A criança do cemitério

Fui passar as férias na casa dos meus tios em uma cidadezinha do interior. Logo na primeira noite, uma coisa estranha aconteceu.

Eu dormia no quarto junto com o meu primo. Minha cama era do lado da janela e a do meu primo do outro lado do quarto, do lado da porta. A casa dos meus tios ficava em frente ao cemitério.

De madrugada, acordei com um choro, choro de criança. Meu primo continuava dormindo. O choro vinha lá de fora. Abri a janela e percebi que o choro estava vindo do cemitério.

Não consegui dormir a noite inteira por causa daquele choro. Não sei como meu primo não acordava.

No dia seguinte, comentei com ele no café da manhã sobre o assunto. Ele disse que não ouviu nada. Nada naquela noite, mas em outras noites já havido ouvido o estranho choro. Disse que seus pais também já ouviram e pessoas que passavam em frente ao cemitério, à noite, também, só que ninguém sabia o que significava. Uma busca foi feita no cemitério, mas ninguém foi encontrado. Ele também disse que isso começou há menos de um mês quando uma criança de três anos foi enterrada naquele cemitério.

O pai da criança era um homem que bebia demais e desconfiava que a esposa o estivesse traindo. Numa noite de loucura, após ter bebido demais e a esposa ter chegado tarde em casa, ele jogou a criança num poço. Disse que era para se vingar da mulher, que ela nunca mais veria o filho. Ele acabou matando, também, a mulher e, em seguida, se enforcou. Tudo foi contado pelo homem em uma carta. Todos os familiares reconheceram a letra dele. A polícia encontrou o corpo da criança no poço, mas a mulher nunca foi encontrada. Os policiais acham que, depois que a matou, o homem enterrou o corpo em algum lugar do imenso milharal que fica ao lado da casa dele.

A história contada por meu primo mexeu comigo. Não consegui tirá-la da cabeça.

Na noite seguinte, dormi bem, sem nada me incomodando, mas, na terceira noite, eu ouvi o choro. Era madrugada e, como de praxe, meu primo dormia. Olhei pela janela e vi alguém no portão do cemitério. Era uma criança que logo desapareceu. Decidi eu mesmo investigar aquilo.

Saí da casa dos meus tios e o choro parou. Fui então ao cemitério. Olhei pelo portão e não vi nada. Era apenas silêncio e escuridão. Mas eu não fiquei satisfeito com aquilo. Pulei o muro do cemitério que era baixo. De repente, uma neblina tomou conta do lugar. Avancei, então, por dentro do cemitério quando o choro recomeçou. Eu tinha trazido uma lanterna e fui em direção ao choro, mas não encontrava sua origem. Eu parei. Estava assustado e pensava em voltar pra casa dos meus tios quando o choro parou novamente. Então ouvi passos atrás de mim e vi uma mãozinha surgindo por trás de um túmulo. A criança apareceu.

Era uma criança já com o corpo putrefato e segurava um ursinho de pelúcia. Ouvi um barulho no portão do cemitério. Me virei em sua direção e tinha alguém ali. Me voltei para criança, mas ela não estava mais lá, só restava o choro. Eu disse: "Meu Deus". A pessoa continuava no portão. Fui em sua direção e, ao me aproximar, constatei que essa pessoa não tinha cabeça. Cheguei em frente ao portão e vi que era uma mulher, também em estado de putrefação, que segurava sua cabeça embaixo do braço direito. Foi quando surgiu a voz dizendo: " Me ajude, me ajude". A voz era dela. De repente ouvi um gemido intermitente e percebi que alguém vinha em minha direção por entre a escuridão do cemitério. Em meio a neblina, surgiu um homem de braços estendidos em minha direção. Ele também estava em avançado estado de decomposição.

A mulher sumiu diante daquela figura gemendo e se aproximando de mim. Não tive dúvidas, pulei o muro do cemitério e corri sem olhar para trás. Só ouvia o choro da criança. Quando entrei em casa, o choro cessou. Fui para o quarto e olhava o cemitério pela janela. Tudo estava calmo, mas a neblina continuava.

Durante o dia falei com meu primo soube o que tinha visto. A princípio, ele não acreditou, mas começamos a discutir o assunto. Ele me perguntou:

- Quem será essa criança? Será que é a criança morta pelo pai?

- Eu tenho certeza.

- E a mulher?

- Hum, ela me pediu ajuda. Talvez seja a mãe do menino. O garoto chora sentindo falta da mãe e ela vem buscá-lo.

- Buscá-lo? Então por que ela não entra no cemitério e o pega?

- Está aí o mistério. Quando o homem apareceu, ela sumiu.

- Será que não é o pai da criança? Ele também foi enterrado naquele cemitério.

- É claro. É isso. Ela não entra no cemitério porque tem medo dele. Ele não deixa ela levar a criança.

- Levar a criança? Levar pra onde? Eles não estão mortos? Não deveriam estar em um outro mundo?

- Vá lá se saber o que acontece quando a gente morre. Só sei que preciso da sua ajuda para entregar o menino à mulher.

- Como assim "minha ajuda"? O que você tá pensando?

Contei a ele meu plano. Ele não queria ajudar, mas acabou concordando.

Era noite de lua cheia. Eu estava acordado olhando pela janela. Meu primo dormia quando o choro começou. Desta vez, o choro o acordou. Perguntei se ele estava pronto. Ele disse que não, mas foi do mesmo jeito.

A neblina cobria a rua e o cemitério. Meu primo me disse:

- Eu devo estar louco por deixar você me convencer a fazer esta loucura.

Pulamos o muro do cemitério. Meu primo sabia onde ficava o túmulo da criança, afinal, ele veio para o sepultamento.

Mal pulamos o muro e demos de cara com a mãe da criança que estava do lado de fora do portão. Meu primo quase morreu do coração ao dar de cara com ela. Nós ouvimos sua voz pedindo ajuda. Eu disse: "Calma, nós vamos trazer a criança".

- Cláudio..., eu ainda não acreditava na sua história, mas depois dessa...

Meu primo estava gelado, a noite também estava. Fomos até o túmulo do garotinho. Por causa da neblina, meu primo não achava o caminho e reclamava do choro que não parava. Notei que ele estava bastante nervoso.

De repente, vimos a criança adiante de nós. Ela nos deu as costas e começou a correr. Percebi que era para nós a seguirmos. O garoto sumiu, mas meu primo reconheceu o lugar e logo achou a sepultura da criança. Trouxemos pás. Minha ideia era desenterrar o caixão e entregá-lo a mulher para que assim, mãe e filho pudessem se encontrar.

Começamos a cavar e um gemido ouvia-se ao longe. Percebi que a criança estava por perto, olhando para nós. Quanto mais cavávamos mais o gemido aproximava-se.

- Cláudio, o que é isso?

- Calma, José, continua cavando.

Ele estava morrendo de medo e eu sabia que o gemido era do pai da criança que estava se aproximando.

Desenterramos o caixão, mas eu quis abri-lo. Queria ter certeza que a criança estava lá dentro. Abri o caixão com um pé-de-cabra e me deparei com o corpinho da criança abraçando um ursinho de pelúcia. O choro parou e a imagem da criança desapareceu.

Súbito, duas mãos frias agarram meu pescoço e suspendem meu corpo. José dá um grito. Era o pai da criança. Sabia que ele não nos deixaria levá-la para a mãe.

José pega a pá e com ela acerta um golpe nas costas do homem. Ele me solta. Gemendo, vem em nossa direção. Pego o pé-de-cabra. Corro na direção do defunto e enterro a ferramenta em seu crânio. Não foi suficiente, o homem continuava avançando.

- Espera, Cláudio. Eu tenho uma coisa pra ele.

José sacou uma arma. Eu nem sabia que ele tinha uma arma. Deu dois tiros no homem que caiu. Parecia morto. É engraçado falar isso de alguém que realmente deveria estar morto. Peguei o pequeno caixão e fomos em direção ao portão. A mulher não estava lá.

- Pra onde ela foi, Cláudio?

- Eu não sei.

Resolvemos pular o muro do cemitério para fora. Eu fui o primeiro e quando estava em cima do muro esperando que José me passasse o caixão, do meio da escuridão e neblina surgiu o homem acertando José com o pé-de-cabra. Ele deixou cair o caixão. Pulei de volta para dentro do cemitério e com uma pá resolvi encarar o homem.

- Cláudio, vou atirar nele de novo.

José atirou, mas a arma falhou. O homem acertou um golpe nas mãos de José que deixou cair a arma longe. Tentei acertá-lo com a pá, mas ele se defendeu com o pé-de-cabra. José não encontrava a arma em meio à escuridão. O homem corre em minha direção tentando me matar com o pé-de-cabra. Me defendo com a pá.

- José, ainda não encontrou a arma?

A resposta foram quatro tiros, três nas costas e um deles direto na nuca. O sujeito cai. Meu primo me pergunta se ele está realmente morto. Para ter certeza disso, uso a pá para decepar a cabeça do homem.

A mulher aparece no portão. Pulamos o muro do cemitério e entrego o caixão pra ela. Ela diz obrigada, se vira e vai embora carregando a cabeça embaixo do braço direito e o caixão embaixo do braço esquerdo.

José me chama a atenção. O corpo do homem já não está mais lá. A verdade é que nunca esteve. Estamos lidando com fantasmas. Olhamos a mulher novamente e desta vez ela não está segurando o caixão, mas sim, em seu colo, está a criança que sorri pra nós.

- Pra onde eles vão, Cláudio?

- Passar a eternidade em paz.

E os dois desaparecem em meio a neblina.

Robert Phoenix
Enviado por Robert Phoenix em 04/01/2011
Reeditado em 19/10/2019
Código do texto: T2707842
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