O Marido

Começa a anoitecer e a lua me lembra de que não tenho muito tempo de vida. Escrevo este relato desesperado para aqueles que desejam me ouvir, apesar de aconselhá-los de que se possível não o façam.

Casei muito cedo, larguei as bonecas em favor de uma união arranjada entre famílias em prol de crescimento financeiro. Devíamos adotar sistemas políticos que valorizassem o amor e não o capital que corrompe todas almas puras.

A primeira noite foi terrível, e pior é pensar que apenas serviu de prelúdio para o inferno que viria a ser meu casamento. Deitada de camisola dada em enxoval, estava eu temerosa tanto por meu futuro quanto por minha saúde. Ele apareceu vestindo nada. Com sua nudez obscena ele se aproximou da minha cama. Enrubesci imediatamente enquanto meu coração palpitava de desespero, queria ter fugido naquele momento, mas faltou-me coragem para tal.

Ele possui meu corpo e destroçou minha mente. Quando extinguiu seu instinto animal deitou-se e passou a roncar sufocando meu choro baixo. Minhas pernas trêmulas doíam assim como meu sexo agora deflorado. Senti-me imunda. Quando o primeiro raio solar apareceu afastando as trevas do quarto, meus olhos fundos ainda fitavam o teto de maneira desconsolada. Meu marido acordou disposto e voltou a me violentar.

Todas as noites eu passava por esse estupro moral que aos poucos levava minha insanidade. A menina simplória que eu era morria aos poucos a cada dia que passava, presa em um castelo de contos de fada, porém vivendo um terror todos os dias.

Em uma manhã meu marido arrumou suas malas e contou-me que iria para a guerra lutar contra os adversários da coroa. Quando se foi suspirei aliviada de todos os meus medos. Demorou um mês para minhas feridas no corpo se cicatrizarem, mas tive certeza que meus temores internos nunca seriam curados.

Depois de dois meses casada que pude conhecer o restante do castelo do qual fazia moradia. Suas paredes de pedras frias lembravam-me meu marido durante o café da manhã. Seus aposentos amplos e sem sentido de existência parecia minha própria vida.

No hall principal uma armadura completa que um dia vestiu meu sogro, morto durante combate, era o orgulho de meu marido. Havia uma pintura em cima do piano representando o morto. Suíças brancas enormes pendendo sobre o queixo, um olhar feroz pontuado por uma falta de um globo ocular arrancado por um mouro imprudente que encontrou sua morte no óleo fervente.

Como seria possível eu fazer parte desta família? Fui educada nas tradições francesas, costuro, cozinho, escrevo poesias e sei fazer arranjos florais. Formada em piano e balé nunca precisei usar minhas habilidade pois a única destreza que interessa ao meu marido é saber separar minhas coxas no momento certo.

Passaram-se dois meses e o alívio viera na forma de um mensageiro. Meu marido obteve o mesmo destino de seu pai e morrera nas mãos do inimigo que nem ao menos sabia o nome. Apesar de ser uma notícia trágica, pude sorrir novamente, voltaria para minha casa mais pobre que chegara, porém teria minha vida de volta.

Continuei morando no castelo e descobri que não haviam herdeiros, aquele lugar odioso era meu por direito. Fui até a cidade comprar madeira com a finalidade de incendiar todos objetos pertencentes ao meu ex marido, quando voltei vi sua mala de viagem pousada sobre o ladrilho da entrada. Comecei a subir até o quarto com meu coração engasgando na minha garganta, quando entrei pela porta encontrei meu marido. Vivo. Fitando meus olhos enquanto fumava um cachimbo. Ele levantou-se e me jogou contra a cama. Possui-me de forma selvagem e grosseira como nunca tinha feito antes. Chorei durante o coito lágrimas e desespero e o gosto salgado de minha dor apenas inflamava seu tesão.

Quando ele se satisfez meu sexo sangrava. Meu marido saiu do quarto e pela janela vi que iria caçar. Como isto poderia ser possível? Outrora ele estava morto e agora há pouco me molestara. Seria minha mente pregando peças?

Os dias passavam e sua violência aumentava. Um dia não mais suportando a dor levei para a cama uma adaga. Cravaria no peito do maldito e poria fim a sua existência e ao meu sofrimento. Quando ele começou a avançar sobre meus seios segurei o cabo da adaga e penetrei com força em sua carne. Nunca tinha atacado alguém, por causa da falta de experiência acabei lhe acertando o ombro fazendo-o soltar um urro de dor. Como uma besta raivosa ele continuou a forçar seu sexo contra o meu dilacerando meu corpo. Parecia que a lâmina cravada em seu ombro não lhe preocupou, meu marido foi até sua completa satisfação.

Ele sempre foi rude e bruto, porém quando desferi meu ataque ele passou a ser perverso. Muitas vezes amarrava-me em uma pilastra e chicoteava minha nudez antes começar seu estupro vigoroso.

Ele também mudara muito depois de ter ido à guerra, só pensava em sexo e passar longos períodos caçando. A ferida por mim deixada não cicatrizou e nem dava indícios que um dia cicatrizaria. Seus hábitos noturnos não me deixava em paz e o pouco sossego que eu tinha pela manhã era recheado de pesadelos vivos.

Um dia quando ele reunira os cachorros para caçar resolvi o seguir. Meu marido adentrou pela floresta comigo em seu encalço, logo ele avistou um javali à beira de um riacho curvado sobre as águas. Ele soltou os cachorros e rapidamente correu de mãos nuas em direção à besta que não conseguiu fugir, o que aconteceu a seguir não pude esquecer.

Os cachorros e meu marido despedaçaram o animal com suas unhas e dentes. Era de esperar que os cães tivessem esse comportamento, mas era bizarro ver aquele homem mordendo a carne agonizante do javali e se banhando no sangue dele.

Recuei daquela cena horrível, porém não fui furtiva o suficiente e acabei pisando em um galho seco que estalou. Meu marido se virou e em seu frenesi sanguinário passou a correr para cima de mim, esquivei-me no momento certo e a fera acabou com um galho advindo de um carvalho encravado em seu peito.

Caí no chão e observei o corpo de meu marido trespassado pelo galho. Algo estranho aconteceu. Nada poderia ter sobrevivido àquilo. Mas ele ainda se mexia. Tentou-me agarrar, mas fui rápida e saí correndo em direção ao castelo.

Cheguei pela manhã com minha sanidade em frangalhos. Tranquei-me no castelo e fiquei olhando pela janela esperando o pior acontecer. Quando chegou a tarde vi meu marido, com um galho quebrado enfiado em seu peito, aparecer no perímetro da floresta e irromper em fúria contra o portão do castelo.

Começa a anoitecer e a lua me lembra de que não tenho muito tempo de vida. A porta não aguentou contra a investida de meu marido e agora ele já ganhou o salão principal. Ouço o barulho de seus passos subindo as escadas e uma primeira batida na minha porta indica que chegou.

Minhas lágrimas começam a descer pelo rosto. Será meu fim. A porta desaba no chão e meu marido aparece por ela.

Respiro fundo e aguardo.