Nasce a Devoradora de Homens
Escondida nas sombras eu via o velho ao longe, agora ele não passava de um simples resíduo do homem que foi um dia e que tanto mal me havia feito. Cheguei a ter pena dele ao vê-lo curvado com o peso dos anos e enfraquecido pela senilidade. Por um momento pensei que havia chegado tarde, não poderia levar minha vingança a cabo, se ao menos eu tivesse o poder que tenho hoje na época em que aquelas mãos asquerosas me tocaram pela primeira vez... Mas naquele tempo eu ainda não tinha encontrado as sombras, não, isso foi muito depois, ainda me lembro do dia em que as sombras fundiram-se com meu ser e me transformaram no que sou hoje: uma devoradora de homens.
- Sabia que esse lugar já foi um bordel? Imagina só quanta putaria não rolou por aqui! Isso não te esquenta um pouco Camila? – olhei para Bruno enquanto ele dizia essas palavras e não pude disfarçar o riso com sua cara de deboche.
- Ora Bruno – eu respondi – eu até poderia me esquentar, mas só de olhar pra você eu ia perder todo o meu calor.
- Ah que isso Camila. O quê que você tem garota? Estou começando a achar que sua fama não é infundada. – depois desse comentário ele deu uma pequena risada.
- Não é isso Bruno, é que eu gosto de escolher os homens que serão minha presa.
Depois disso não dei mais idéia. Por dentro fiquei um pouco ressentida com o comentário daquele pateta, no fundo ele era um bom sujeito, mas como todos os outros de nossa equipe ele achava que eu era lésbica. Para eles uma mulher que não se vestia na moda, não usava maquiagem, mantinha os cabelos curtos, trabalhava cuidando de mulheres muito mais bonitas do que ela (eu era maquiadora) e, principalmente, não abria as pernas para todos os homens só podia ser lésbica. Deixe que pensem assim, eles não sabiam nada sobre mim e não me importava de passar despercebida.
- Camila! – ouvi a voz do diretor – vamos com isso, as meninas estão esperando lá dentro. Mexa essa bundinha!
Como sempre, ignorei o ultimo comentário. Ao contrário de Bruno, Emerson, o diretor, era um cachorro, já havia comido metade das modelos e já ouvi o comentário de que ele tinha feito uma aposta de que antes do final do ano ele me mostraria o que era ser mulher. Era um pobre coitado metido a macho alfa, nada mais.
Encaminhei-me para a porta do antigo bordel, não passava de um prédio mal conservado, “o lugar perfeito para tirar fotos sensuais para a nova campanha de lingerie” como dissera Emerson. Era outra prova de sua mediocridade, aquele lugar era uma espelunca.
Mas assim que entrei senti algo estranho. Não sabia o que era ainda, mas havia uma presença naquele lugar imundo, algo ruim, muito ruim. Ao mesmo tempo sentia uma excitação crescente, um fulgor interno que só aumentava. Minha surpresa era saber de onde esse fulgor vinha: do meio de minhas pernas. Tive vontade de dar meia volta imediatamente e o faria se Bruno não me tirasse do transe com um de seus comentários:
- Imagina só. Dizem que os espíritos das putas assombram esse lugar. Bem que não seria má idéia encontrar com um.
Eu dei um risinho tímido e tentei disfarçar. Aquela altura não podia imaginar que as palavras idiotas de Bruno pudessem ter um fundo de verdade.
Comecei o trabalho e esqueci daquilo. Um dos quartos foi transformado em camarim, a maioria das fotos eram feitas em uma ampla sala no centro do edifício. Era ali que no passado, segundo Bruno me disse, que os clientes escolhiam as meninas antes de subir aos quartos.
Emerson entrava e saia do camarim a todo tempo, apesar da nudez de algumas modelos. A cada aparição sua ele berrava, xingava ou fazia algum comentário obsceno a respeito das partes superexpostas das meninas. Muitas delas correspondiam, mas outras faziam cara de nojo. Em uma das vezes ele passou bem perto de mim e roçou a mão em minha bunda.
- Que desperdício, é a melhor de todas – ele comentou.
Eu segurei minha repugnância e continuei o trabalho no rosto de Debora, uma das modelos.
- Idiota – disse Debora, – não sei como alguém pode gostar de um sujeitinho desses.
- Talvez seja apenas pelo dinheiro – eu disse a ela.
- Só essa explicação mesmo, pois o sujeitinho nem bonito é – nós duas rimos.
- Camila, sentiu alguma coisa estranha quando entrou aqui? - Debora me perguntou.
- Como assim? – queria que ela me dissesse primeiro.
- Sei lá, muitas meninas sentiram um coisa estranha... eu...eu...não sei, mas algo que dá medo é prazer ao mesmo tempo.
- Vocês estão ouvindo muito das histórias do Bruno – tentei disfarçar que havia sentido o mesmo – vamos deixar de conversa e trabalhar!
- É, você tá certa.
Enfim tinha terminado com todas elas e a sessão de fotos começou. Às vezes eu tinha que entrar em cena e retocar a maquiagem de algumas garotas, fora isso ficava a maior parte do tempo observando. E pude notar que alguma coisa não estava certa.
As meninas faziam posses muito ousadas para uma simples campanha de lingerie. Mesmo Debora parecia muito provocativa. Enquanto isso os homens presentes, que incluíam Bruno, que cuidava do cenário, Emerson, um fotógrafo e um técnico de iluminação, não escondiam sua excitação. Ouvi assobios e gritos de “gostosas”, eu podia esperar aquilo de Emerson, mas não dos outros, eram todos ótimos profissionais.
Aos poucos fui sentindo aquela estranha presença de novo, crescendo e crescendo, o fulgor voltou ainda mais intenso. Achei que deveria sair correndo dali quando percebi que Debora começou a se tocar, ela estava se masturbando como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo! Olhei em volta e todos pareciam aprovar o que viam, todos estavam enfeitiçados e eu também começava a ficar, isso até eu me deparar com o olhar que Emerson dirigia para mim. Eu conhecia esse olhar, era pura cobiça e aquilo me assustou.
- Parem pelo amor de Deus – eu gritei saindo do feitiço. Todos pararam de repente, Debora começou a chorar, as meninas procuraram suas roupas e os homens ficaram encabulados. A presença não era mais notada. Mas uma coisa não mudara, o olhar de Emerson.
- Eu tenho que sair daqui – então eu fugi daquela casa ordinária e corri para rua, não parei até alcançar um ponto de táxi e pegar um que me levou para casa onde cai na cama e chorei ao lembrar do olhar de Emerson. Tinha medo daquele olhar desde a primeira vez que vi um igual, tinha sido há muito tempo, tinha sido de alguém em quem eu confiava mas que traiu essa confiança ao me violar quando eu ainda era uma menina inocente.
Eu devo ter dormido um pouco. Ouvi meu celular tocar: era Bruno.
- Camila, você está bem?
- Mais ou menos Bruno.
- A gente teve que ir embora, as meninas ficaram com a maquiagem toda borrada de tanto chorar. O Emerson ficou uma arara.
- Bruno, o que aconteceu lá?
- Sei lá, mas você podia ter esperado terminar antes de interromper né Camila.
- Ah seu idiota, fala sério.
- Deve ter sido o espírito de alguma puta mal-amada.
- Deixa disso, e desliguei o telefone – fui para o chuveiro e tomei uma ducha disposta a esquecer aquilo e juntar forças para encarar a ira de Emerson no dia seguinte.
Mas não foi preciso esperar muito. Quando sai do banheiro vi que o celular tocava novamente, era Emerson.
- Camila, por que fugiu daquele jeito droga? – ele estava realmente irado.
- Eu não me senti bem com tudo aquil...
- Foda-se, volte aqui agora mesmo, eu reuni todos de novo e vamos terminar essas fotos ainda hoje.
- Mas já vai escurecer e...
- Não me interessa, eu não te pago para dar opiniões. Venha agora!
Ele desligou o telefone na minha cara. Eu conclui que deveria largar aquele maldito emprego, mas antes eu iria falar umas verdades aquele filho de uma égua.
Peguei um táxi que me deixou em frente ao antigo bordel. Quando desci e o carro partiu toda a coragem que havia reunido para enfrentar Emerson se desfaleceu frente a visão daquela casa. A noite cairá e tudo ainda ficava mais obscuro.
Tentei disfarçar meus medos e entrei. A casa estava fazia e escura.
- Alô! Tem alguém ai – fiquei com medo de ter sido a primeira a chegar, não iria esperar mais ninguém, ah não ia mesmo.
- Aqui em cima – ouvi a voz de Emerson – estamos todos no camarim.
Eu subi as escadas tentando não tropeçar e me perguntando o que havia sido feito da iluminação. O único lugar onde podia ver um pouco de luz era da porta do camarim.
- Emerson? – eu chamei.
- Entre Camila.
Eu entrei e vi Emerson, sozinho.
- Onde estão os outros? – eu perguntei e um sinal de pânico se acendeu dentro de mim.
- Eles não vem, seremos só nós dois – ele disse enquanto se aproximou e rapidamente fechou a porta atrás de mim.
- Para com isso Emerson.
- Que isso Camila, eu sei que você não é lésbica, você é muito gostosa apesar de não demonstrar, venha que eu vou provar isso pra você. Sinta a energia desse lugar.
E eu pude sentir aquela presença novamente, agora mais intensa e mais cruel. O fogo novamente subia pelo meu corpo, minha respiração acelerava e minha pele suava. Podia sentir olhos invisíveis me observando, era uma força irresistível.
- Não Emerson, não – eu dizia sem forças.
- Relaxa.
Eu perdia minhas forças, meu corpo desfalecia. Sentia as mãos imundas de Emerson me tocando e me despindo como se eu fosse apenas um objeto.
- Agora meu bem – ele disse – você vai me pertencer.
Eu reuni minhas últimas energias. Não poderia me entregar aquele sádico, não sem lutar.
- Me largue seu porco nojento! – e dei-lhe um empurrão violento.
- Sua vadia! – ele gritou me dando um forte tapa – ninguém me diz não. Eu sempre tenho as mulheres que quero!
Ele desceu as calças e eu pude ver seu meu membro rijo, depois tentou abrir minhas pernas a força enquanto me estrangulava.
- Se não quer por bem, vai ser da maneira mais difícil sua putinha! Putinha igual as mulheres que viveram nessa casa. – ele gritava e babava.
Eu tentava me livrar, mas minhas forças estavam cedendo. Chorava de dor e de vergonha por passar por aquilo mais uma vez. Eu não merecia isso!
- Anda, para de brigar, abre essas coxas sua cadela!
Eu via o ódio em seus olhos. Não, não iria me entregar aquele ordinário. Aos poucos sentia o calor voltando dentro de mim, e sabia de onde ele vinha: era da estranha presença daquela casa. Até aquele momento eu não notava nada, porém a medida que minha raiva crescia eu pude vislumbrar como as sombras se moviam e aquilo não me assustava, ao contrário me revigorava.
Consegui agarrar a mão de Emerson e livra-la de meu pescoço.
- Ah, quer brigar né? – ele grunhiu – pior pra você.
Ele tentou agarrar meu pescoço novamente, mas em um movimento rápido eu virei seu braço e o derrubei, ele gritou de dor.
- Ai meu braço sua vagabunda – ele se virou e tentou me a atingir com as pernas mas eu as agarrei e, não sei como, consegui joga-lo na parede.
O súbito poder que eu sentia me transformou, não sabia que era capaz disso e sentia um imenso prazer. Me aproximei de Emerson, ele estava em um estado lastimável, todo ensanguentado.
- Aiiii... ele gemia... pode ir embora... eu preciso de um médico...
Eu olhei para o sangue que escorria de seu corpo e senti uma sensação estranha. As sombras se movimentavam excitadas a minha volta. Percebi que elas sentiam o mesmo que eu.
- Médico Emerson? – eu disse a ele – Você não vai precisar de um.
Me abaixei, encostei um dedo em seu sangue e levei a boca. O que senti foi puro êxtase.
- Que você tá fazendo Camila? – eu ri com seu pânico.
- Emerson, foi um homem como você que me fez odiar e temer todos os outros homens. Mas hoje vejo que vocês são tão fracos. Não preciso temê-los, mas vocês sim devem temer a mim.
Respondendo a um desejo selvagem e desconhecido eu mordi o braço de Emerson e me deliciei com seu sangue e seu grito. Ele tentou se libertar mas eu o segurei facilmente. Eu o abocanhava em um frenesi crescente, saboreando sua carne enquanto as sombras observavam agitadas. Sim, eu o devorava e não me senti mal por isso, na verdade nunca me senti tão bem em toda minha vida.
Depois que reduzi Emerson a um monte disforme de ossos eu me entreguei as sombras e senti seu toque em meu corpo nu enquanto me acariciava. O silêncio da noite foi quebrado com meus gemidos. Foi a primeira vez na vida que uma homem havia me proporcionado prazer, e justo o Emerson. Era uma bela ironia.
A partir dessa noite eu mudei. Nunca mais vi Bruno nem ninguém da agência. Fiquei sabendo pelos jornais que eles associaram a morte de Emerson ao ataque de algum animal tamanha a ferocidade.
As sombras nunca mais me deixaram. Elas me tornaram irresistível para os homens. Por onde quer que passasse eles sentiam meus feromônios e me seguiam como cães seguem uma cadela no cio, mas eu sempre dizia não. Não estava em busca de qualquer homem, não, tinha que ser o tipo de homem que não respeitava as mulheres, por isso vagava pela noite camuflada com a ajuda das sombras.
As sombras me deram poder além da imaginação e com meus sentidos apurados eu farejava o excesso de testosterona de estupradores agindo nos becos e pedófilos caçando suas vitimas. Eles não podiam resistir a minha a atração. E como é bom devorar suas carnes!
Vou de cidade em cidade deixando ao mesmo tempo um rastro de medo e de paz para trás. E isso que eu faço: devoro homens.
Minhas lembranças me abandonaram e voltei a comtemplar o velho que no passado abusou de mim.
“Pobre diabo, deixe que o tempo cuide dele, já é castigo suficiente.” Pensei comigo e com as sombras.
Me virei para ir embora mas ouvi a voz de uma criança e me voltei.
Uma menininha deixou sua bola cair perto do velho e foi busca-la. O velho pegou a bola e entregou a ela. Enquanto a criança se aproximava inocentemente o velho sorrateiramente a segurou e lhe dirigiu um olhar libidinoso. Olhar de cobiça.
Ele ainda precisava de uma lição!
“Acho que hoje jantaremos carne velha”. Me escondi novamente nas sombras esperando o momento certo de dar o bote.
Pois sou isso que sou: uma devoradora de homens.