vem brincar comigo...

De algum modo aquela noite tranqüila de domingo se tornou um caos. A chuva tamborilava quase que com raiva sobre as telhas de brasilit, o primeiro relâmpago, que cortou o céu como uma navalha e tornou o breu dia, me acordou do sono profundo em que estava. Sobressaltei-me com a fúria da tempestade e voltei a me encolher novamente em baixo das cobertas, como uma criança que teme o bicho papão. O vento uivava ferros, como um animal enjaulado. Obviamente não voltei a dormir, e a tempestade também não parecia que iria parar. Estava nervosa, a cada novo relâmpago meu coração parecia disposto a sair pela boca. Não gosto de tempestades, muito menos do barulho quase ensurdecedor dos raios, era quase como se todos os Deuses do Olímpico resolvessem travar uma guerra, e o barulho das suas espadas se encontrando repercutisse aqui na terra.

A luz pisco e um gelo me correu a espinha.

“tudo menos faltar luz” supliquei para mim mesma.

Mas nada parecia estar ao meu favor naquela noite, a luz oscilou novamente e acabou, deixando o meu pequeno quarto no completo escuro. Fiquei paralisada, não conseguia me mover, um pânico descomunal e exagerado, para situação, pareceu se alojar bem no meu estomago, e ele deu uma reviravolta. No mesmo instante me senti enjoada. Meu corpo tremia como vara verde. Mas não tinha coragem para tomar nenhuma atitude, muito menos ir procurar uma lanterna, que provavelmente estaria sem pilha.

Gelei, e meu sangue também.

A chuva se acalmou um pouco, o suficiente para eu ser capas de ouvir o rangido do velho balanço, que estava pendurado em uma arvore no jardim. Era um barulho aterrorizante, o rangido daquelas dobradiças enferrujadas me apavorou mais. Lembro-me que quando criança tinha deixado de andar nele justamente por causa desse barulho, algo nele me incomodava. A chuva se acalmou mais e o vento parou de soprar, mesmo assim o rangido continuava, era quase como se…

…como se alguém estivesse sentado no balanço.

“impossível” pensei comigo mesma, “quem ia estar no balanço a uma da madrugada e com essa chuva?”

Consigo me recordar de apenas uma pessoa que faria isso, e ela já não pode mais andar naquele velho balanço. Minha irmãzinha erra fissurada naquele brinquedo, passava horas a fio se balançando, eu enjoava nos primeiros cinco minutos e já queria fazer outra coisa.

-Não, vamos andar mais um pouco. – ela sempre me pedia.

Ela não se importava com a chuva, ao contrario de mim não tinha medo de nada. Porem, eu sempre medrosa demais.

Senti as lagrimas virem aos meus olhos ao me lembrar da minha Irmã, como sentia sua falta. Gostaria que ela ainda estivesse ali comigo.

As vezes a chuva erra forte e ela estava sentada naquele maldito balanço, toda molhada. Ela sorria para mim com seu sorriso meigo e sempre me chamava para me juntar a ela.

-Vem brincar. – dizia ela para mim.

E eu sempre me recusava, era medrosa demais para sair à noite no meio da chuva, tinha medo da própria chuva e que nossos pais nós pegassem fazendo algo que não devíamos. Isabela morreu sedo demais, por causa dessa sua mania de ficar naquele balanço durante as tempestades. Pegou um resfriado, que virou pnemonia e ela não aquentou. Chorei meses sua morte, devia ter sido eu não ela. Isabela era aventureira tinha o coração corajoso eu erra a fraca ali.

Chorei ainda mais, estava com medo e sentia o vazio que minha Irma tinha deixado no meu peito.

Ouvi uma batida na porta e ela se abriu. Tive quase um ataque cardíaco.

-Você esta bem? – a voz forte do Marcos ecoou pelo quarto.

Acho que nunca fiquei tão feliz de ouvir sua voz. Saltei da cama e me joguei em seus braços, chorando como uma criança assustada.

Ele soltou uma risadinha.

-Calma. – disse ele com tranqüilidade. – é só uma tempestade, nada demais. – falou tentando me consolar, já sabendo do meu pavor de tempestades.

-Isabela estaria andando naquele balanço se estivesse viva. –disse entre soluços roucos. Ainda abraçada a ele.

-é. – respondeu mais sóbrio – mas não vamos pensar nisso. Venha.

Ele me colocou de novo na cama.

-Quer que eu duma aqui? - perguntou.

-Quero. – respondi meio rápido demais. Não queria ficar sozinha

Ele riu.

-Tudo bem. – falou se deitando no meu lado. – agora tenta dormir um pouco.

Sentia-me extremamente mais calma com meu irmão do meu lado.

-O que você faz aqui? – perguntei.

-Sabia que ia estar com medo.

Sorri para ele. E dois minutos depois já estava adormecida.

Pela manha, ele me acordou para irmos para escola, pois nem vi o despertador tocar. Levantei, a chuva tinha dado espaço para um grande sol amarelo que brilhava no céu azul. Estava a um passo de sair de casa quando resolvi dar uma olhada no velho balanço do jardim.

Ele sacudia levemente e rangia. Sobre ele encontrei um bilhete enrugado e molhado pela chuva, nele estava escrito: “vem brincar comigo”, com as tortuosas letras da minha irmã que ainda mal tinha aprendido a escrever.

Meu coração gelou.