. Eram 2h15m. Ela viu o menino na porta de seu quarto.

-O que você quer? –falou, deitada e com sono.

-Brincar.

-Eu não quero brincar com você. Vai embora.

Ele se aproximou da cama. Com a luz da rua, ela viu que seu rosto estava deformado. Sua língua parecia uma cobra. Estava estendida. Tinha quase um metro de comprimento. Ele não tinha jugular. Seus olhos eram verdes. A garota gritou, e acordou. Já era de manhã.

-Não agüento mais. Simplesmente, não agüento mais.

Então, ela resolveu fazer o que toda moçinha de filme de terror e de fantasmas, faz em uma hora dessas. Pesquisar. Pesquisar, sobre a casa e tudo o mais. Descobriu que os antigos moradores, saíram da casa sem dar explicação. Será que foi por causa do garoto? Ela foi até o centro da cidade. Foi até uma antiga casa de moedas. O dono parecia ter em torno de 70 anos.

“Ele deve saber alguma coisa”

-Boa tarde, eu sou pesquisadora local e gostaria de saber se o senhor conheceu os Cambers.

O velho, que estava analisando uma moeda, largou a lupa, com um estrondo, e gritou:

-Saia daqui! Saiaa!

-Eu só queria...

-Saia!!!!

A moça saiu, assustada. Depois de um tempo, o velho discou um numero:

-Tem uma moça, querendo saber de vocês.

A noite, a garota chegou com sal grosso, velas, e um livro de “orações”; já que ela tinha ido em uma loja de magias, e não se pode dizer que o que eles tem lá são orações.

Passou o sal pela porta do quarto, acendeu umas velas e leu uma “oração”.

-Vamos ver se isso adianta.

Mas não adiantou. Foi muito pior. Ela começou a ouvir gritos pela casa toda, na verdade eram uivos e urros, como se alguém estivesse sendo torturado. Se o inferno fosse real, com certeza era ali. A garota teve que tapar os ouvidos com o travesseiro para não escutar. Foi horrível! Na manhã seguinte, o telefone tocou.

-Alô?

-Quem é?

-Com quem quer falar?

-Você mora aí?

Ela estava perdendo a paciência.

-Com quem quer falar? Quem é você?

-Meu nome é Doug. Doug Camber.

-Então você era o antigo...

-Você mora ai, não mora?

Ela assentiu.

-Saia imediatamente. Antes que seja tarde.

-O que está acontecendo com essa casa?

-Saia da cidade, antes que acontece o que aconteceu com meu filho!!

Doug desligou.

“Filho?” ela pensou. “Então aquela criança é filho dele”.

Não tinha tempo de pensar, agora. Tinha que sair dali. Ou pelo menos, dormir em um hotel, para ter, uma noite boa de sono. Foi o que fez.

-Seu nome, por gentileza. – o recepcionista perguntou.

-Gabriela.

Ela fez os dados e foi para o quarto. A noite, estava saindo do banho, quando alguém bate na porta.

-Quem é?

-Serviço de quarto.

“Essa hora?”

Abriu a porta. O corredor estava vazio. Gabriela, ouviu um barulho de riso vindo da escada, seguido de uma bola.

-Quem é? – gritou.

Foi, lentamente, até a escada. Chegou ao patamar, lá embaixo estava vazio. Voltou para porta de seu quarto. Ela tinha se fechado. Girou a maçaneta, mas não abria. As luzes do corredor começaram a se apagar, uma por uma. Gabriela entrou em pânico. Deu chutes na porta, mas nada dela se abrir. Então... escuridão total.

-Quer brincar? – surgiu a voz.

-Nãããão – gritou, em pânico total – Eu não quero brincaaar.

-Tem certeza? – era uma voz inocente, de criança.

Uma bola vermelha veio rolando do corredor em direção a ela. Parou a centímetros. Em seguida, estourou, saindo sangue de dentro; Gabriela, ficou toda cheia de sangue, assim como o corredor. Era um vermelho vivo. Ela começou a berrar. Atirou-se no chão e berrava sem parar.

-Nããããoo. Me deixa em paaaaz! Nããããaooooo.

Uma mão a pegou.

-Nãão. Me deixa!!!

Quando abriu os olhos era um senhor... Normal. As luzes do corredor estavam acesas. Varias pessoas tinham saído de seus quartos para vê-la.

-O que aconteceu? Você estava gritando, feito uma louca.

No outro dia, Gabi chegou bem cedo em casa. Estava com vergonha de ver aquelas pessoas, depois do acontecido. Dormiu mais um pouco e acordou com o telefone.

-Você ainda está ai?

Era Doug.

-Disse para sair...

-Eu saiii! – ela berrou – Mas a coisa, seu filho, seja lá o que é, continua me perseguindo. Não adianta!

-Então já é tarde demais – ele disse em uma voz de pânico.

-Como assim?

-Não tem escapatória. Ele já está de possuindo. – ele começou a chorar – Assim como fez com meu filho... – depois de segundos chorando ele se recompôs – As pessoas vão te pegar, seu sacana. – agora sua voz era de raiva – Elas não conseguiram com meu filho, mas agora vão conseguir.

-O quê...

-SEU PUTO! – ele berrou e desligou.

Ela ficou parada por uns instantes.

-Eu não vou ficar nesse lugar, nem um minuto a mais.

Foi até o quarto e começou a fazer as malas. Sem nenhuma calma de mulher, ela arrancou tudo do guarda roupa e enfiou na mala, desorganizada. Ela se assustou com a campainha. Era o recepcionista do hotel.

-O que foi? – perguntou.

-Você esqueceu sua carteira. – ele estendeu para ela.

-Obrigada – falou sem jeito.

Virou-se para por na mesa, foi ai que ele a pegou pelos cabelos.

-Agora você vai morrer, seu desgraçado.

-Nãoo. Por favor.

Tinha uma estante de vidro, cheio de pratos, na cozinha. Ele a atirou. Ela bateu no vidro, estilhaçando tudo. Não viu mais nada.

Quando acordou, seu rosto estava sangrando. Tinha cortes por todo lado. Na mão, na bochecha, nos lábios...

Uma coisa estranha. Estava no sofá. Levantou-se, cambaleando, e foi aí que notou o cadáver do recepcionista no chão. A barriga dele estava aberta. Seu intestino estava para fora. Botou a mão na boca, de nojo e... Notou que tinha um pedaço de fígado em seu dente. Vomitou, ali mesmo, no chão. Chorando, abriu a porta de casa. Vinha vindo uns cinco carros.

“O que eu faço?”

Como morava para fora, tinha uma plantação de milho e um capinzal. Correu e se escondeu. Avistou, os carros parando e as pessoas saindo, homens e mulheres, com armas, facas, saindo de seus carros.

“Eles querem me matar” “Eu to virando sei lá o que...”

Não tinha tempo de pensar. Saiu em disparada, para o outro lado.

-Hei, - falou um cara – Aquele matagal se mexeu. O bicho deve ter fugido.

Então as pessoas, eram umas dez, entraram no matagal.

-Os rastros de sangue. Podemos seguir.

E assim eles foram. Já estava anoitecendo,e nada, de acharem.

-Alguém trouxe uma lanterna.

-Eu trouxe. – um disse.

-Vou mijar – falou outro.

Ele se embrenhou em outra parte do mato, enquanto os outros ficavam conversando. Minutos depois ele saiu.

-Hey, cara, bota essa coisa pra dentro.

Foi aí, que eles viram. Seu pênis estava em um vermelho vivo.

-Puta que pariu.

A vitima botou a mão entre as pernas, para tapar o horror. E começou a gritar.

-O demônio está por ai. Procurem!!!

As pessoas saíram à procura do bicho, enquanto a vitima, no chão, se retorcia de dor.

Gabriela, “acordou” depois de mais um de seus transes, e continuou caminhando pela mata. Cambaleava, cheia de sangue. Parecia um zumbi. Avistou luzes, que depois desapareceram. Era a rodovia. Apressou o passo. Caiu, levantou e continuou. Quando chegou à estrada avisto um carro vindo. Ela abanou os braços em sinal de ajuda. O carro parou, e o motorista desceu. Era um homem com aparência de 30 anos. Ele a viu, toda suja de sangue.

-Moça, o que aconteceu?

-Me ajuda. Por favor...

-Calma.

Ele foi até ela. Foi aí que o bicho que tinha dentro dela, resolveu aparecer. Ela o mordeu no pescoço, arrancando uma parte do mesmo. O homem berrou de dor. Gabriela, ou o bicho, mastigava pedaços do mesmo. Foi ai que ela “acordou”.

-Nãão.

-Ahhh.... Ajuda...

Ela limpou a boca, cheia de sangue, olhou para os lados para ver se não vinha outro carro, e entrou no veiculo do homem. No relógio marcava 20h. Gabriela deu a partida, deixando o homem no asfalto. Uma hora depois, ela resolveu que precisava limpar seu rosto, e sua roupa. Molhar com água, pelo menos. Parou em um posto e foi até o banheiro. Não viu que era o masculino. Um motorista de caminhão estava saindo do vaso, quando a viu entrar. Toda suja de sangue. Ele entrou em pânico. Se ela fosse uma assassina com certeza ia matá-lo também. Iria esperar ela sair.

O demônio, ou o bicho, sentiu o cheiro da presa. Foi abrindo, toalete por toalete, até encontrá-lo.

-Não me mata! Por fav...

O bicho avançou.

Gabriela estava morrendo, mas o bicho não. Ele estava poderoso.

-Você...nã... conseguir...

Ela não conseguia falar.

-Você não tem mais forças – falou o bicho, com uma voz grossa. – Você e aquele garotinho e mais o resto das pessoas que encarnarei não vão conseguir.

Um policial, que tinha parado para tomar um café, ouviu do banheiro, duas vozes. Foi espiar.

“Duas pessoas com vozes diferentes!”

Foi ai que notou que ela estava suja de sangue.

-Eu serei poderoso!! E depois que seu corpo morrer, meu espírito ficará vagando até encontrar outra pessoa para...

-Parado ai!

O bicho, e Gabriela, se viraram. O policial estava com a arma apontada.

-Botem as mãos na cabeça.

-Me mata. – sussurrou Gabriela

-Bote...

O bicho avançou. Abriu, com uma só mordida a barriga do policia. Tirou tudo que encontrava lá dentro: Fígado, rim, pâncreas.

Minutos depois, os carros das pessoas que queriam matá-la chegaram ao posto. Eles cercaram a coisa.

-Tarde demais. – falou o demônio. – Ela já está morta. Agora só um exorcista.

Ele começou a rir. Parecia o Coringa do Batman, rindo.

-Vão fazer o que? Me amarrar, e deixar o corpo de uma garota, que nem fizeram com o pobre garotinho?

Ele riu mais alto.

-Pois vocês não vão conseguir. Eu não vou deixar.

De repente, a voz mudou.

-Eu não vou deixar.

E nisso, Gabriela, estava com uma arma na mão. Mirou em sua própria cabeça e atirou.

Gabriela foi considerada uma heroína, já que ela conseguiu vencer o bicho; que estava nela. Mas eles não se ligaram que o bicho, ou demônio, nunca morre. Ele pode vagar pelas terras sem fazer mal, até achar outro corpo que queira se apossar...

Doug foi até o cemitério, botar flores para o filho. Depois de meses, quase um ano em que o filho ficara trancando com correntes na casa, em que Doug, e sua mulher fugiram, ele finalmente conseguiu enterrá-lo em paz, e seu espírito, sem possessão, viver bem. Graças à garota.

-Eu te amo. Espero um dia revê-lo.

-Papai...

Ele se virou assustado. O garoto estava ali, assim como uma moça.

“É ela”

Gabriela estava com o menino.

-Nós queremos brincar.

“O demônio me achou” pensou ele, antes de ter seu primeiro transe.

Bauer
Enviado por Bauer em 26/10/2011
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