O Musical da Morte

Eu não via nada, estava tudo escuro, mas sentia algo peludo passeando sobre a minha face, e ouvia um som distante. Era um som pesado, parecia uma banda de rock. Pensando estar preso numa grande caixa, levantei meus braços, e para minha surpresa, mais dois braços se levantaram à minha direita, "um espelho", pensei. De repente, veio na mente uma face branca e límpida, com olhos castanhos e cabelos lisos, e agora uma voz aveludada percorria meu pavilhão auditivo. Era a voz dela. Aquela que eu nunca deixei de amar, e lembrei-me de quando estávamos juntos, de quando corríamos pelo parque numa manhã de sol, sorrindo, seu sorriso sempre me deixava bem. Ouvi outro som e a antiga imagem se foi. Eu me levantei e corri às escuras, e então outra imagem se formou: a mesma mulher estava chorando, desesperada. E aí lembrei de novo, eu a tinha machucado, e prometi que nunca mais ela me veria, mas ela não queria, ela me queria ali, só que não era o certo. Eu só conseguia dizer uma coisa: "Você sabe que está certa". Mais uma vez ela gritou meu nome, e me viu virar as costas, e ir embora. Mais um baque nas imagens, e minha viagem continuava: lembrei do dia em que nós almoçamos juntos, eu estava mais chapado que o normal, e acabei dizendo coisas horríveis pra ela. Não entendia porque, mas não conseguia e nem queria parar. Senti algo furar meu pé e então o devaneio se foi. Mais uma vez eu estava só, nada mais fazia sentindo ali. O que era aquele lugar? O Inferno? O Purgatório? Certamente não era o Paraíso. Virei e me surpreendi: uma jovem estava deitada numa cama, com um chapéu de aniversário e totalmente nua. "Parabéns, Carolina", dizia um senhor bem mais velho, com um grande chicote em mãos, ele a batia com força, e ela soltava gargalhadas altíssimas, parecia gostar da brincadeira. Um som de batidas Grunge me tirou essa imagem. Um piano tocava, e eu segui o som. Corri até encontrar de onde vinha o toque, passei por todos os pensamentos ruins e bons que tive até ali, sentia morcegos por cima de minha cabeça e cobras sob meus pés. Não parei, nem olhei pra trás. Um sino tocou. Aí eu parei, não aguentava mais correr, não sabia o que sentir, eu só queria sair dali. Levantei a cabeça e quase congelei, uma banda tocava ali, e o que me deu medo, era que eu estava frente a frente comigo mesmo, tocando piano, e minhas mãos sangravam, manchando todo o piano com o tom vermelho escuro de meu sangue. Eu sorri pra mim mesmo e sentei do meu lado, onde comigo toquei o Musical da Morte, enquanto um casal de jovens ensaguentados dançava ao som do piano.