A Defunta e o Anel

No ambiente esfumaçado permeado por móveis de madeira escura e mulheres de vida fácil, Edward encosta-se ao apoio de sua cadeira e fita o copo já pela metade de algum malte barato que nem se deram o trabalho de dar-lhe um rótulo.

Nesses instantes de meditação boêmia a porta do estabelecimento range revelando um senhor de capote preto puído e cartola não menos usada. Ele deixa seu chapéu no cabideiro manco pousado na entrada e com aceno identifica Edward sentado à mesa.

- Ora, ora, se não é o velho Edward – senta-se com dificuldade o senhor.

- Ora, ora, se não é o velho Claude – retribui Edward o cumprimento.

Uma garçonete mal ajambrada com um pano roto sobre o ombro saca um cotoco de lápis e um pedaço de papel, caminha até a mesa.

- Uísque duplo, dois, sem gelo.

Ela some para de trás do balcão e logo volta com dois copos com algum malte misterioso feito seu passado. Os dois cavaleiros dão um gole e logo retribuem uma careta. Edward retira do bolso de seu casaco um cachimbo de madeira e uma caixa de metal com fumo.

- Então caro Claude, como está vossa mãe?

- Tão bem de saúde quanto a rainha. Infelizmente.

- Infelizmente Claude?

- Caso soubesse da quantidade de bens que esta anciã dispõe para seu herdeiro, pensaria como eu.

- Claude, o senhor é incorrigível.

- Falando nisso, ainda tem conversado com tua irmã.

A taverna ficou em um silêncio pesado enquanto Edward esperava a resposta baforando seu cachimbo. Claude ajeitou seu colarinho e contou a história de sua irmã.

A Defunta e o Anel

por Pedro Moreno (www.pedromoreno.com.br)

Marie sempre foi uma menina peralta. Desde pequena vivia com os joelhos e canelas raladas de tanto pular muros e se arrastar no barro. Quando mais velha, tolo foi àquele que imaginou que suas travessuras iriam acabar. Começou com namoricos escondidos de seus pais.

Com as estrelas como testemunhas, pulou a cerca viva ladeando a mansão de Nicholas e avançou pelo jardim bem cuidado evitando pisar nas flores. Problema se deu quando o vigia noturno viu a sombra da moça tentando não ser vista e engatilhou sua espingarda.

O tiro foi certeiro e logo os miolos da moça estavam pelo chão.

Pranteamos por um bom tempo a morte de minha irmã. Mamãe ficou doente e não queria mais sair da cama. Tentando esquecer de tão inesperada morte, afoguei-me no Gim sentado em uma cadeira no porão de casa. As horas passaram e eu mal podia imaginar o que se sucederia.

Uma luz opaca bruxuleou perto da minha cadeira me fazendo cair de costas no chão tamanho susto que levei.

- Quem está aí? – perguntei em alto e bom som.

- Sou eu, Marie.

Senti minhas pernas bambearem por alguns segundos e segurei minha garrafa como se esta pudesse me proteger.

- Você está morta!

- Claro que estou. Porém presa...

- Como podes estar presa? – perguntei tentando imaginar de onde vinha a voz.

- Estou presa em um pequeno objeto... um anel... que hoje pousa sobre o gramado da casa de Nicholas.

- E o que acha que devo fazer? Pegar o anel e satisfazer tuas vontades?

No mesmo instante minha irmã mostrou sua aparência. Uma luz verde a envolvia , seu crânio aberto pela bala mostrava um cérebro ainda pulsante. Flutuando no porão ela apenas deu uma risada e sumiu de vez.

Era claro que minha irmã pretendia me assombrar caso eu não pegasse o maldito anel, estava decidido que na próxima noite eu invadiria a mansão de Nicholas e torceria para que o destino não fosse hereditário.

Quando o crepúsculo tinge o céu de escuro eu já me encontro atrás de uma árvore esperando o vigia passar, ele segue até sua guarita e torna a beber direto do gargalo da garrafa.

Aguardo o vigia ficar letárgico pela bebida e sigo até uma rachadura no muro por onde passo com dificuldade. Alcanço o gramado e com a ajuda de uma vela começo a procurar pela jóia. Lá está ela. Brilhando contra o gramado. Avanço com minha mão em direção à jóia e a agarro, mas o que acontece me deixa estupefato. Uma mão macabra salta da terra e começa a me puxar para baixo.

Uso todas as forças possíveis para me desvencilhar daquela mão. Aos poucos vou desenterrando a maldita que me segurava, quando o rosto brotou da terra pude ver o rosto de minha irmã. Dei um belo de um chute naquele rosto cadavérico e aproveitei para fugir.

...

- Isso é incrível! – disse Edward.

- Desde então eu nunca mais a vi...

Um vento mais agudo vindo de algum lugar inominável adentra a taverna e apaga as tochas e velas acesas. Claude sente uma mão lhe segurando o braço.