Por que deixou que me levassem mamãe? Agora, vim te buscar!
Em algum lugar do interior do Rio de Janeiro, de madrugada, em uma casinha simples feita de barro, Samantha sofria as dores do parto. Daria a luz a duas meninas. Com ela só estava uma parteira. Noite de lua cheia, um céu negro sem estrelas. Uma neblina se formava em volta da casa... Enquanto Samantha urrava de dor passava em sua cabeça o que a levou a estar naquele lugar, no meio do nada numa terra que não é a sua. Teve que fugir. Tentou se esconder... Em vão.
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-ESTOU CANSADA DESSA VIDA MAMÃE – gritava Samantha no auge dos seus 18 anos. Abaixou o tom - Desde que papai morreu, nós não temos nada. Tenho que trabalhar. Meu sonho era fazer faculdade, ter dinheiro.
Enquanto a garota gritava e chorava ao mesmo tempo, sua mãe passava a roupa de cabeça baixa, não tinha mais forças para debater com a filha e também não tinha coragem de explicar o porquê de estarem naquela situação, um erro fatal, pois quem sabe a filha não trilharia um caminho diferente do seu, porém ela sequer imaginou que a menina já tinha tomado uma decisão.
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- Tem certeza do que você quer? – perguntou uma mulher muito bonita e bem vestida – Lhe advirto que o preço é alto, muito alto.
- Tenho certeza – disse Samantha eufórica mal esperando à hora de ter uma vida “digna” – Mas quando eu terei que pagar e o que será?
- Pagará com uma vida. E quando? Só ele sabe.
- E com que vida será? – perguntou meio insegura, pensando que poderia ser a de sua mãe.
- Não se preocupe, não será sua mãezinha se é este seu medo, será algo muito maior – deu riso sinistro – Me dê sua mão. A mulher pegou um alfinete do tamanho de uma mão e furou o dedo indicador de Samantha. Depois de uma certa quantidade de sangue que escorreu dentro de um recipiente, a mulher pegou o dedo da menina e o lambeu. O sangue estancou. A garota ficou olhando assustada. A mulher sorriu, pegou um tipo de caneta incomum que absorveu todo o sangue do pequeno prato raso.
-Tome – disse oferecendo a caneta – Assine bem aqui.
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No quarto a mulher chorava de dor e de angustia sabendo o que estava para acontecer. A neblina já havia tomado toda casa e agora estava se infiltrando pela porta e pelas duas únicas janelas. A parteira tentava ajudar, mas não se lembrava de parto mais difícil. A mulher não notou quando seus tornozelos foram envolvidos pela misteriosa neblina...
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Após meses curtindo a nova vida, Samantha conheceu um rapaz, foi uma paixão abrasadora de uma única noite. Na manhã seguinte, Samantha acordou sozinha no motel luxuoso que haviam passado a noite. Nunca mais viu o rapaz. Quatro meses depois se descobriu grávida.
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A neblina foi subindo. A mulher a viu quando já estava na altura da cama. Sentiu algo encostar e queimar a sua pele. Se assustou. Reparou que toda a casa havia sido tomada pela neblina. Viu sombras passeando pelo chão e pelo teto. Sentiu seus pés em brasas. Olhou para a outra que agonizava na cama. Murmurou palavras em outra língua e se pôs para fora do lugar. A neblina tomou forma. Em segundos as paredes e o teto derreteram. Só havia a cama em meio ao fogo. A mulher chorava de dor e aflição. As chamas salpicavam seus pés e suas mãos.
-Não... Por favor, pare. Faz parar tá doendo muito – implorou sentindo suas forças se esvaírem. A entidade abriu caminho entre as chamas até Samantha. E com um gesto fez o útero expulsar as crianças. Samantha deu um suspiro de alivio. Viu a entidade se aproximar e pegar uma das meninas.
A garota se pôs em prantos.
-Não leve minha menina. Por favor, não a leve. Leva a mim, ela não tem culpa. NÃO LEVE A MINHA MENINAAAA. A entidade não parou para olhá-la e sumiu em meio à neblina que se dissipou. O teto e as paredes voltaram ao normal. Samantha fitou a gêmea que ficou e lhe deu um terno beijo na testa.
Sete anos depois.
Uma linda criança brincava no quintal com sua boneca preferida de nome Adélia. Tinha uns olhos extremamente expressivos e inteligentes, e sempre um sorriso doce nos lábios. Lilian é o nome da pequena.
- Lilian, Lilian minha filha – chamava sua mãe da janela da cozinha. Viu que a menina estava parada olhando para a pequena floresta que tinha no quintal de casa. Há alguns dias notava a filha diferente sempre falando com alguém e quando perguntava com quem era, dizia ser a boneca. Samantha desceu as escadas da varanda e foi em direção à filha, chegou a tempo de ouvir a menina dizer: - E se ela não deixar?
-Filha com quem está falando? – a menina surpreendida olha a mãe.
- Com a Adélia mamãe. Ela quer almoçar com a gente hoje – responde saltitando em direção a residência.
A mulher sentiu um calafrio, olhou para floresta e entrou. À noite as duas estavam na sala assistindo TV quando Lilian fez uma pergunta que deixou Samantha perplexa.
- Mamãe – chamou Lilian parecendo distraída.
-Fala meu bem.
- Onde está Lilith? – Samantha estancou, seu coração começou a bater descompassado. Pegou o rosto da filha entre as mãos.
- Aonde você ouviu este nome? – perguntou tentando esconder o nervosismo, pois Lilith era o nome da outra gêmea. A menina fitou a mãe com tranqüilidade.
- Estou com sono mamãe – e fechou os olhinhos.
As 03:h da madrugada Samantha acordou ouvindo risos. Foi até o corredor. Viu a luz do quarto de Lilian acessa. Testou a maçaneta. Trancada.
- Lilian quem está com você? Abra a porta – os risos pararam. A porta abriu.
Viu Lilian sentada na cama com a boneca nas mãos. A menina lhe sorria. Samantha vasculhou o quarto com os olhos. Foi até a menina que não parava de lhe encarar.
- Está tudo bem querida? – perguntou. A menina a abraçou. E sussurrou em seu ouvido: - Não devia ter deixado ele me levar mamãe. Samantha se soltou dos braços da filha e ao olhá-la notou algo diferente. Ouviu uma risada.
- O que você fez com a Lilith mamãe? – disse Lilian sentada em uma poltrona na outra ponta do quarto – Porque deixou levarem a minha irmãzinha? – perguntou com um olhar que se revelou maligno. A mulher tentou sair do quarto, porém a porta se trancou. Tentou abrir e quando viu que não conseguiria se encostou à mesma e ficou a encarar as duas que neste momento já se encontravam de mãos dadas. Lilith tinha a pele do rosto e do corpo derretida e inflamada, seus olhos eram brancos e seus cabelos estavam chamuscados. As crianças sorriam. A mulher foi escorregando. Sentou-se e chorou.
- Me perdoe Lilith, eu pedi para ir em seu lugar – soluçou Samantha.
- Não sabe o que sofri mamãe, sendo queimada todo o tempo. Sabe que eu não sei qual é a sensação de aliviar a sede com um pouco de água? Tenho sede e fome que nunca podem ser saciadas. Você me condenou mamãe. Mas ele me fez uma proposta. Terminado as palavras, uma boca surgiu em baixo de Samantha a engolindo. Não houve tempo para gritar. As meninas puderam ver milhares de mãos conduzindo a mulher a um lugar de eterna tortura. A boca se fechou.
-Não se preocupe maninha– disse Lilith abraçando a irmã – Eu cuidarei de você de hoje em diante.