ESCURIDÃO
 
Ele não sabia como tinha ido parar naquele lugar. Abriu os olhos e ficou assustado, achou que tinha ficado cego e demorou vários momentos para entender que não havia nada de errado com sua visão. Apenas não enxergava porque não era possível enxergar envolvido naquela completa escuridão.
 
Levantou-se e sentiu uma estranha sensação de leveza, passou as mãos pelo corpo e percebeu que estava completamente nu. A angústia cresceu ainda mais no seu peito, num primeiro momento pode parecer insignificante, mas as roupas são uma das poucas coisas que nos diferenciam de outros animais, e a ausência delas na condição que ele estava remetia seus pensamentos justamente para isso: sentia-se um animal.
 
Não se lembrava sequer quem ele era e após o torpor inicial causado pela desorientação, sua mente começou a processar a dor que sentia em seu estômago. Isso ele conhecia bem e sabia o que significava, pois já havia passado fome antes, mas a dor era indescritível, desesperadora. Ajoelhou-se no chão e tateou freneticamente em busca de alimento, suas mãos encontraram algo e ele levou de imediato até a boca. A sensação de conforto durou poucos segundos, somente o tempo de seu estômago devolver através de uma crise de vômito toda a terra que ele havia ingerido.
 
Sabia que tinha que sair dali e com os braços estendidos para frente em busca de orientação, se pôs a caminhar com passos trôpegos e lentos.
 
Havia caminhado somente alguns passos e um novo suplício se abateu sobre ele. Sua boca ficou seca, seus lábios rachados e sua garganta denunciavam toda a sede que sentia. Ouviu um barulho próximo, algo que o fez pensar em uma pequena cachoeira. Água. Era água. Pensou ele. Correu naquela direção, caiu algumas vezes até sentir seus pés molhados. Ajoelhou-se e com as mãos em concha levou o líquido até sua boca, mas para aumentar ainda mais seu desespero a água desaparecia por entre seus dedos no exato momento em que iria bebê-la. Repetiu o ato diversas vezes com o mesmo resultado fatídico. Pensou em simplesmente desistir, mas algo em seu intimo o impelia a continuar.
 
Retomou sua caminhada e a escuridão começou a amainar, mas apenas o suficiente para ele perceber que estava em uma espécie de estrada.
 
Ele caminhou por esta estrada por muito tempo, tendo somente a fome e a sede como companheiros. A dor era insuportável e ele não sabia como seu corpo ainda agüentava. Porque ele simplesmente não sentava e esperava a morte chegar ele também não sabia responder. Neste momento, a única coisa que sabia era que algo mais forte do que ele lhe dava energia e o obrigava a continuar, era como se ele não fosse dono de sua própria vontade.
 
Seus olhos avistaram uma luz tênue e distante à frente do caminho. Ele parou, sua mente foi invadida por uma sensação de déjàvu. Ele conhecia aquele caminho. Ele conhecia aquele martírio que estava passando. Ele lembrou quem ele era. Ele conhecia a luz e tremeu ao lembrar que ele também conhecia o que iria sofrer para tentar alcançá-la.
 
Ele correu em direção à luz. Correu como um louco com todas as suas forças e à medida que avançava mais suplícios e dor o aguardavam.
 
Primeiro sentiu o chão ser tomado por espinhos, seus pés descalços serem perfurados a cada passo. Depois seu corpo foi açoitado por um vento frio e cortante que fazia seus músculos terem espasmos de dor a cada movimento. Ele gritava de dor e desespero, mas continuava em frente naquela provação em busca da luz. Em seguida o fogo, labaredas vindas de todos os lados queimavam sua carne, seu corpo estava uma massa disforme e ele só continuava avançando porque não era mais dele aquela força que o impelia a continuar.
 
Mal conseguia ficar de pé quando avistou a luz bem próxima, e chorou ao avistar a última provação que tinha que transpor para chegar até ela: o abismo.
 
Sabia que tinha que saltar sobre o abismo para chegar até a redenção, sabia a distância que teria que saltar era menor do que a última vez... Mas também sabia que ainda era muito longe para ele conseguir. Atirou-se no chão e começou a chorar. Chorar de dor, chorar de desespero, chorar de arrependimento. Decidiu que não iria mais tentar, simplesmente iria ficar ali, olhando a luz tão próxima e tão inatingível.
 
Mas foi uma ilusão que durou pouco, porque assim que desistiu, a força que não era dele tomou seu corpo. Sua mente viu seu corpo levantar-se como uma marionete enquanto ele suplicava para que ele ficasse sentado.
 
Seu corpo mutilado se movimentou, alheio a dor que cada passo seu causava no seu dono. Tomou distância, empreendeu toda velocidade possível, e saltou... No meio do salto seu corpo voltou a ser dele, sua vontade retornou apenas a tempo de ver que não ia conseguir novamente. Enquanto caia ele gritava, mas não era um grito de dor, era uma mistura de súplica e desespero, porque ele conhecia o fundo do abismo, sabia que o caminho de sua penitência era como um grande círculo, que ao chegar ao final retorna novamente para o início.
 
Hospital Psiquiátrico Federal São José
 
Ao lado de um leito, o funcionário apresentava os pacientes para o médico recém contratado:
- Este homem é aquele estuprador que molestou e matou mais de vinte meninos alguns anos atrás?
- Sim, ele esta aqui há mais de quinze anos. Quando foi capturado reagiu e levou um tiro na cabeça, já chegou aqui neste estado vegetativo, seu diagnóstico é de coma irreversível.
- Considerando o que os outros presos iriam fazer com ele, acho que Deus foi misericordioso, pois neste estado ao menos ele esta em paz...     
 
 
 
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Maddox
Enviado por Maddox em 07/11/2010
Reeditado em 07/11/2010
Código do texto: T2601382
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