O MISTÉRIO DO VELHO CASTELO - PARTE 9

Fischer jogou em cima da mesa sua pesada capa de chuva. Com o temporal que caia lá fora, teve sorte de não ter acontecido algo pior na sua volta para casa. Sentia-se cansado, todo o peso do trabalho sobre si agora o assombrava. Suas pernas doíam e seu corpo implorava por um banho.

Sentiu uma estranha sensação ao por os pés na cozinha. Um vendo frio soprava pela janela, por uma pequena fresta, a qual ele julgava ter fechado pela manhã. O silêncio daquela casa o assustava, e ele sempre deixava o rádio de sua sala ligado na estação de notícias.

-Se preparem por que vem mais chuva por ai...

-É Tom, parece que teremos chuva o final de semana inteiro...

Fischer sentia-se morto. Nunca tinha se sentido tão cansado, mas naquele dia, o fato de quase ter perdido a vida por conta de um acidente tinha aguçado seus sentidos, e ele sentia-se mais alerta que o normal.

Tomou um copo d’ água, em seguida mais um junto de uma pílula para dor de cabeça. A casa era grande, e ele a herdara de seus pais. Aquele casarão não lhe trazia só más lembranças. Fora ali que tivera seu primeiro encontro, a vizinha dos Silva tinha sua idade. Era uma pena que tivesse se mudado tão cedo. Fischer sempre gostara dela, e mal teve tempo de lhe dar seu primeiro beijo quando foi surpreendido pela notícia da sua mudança. Desde então havia guardado um retrato dela, que aos poucos fora amarelando, perdendo o brilho e mofando, debaixo de sua caixa de lembranças.

Ah, seus pais. Há 15 anos fora a mãe. Morrera de infarto fulminante enquanto preparava a janta. Desde então seu pai havia mudado. Suzana era muito nova para morrer daquele jeito. Isso se você julgar uma pessoa de 65 anos velha demais para morrer. Jonatans, o pai de Fischer passava cada dia mais quieto, mudo, não falava nenhuma palavra. As tentativas de ajuda eram inúteis, sempre se recusava a aceitar qualquer tipo de demonstração de carinho, e vivia chorando pela casa, com o retrato da mulher agarrado ao peito.

Morreu de velhice dez anos mais tarde, aos 91 anos. Triste, sozinho, ele havia passado seus últimos dias sem se lembrar de que um dia tivera uma família. Fora encontrado pela empregada na manhã de uma sexta-feira, com os olhos fechados, parecia estar dormindo, o que de fato era o sono profundo da morte, do qual ele jamais iria acordar.

-Hora de tomar um banho. - Fischer caminhou até o final do corredor, subiu um lance de escadas e foi para seu quarto pegar sua roupa. No andar de cima, havia o banheiro, localizado ao lado do corredor, o quarto de seus pais, que agora era seu, seu antigo quarto, e, no final do corredor, o quarto de sua irmã. Por um instante se deteve em frente ao banheiro, colocou a mão na maçaneta da porta, e, hesitante a tirou de lá. Caminhou até o final do corredor, onde ficava o quarto de sua irmã.

-Que se dane. – dizendo isso tirou um molho de chaves do bolso, encaixando uma delas na fechadura. A porta se abriu com um rangido.

Desde que Susan enlouquecera, Fischer e seus pais haviam trancado o quarto dela, deixando-o o arrumado, com suas bonecas enfileiradas sobre a cama, e suas roupinhas guardadas dentro do armário. Porém com o passar dos anos, a esperança de que Susan voltasse ao normal foi aos poucos abandonando aquela casa, aquela caminha arrumada, aqueles brinquedos que aguardavam por mãos carinhosas de uma menina sempre cuidadosa, organizada. Susan era tão doce. Tão meiga, que parece que ao ver sua amiga morrer afogada não se contentou com um algo nunca visto, com um algo nunca sentido. A presença fria e assustadora da morte. A morte que não avisa quando vem, a morte que não tem sentimentos. Doce como era, ela havia se trancado em sua mente, em seu mundo.

Fischer sentiu uma lágrima rolando pelo seu rosto. Nunca imaginou que um dia iria perder a pessoa que mais amava naquele mundo. Onde ela estaria hoje? Casada, com filhos, quem sabe? Todos os anos que Fischer devotou à medicina mental pareciam inúteis. Sua única razão, seu único motivo para lutar, era a sua irmã. A meiga Susan que parecia feliz no mundo em que vivia, dentro de sua mente, sem saber quando e nem onde a morte a iria alcançá-la e levá-la para outro lugar.

Fischer encarou os brinquedos que estavam em cima da cama de Susan. Sentiu-se ainda mais triste, quando percebeu a caixinha de música com a bailarina sem cabeça, que ele acidentalmente tinha arrancado quando ainda era pequeno. Pegou a caixinha em sua mão e deu corda. Ela rangeu, mas não tocou.

-Que velharia - disse ele não contendo um sorriso triste no canto de seu rosto. Apagou a luz do quarto de Susan, trancou a porta e foi em direção ao banheiro – vou tomar um bom banho.

Entrando no banheiro, ligou o rádio que lá estava. Um samba clássico dos anos 50 emprestava um agradável som ao lugar. Tomou seu banho, de não mais que 15 minutos. Jantou, e as 23:00 já estava debaixo das cobertas, com o televisor ligado no jornal da noite. As 23:35 Fischer roncava e o televisor ligado agora exibia um velho programa de entrevistas. Lá longe, no quarto de Susan, a caixinha de musicas começou a tocar.

02h45min. Fischer levantou-se com um sobressalto. O que era aquilo? Tinha ouvido alguma coisa, mas não tinha certeza do que era. Aquela casa sempre o assustara, ela tinha medo do escuro, por isso, sempre dormia com a TV ligada e com as luzes acessas.

-Será que essa lâmpada queimou? Mas que merda. – A não ser pela TV, o quarto estava no mais completo breu.

A TV exibia um vídeo do carnaval do ano passado. Mulheres com os rostos pintados em preto e branco, e homens vestidos de palhaços pareciam dançar um maligno balé na avenida. Fischer levantou-se e trocou de canal, abaixou o volume e voltou correndo para sua cama. Os olhos na televisão, os ouvidos alertas. Por nada ele sairia de sua cama até o dia clarear. Se fosse algum bandido querendo roubar alguma coisa, que roubasse logo, mas ele tinha o pressentimento de que não se tratava de uma presença humana que estava naquela casa, e isso, o arrepiava da cabeça aos pés.

O barulho havia cessado. Mais calmo, ele agora prestava atenção no desenho que estava passando. Sentiu seus olhos pesarem com o sono que estava voltando, quando um estrondo muito forte veio do quarto de sua irmã.

Fischer gelou. Não havia janelas naquele quarto, ele estava trancado e as chaves estavam com ele. Não havia como ninguém entrar lá, a não ser ele mesmo. Levantou-se, com o coração batendo forte, sentiu uma pressão na cabeça, e como se houvesse alguém atrás dele, encostou suas costas contra a parede, e abriu vagarosamente a porta, o suficiente para que pudesse ver o que estava acontecendo. Não devia ter feito aquilo.

Uma criança, ou melhor, um bebê com o rosto roxo, as veias escuras, com a aparência de que havia sido sufocado havia saído do quarto de Susan e andava lentamente, com um sorriso sinistro no rosto, rindo, mostrando em sua mão, o que era a caixinha de musica da sua irmã.

-Fischer... aonde está ela? – perguntava a criança com desdém - Ela está louca é? E ele, aonde está? Ele escapou, mas não vai escapar dessa vez...eu quero ele, eu vou buscar ele... mas primeiro vim buscar você...sabe dos Monteiro...?

Apavorado, Fischer trancou a porta, ouvindo os passos no corredor cada vez mais pertos de seu quarto. Mergulhou nas cobertas, não parava de tremer. Com um nó na garganta, tentava gritar, mas foi surpreendido pelo barulho da caixinha caindo no chão, e a doce melodia que escutava tocar mais lentamente, até parar por completo. Imóvel, ele tentava não fazer sequer barulho com a própria respiração. Estava para colocar a cabeça para fora da coberta, quando sentiu o peso de uma pessoa sentando em sua cama. Sentiu que suava frio. Algo se aproximava. Alguma coisa estava ali.

-Coragem, coragem, coragem... - Ergueu os olhos por cima da coberta, e visualizou uma mulher sentada de costas para ele. Seu cabelo era longo, de um tom bem escuro, diferente, era um cabelo desgrenhado, feio, e de lá de onde ele estava, podia sentir o desagradável odor que emanava daquela pessoa. Repentinamente, a mulher virou seu rosto para ele. Um rosto pálido, sem vida. Marcas de arranhões estavam por todo seu pescoço, um sorriso de dentes podres surgiu em seu rosto.

-Armand... Armand, Armand... ARMAND!!! - O som do grito era insuportável. Um zumbido ecoou em seus ouvidos, forte o bastante para fazer sua cabeça girar. Fischer sentia-se gelado, branco como a mulher que o olhava. Mas ficar ali, naquela situação, não, não era possível. Foi ai que ele ergueu a voz.

-Basta!!!!!!!!!!!

A mulher, que o encarava sentiu-se desfalecer, sumindo em meio à escuridão. Trêmulo, Fischer apanhou as chaves do carro, e confuso, abriu a porta de seu quarto. Bem no meio do corredor, uma coisa indescritível se arrastava. O sangue pisado, as marcas de feridas e uma espécie de cabeça decepada. Fischer sequer olhou.

-Aonde vai??? Aonde vai? Não vai sair!!!

O rádio da sala ecoou um som desagradável. Nada bom de ouvir.

-Não adianta seu médico de bosta. Você o tirou da fossa, você vai morrer, não fuja... Aqui é sua casa, venha, junte-se a nós... Você vai morrer.

Sem sequer parar, tapando os ouvidos, Fischer rompeu porta afora e desceu para a garagem. Entrou no carro, deu partida e arrancou. Sabia aonde deveria ir. O lugar dos loucos, a casa dos clinicamente insanos era agora o único lugar onde ele poderia se sentir seguro. Assim pensava ele.

Continua...

Bonilha
Enviado por Bonilha em 14/10/2011
Reeditado em 03/05/2012
Código do texto: T3275920
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