Uma hora
18:00. O tempo corria como nunca naquele fim de tarde e Lucas sabia que se não fosse mais rápido, perderia a única chance de sair daquele lugar estranho. Seus pés calejados, olhos cansados, não aguentavam mais sentir e ver toda sua vida passar diante de si, provocando uma insônia.
Tudo o que ele conseguia ver eram flashes de seus piores momentos, e alguns que ele até gostava, mas preferiria não pensar. Ele só ouvia uma voz que lhe dizia quase que cada hora: "Às 19:00 tudo sumirá. Seus melhores e piores dias, sua alegria e tristeza. Não haverá nem sorriso nem lágrima, só o silêncio eterno..." embora fosse isso o que Lucas quisesse, percebeu que ainda amava viver, sentir, e que sua vida teria algum valor caso escapasse dali. Isso o faria continuar, não a saudade da mulher, nem do emprego.
Olhou pro relógio. 18:37. Estava suando frio, por mais que corresse, sua vida estava por um fio. Ele sabia onde tinha que chegar, mas o caminho parecia infinito aos seus olhos.
Enquanto corria quase sem forças, veio-lhe a lembrança de seu último baile, que ele dançou com sua bela amada, que usava um longo e branco vestido de seda. "Parecia um anjo", pensou ele, encantando-se mais uma vez com aqueles olhos castanhos grandes e alertas, que lhe passavam uma paz assustadora. De relance num espelho, percebeu que suas pernas não apareciam, e que seu corpo sumia a cada minuto. Sua dama estava lá, toda no espelho, mas seus olhos eram inconstantes, e mudaram, para um vermelho vívido. Na boca, ela tinha um sorriso irônico, como um bandido ao fechar a porta do elevador, após um crime bem sucedido. Seus cabelos, agora virados em labaredas, chicoteavam com força o chão, fazendo subir a chama, e o fazendo suar ainda mais.
Olhou o relógio e viu que não dava mais tempo. Não corria mais. Aranhas peludas atrasavam seus passos já lentos, fazendo-o cair sobre elas, que passeavam alegremente sobre sua coluna, dançando lindamente à luz da lua.
19:00. O sino da igreja badalou sete vezes. O corpo de Lucas jazia em suas próprias lembranças, enquanto sete labaredas queimavam todo o salão neuronial...