O Obelisco

O Obelisco

por Pedro Moreno (www.pedromoreno.com.br)

Em uma noite negra com ares amaldiçoados, eu estava em uma taverna pouco auspiciosa esperando talvez por uma morte calma induzida por alguma mistura de Gim com qualquer outro veneno. A porta de madeira range revelando uma figura manca de vestes puídas e olhos saltados, logo senta ao balcão e pede algum líquido de aparência incerta.

Reparo em suas vestes tão típicas que só faltava ter uma placa em sua testa escrito “Marinheiro”. A barba grisalha áspera molhava-se em sua bebida enquanto a garganta era limpa e seu fígado deteriorado. O homem do mar toma mais dois copos e começa a socar o fumo em seu cachimbo, ao terminar procura por algum fósforo em seus bolsos e como não encontra resolvo empresta-lo um e puxar assunto.

O lobo do mar se chama Arthur, começou a navegar ainda cedo aprendendo a profissão com o pai que servira à coroa inglesa. Hoje ele trabalha em rotas comerciais trazendo produtos da Índia e outros países exóticos. Temperos raros, tecidos caros e outras bugigangas se amontoam no porão de seu velho navio A Pérola do Oceano.

Pelo que dizia havia a pouco chegado de viagem e aportado por essas bandas a procura de tripulação para seu navio. Fiquei curioso do porque era necessário tantas pessoas para um navio mercante, logo ele me explicou que sua última viagem custara a vida de muitos de seus homens graças a uma febre marinha que não encontrou cura.

Como a oferta de emprego era pouca e há meses eu não sabia que era carne em meu prato, decidi embarcar no Pérola rumo à exótica Índia. Arrumei meus poucos pertences em apenas um baú e pela manhã já esperava no porto pela chegada de Arthur. Com a chegada de todos os marinheiros, acomodamos nossa tralha no porão ao lado dos baús de dobrões usados para comprar a mercadoria. Quando o crepúsculo chegou o navio já singrava pelas águas calmas do porto em direção ao velho mar. Conforme avançamos em direção ao oceano o mar já perdia sua paciência conosco e algumas ondas podiam ser vistas. Minha primeira noite em um navio se mostrou em um desastre, mal consegui pregar o olho por causa dos estalos da madeira e o chacoalhar da embarcação, um mero boneco na mão de Poseidon.

Conforme os dias passavam aprendi a fazer os mais diversos nós de ofício, além de outras habilidades exigidas de um marinheiro que eu aos poucos eu me tornara. Os jargões do mar me fascinaram e provavelmente mereceriam um estudo apropriado por algum bom pesquisador. No décimo dia de viagem a luneta no alto do ninho do corvo avistou algo parecido com um farol o que indicaria uma ilha que não constava no nosso mapa. Pela nossa velocidade alcançaríamos o lugar apenas na aurora do outro dia.

A noite trouxe seu negrume encobrindo tudo que não fosse um palmo a frente do nariz. Uma brisa passou por nós trazendo o cheiro de uma tempestade que se aproximava. Quando a lua já ia alta no céu os relâmpagos começaram a cortar a noite iluminando nosso farol. Os marujos estavam preocupados com o fato deste não estar aceso indicando a ilha, trazendo o enorme risco de nosso navio entrar em alguma praia.

A tempestade começou a apertar fazendo nossa embarcação dançar ao ritmo do oceano, era impossível conseguir ficar de pé forçando-me a segurar-me com todas as forças em um dos mastros. Assim ficou por toda a noite e apenas de manhã se acalmou, porém uma neblina forte impedia de nós enxergamos algo além do navio, deixando-nos navegar no escuro.

Estranhamente a neblina ficou para trás nos revelando algo que nos gelou a espinha. Não era um farol o que víamos e fim um obelisco de cor púrpura enterrado no oceano em qualquer terra a vista para lhe segurar. Era feito de pedra e tinha uma cor que eu jamais vira em qualquer lugar e nem imaginava que era possível existir nesse planeta, seu tamanho era maior que qualquer torre de Londres e em seu corpo um conjunto de arranhões formavam um desenho geométrico interessante.

Os homens pareciam assustados com as possibilidades, afinal não a humanidade não tem tecnologia o suficiente para colocar um obelisco deste tamanho em pleno mar aberto sem nada a lhe escorar. Arthur tomou coragem e segui pela proa até chegar bem perto do objeto, com os dedos trêmulos tocou a superfície púrpura.

O que seguiu deixaria os mais corajosos homens tremendo de medo. Um som parecido com uma corneta, porém em uma potência avassaladora, eccou do obelisco deixando-nos surdos por alguns minutos, o som fora tão forte que até as velas tremeram e algumas ondas pequenas se levantaram da base do monumento. Quando os homens recobraram sua audição tudo continuava no mais terrível silêncio, um filete rubro desceu pelo ouvido de Arthur que continuou paralisado de medo. Tentei tirar nosso capitão do seu estado catatônico mas ele parecia não conseguir ouvir mais nada. Enquanto eu assistia socorro, ouvi um borbulhar de água perto do casco, pendurei-me na murada e vi que o imenso obelisco agora vibrava fazendo a água ao seu redor se movimentar.

Alguns marujos começaram a rezar temendo pelo pior. As ranhuras do obelisco se iluminaram com uma cor dourada como se o monumento abrigasse um sol em seu interior. Com temor que fosse tarde demais acordei os marujos de seus transes e distribuí ordens para içarem velas e virarem o timão para o outro lado, um vento salvador vindo do noroeste impulsionou nosso barco em direção contrária ao monolito de pedra.

Enquanto nos distanciávamos senti um alívio não descritível, nossos olhos ainda acompanhavam o horizonte na direção do obelisco como se este fosse capaz de se desprender do oceano e perseguir-nos. Quando a distância era grande subi no ninho do corvo e com a luneta na mão pude enxergar o obelisco.

O terror tomou conta de mim.

Na superfície do monolito, que outrora estava apenas com as ranhuras, estava coberto por um sem número de tentáculos e em seu topo uma criatura de cor ocre parecida ter vinda do inferno. Seu corpo coberto por escamas exalava uma fumaça esverdeada, do alto de sua grotesca cabeça um par de chifres espiralados iguais a de um carneiro. O monstro abriu sua bocarra em um ângulo obsceno mostrando alguns milhares de dentes pontiagudos, do fundo de sua garganta o som poderoso igual ao de uma corneta ecoa novamente acabando com a coragem dos mais determinados marujos.

Por mais que eu quisesse, não conseguia desgrudar meus olhos da luneta, só parei de observal tal criatura quando esta desapareceu de meu campo de visão. Navegamos por mais alguns dias e alcançamos a inglaterra novamente. O capitão, que delirou a viagem inteira, foi internado no hospital, porém acabou transferido para um manicômio. Fiquei sabendo que ele arrancara seus olhos com as mãos e desenhara uma cópia fiel do monolito na parede do quarto.

Na mesma taverna onde outrora eu conhecera Arthur, o Gim tornou minha única companhia por muitos anos até eu ficar de cama e não mais conseguir ir à tal espelunca. Todas as noites que passei sóbrio desde o ocorrido, quando fecho meus olhos consigo ver com clareza o obelisco e seu som aterrorizador ainda ecoa em minha cabeça.

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