A Cela

As paredes grossas de pedra são frias e úmidas, no alto uma janela gradeada, por onde não passa sequer um braço, traz ar novo e luz para o interior da cela. Do outro lado desnuda o oceano atlântico e uma bela praia de areia suave e branca.

Pena que não é possível curtir tal paisagem dentro da prisão. Jonathan, amargurado consigo por ser tão estúpido, sentado em um canto escuro pensa em quanto tempo terá que ficar aqui. Logo um barulho de chaves ecoa pela masmorra indicando que o carcereiro logo chegaria.

Não tardou muito para que um sujeito gordo andando de jeito desengonçado e camisa aberta entrasse mancando da perna esquerda. Seu rosto nojento projetava uma cicatriz no começo da testa até a altura da bochecha passando pelo nariz oleoso.

– Sua comida! – gritou o carcereiro jogando um prato de arroz frio com um pescoço de frango frito.

– Obrigado senhor... – começou Jonathan – Desculpe-me, não sei teu nome.

– Mike – respondeu ríspido o capataz.

– Diga-me Mike, a lei só pesou para o meu lado? Não vejo ou ouço outros presos e você só aparece com um prato de comida apenas.

– Não – o carcereiro olha para a cela em frente a de Jonathan e ajeita a gola da camisa – tem o Butturi ali – diz Mike fazendo pouco caso.

– Jonathan olha assustado para a cela em frente a sua e repara que há alguém sentado em meio a escuridão, até então o preso não percebera a presença dele por estar tão imóvel. Era possível enxergar apenas os contornos da pessoa que parecia ser muito grande.

– Senhor Mike, porque você não estrega comida para ele?

– Ele não come nada que entregamos – responde o carcereiro de maneira seca.

Enquanto Jonathan observa o vulto, Mike escarra perto da grade e segue assobiando enquanto gira as chaves. A porta é trancada.

Jonathan se levanta e aproxima da grade.

– Olá – diz o preso de forma não muito confiante – meu nome é Jonathan, qual é o seu?

Silêncio.

Nenhum som vem do outro lado das grades, o gigante está imóvel ainda, nem parece respirar. Jonathan desiste de se comunicar e senta no banco de pedra no qual dorme.

– Qual o seu crime garoto? – uma voz forte feito trovão ecoa dentro da masmorra.

Jonathan se levanta e aproxima da grade.

– Roubo senhor! – diz o jovem excitado por ter conseguido um parceiro de conversas.

– Meu Loá não gosta de ladrões.

A palavra Loá bate nas paredes deixando Jonathan preocupado. Loás são entidades do vodu caribenho, ele mesmo já conheceu vários praticantes desta antiga religião, a grande maioria feita de pessoas boas e honestas, alguns poucos praticantes do vodu voltado para entidades demoníacas que buscam vingança, sangue e destruição.

– E q... qual é o... o... o seu loá? – gagueja o Jonathan.

– Seu nome é impronunciável.

As últimas palavras de Butturi gelaram o coração do rapaz que passou temer pelo pior. Seus olhos desviavam da cela do gigante e quando a escuridão da noite chegou trouxe consigo o negrume para dentro da masmorra. Não era possível enxergar um palmo além dos olhos. O coração de Jonathan bateu forte quando sentiu algo subindo pela sua perna, gritou alto despertando a atenção do carcereiro que logo apareceu carregando uma tocha.

– O que aconteceu?

Sua resposta passou rápido entre as pernas dele na forma de um rato de cor marrom.

– Ora essa! Se eu ouvir mais um grito desses juro que lhe arranco os dentes! – gritou Mike deixando a tocha pendurada na parede de pedra.

Jonathan ainda assustado acompanhou os movimentos do rato que lhe assustara. Quando este passou perto da cela de Butturi uma mão negra emergiu das sombras e agarrou o animal, em seguida sons de ossos sendo mastigados. O jovem não acreditava, mas seu companheiro de prisão estava comendo o roedor.

Passadas algumas horas, com a lua alta no céu noturno, um murmuro vindo da cela de Butturi deixou Jonathan atento. Era como se ele tivesse conversando com alguém, mas era muito difícil conseguir entender alguma coisa, apenas algumas palavras dispersas. Ele prestou mais atenção e conseguiu ouvir a última frase: “Sim, vou matá-lo em teu nome”.

Jonathan sentiu-se observado e se virou na cama de pedra de tal forma que conseguisse visualizar o corredor, dois olhos despontavam no meio da escuridão fitando o prisioneiro que não mais dormiu.

Quando os primeiros raios de sol invadiram o ambiente agourento da masmorra Jonathan sentiu-se mais seguro. Agora ,iluminado pelo astro diurno, era possível ver o rosto de Butturi. Um negro alto e musculoso vestindo apenas uma calça de algodão. Em seu rosto uma caveira pintada de branco tomando-lhe a face por completo, se não bastasse tal fato seus olhos castanhos tinham um tom ameaçador.

O carcereiro entrou escarrando em um canto da parede, Jonathan grudou nas barras de metal de sua cela e pediu para que ele se aproximasse. Mike chegou perto visivelmente irritado.

– O que você quer garoto?

– Temo pela minha vida.

– Foi fazer besteira...

– Não é isso! – Jonathan olhou de soslaio para Butturi que continuava o observando impassível – Ele vai me matar! – disse sussurrando.

– Bah! Conversa fiada.

– É sério! Ouvi ele conversando com alguém ontem a noite. Garanto que falava de mim.

– Certo... Vamos fingir que eu acredito. Agora me diga como ele irá sair da cela?

Jonathan parou tentando digerir a pergunta e por fim deu de ombros, o carcereiro deu uma risada rouca e continuou pelo corredor.

Quando de tarde chegou a comida, Jonathan não sentiu fome. Apenas o medo preenchia sua existência. A noite caiu e o suspense ficou maior. Não seria possível dormir com presença tão sinistra ao seu lado, porém o sono falou mais forte e o preso desfaleceu. Acordou assustado quando percebeu que dormira e procurou os olhos de Butturi na escuridão nada encontrando.

O coração bombeou o sangue injetando adrenalina em seu corpo esperando pelo pior. Ele esquadrinhou cada canto da sela à frente e não foi capaz de reconhecer uma só sombra do indivíduo.

– Procurando algo garoto – Butturi falou.

Jonathan deu um salto pois o som veio de sua própria cela e ele não estava errado. Os olhos na escuridão brilhavam. O jovem deu um grito porém foi interrompido pela mão enorme de Butturi entrando em sua boca e agarrando sua língua, com um movimento feroz o gigante arrancou com força o órgão do jovem e deu uma risada de satisfação.

A dor lancinante fez com que Jonathan caísse no chão frio da masmorra. Com os olhos arregalados ele fitou seu carrasco pedindo clemência, porém não foi atendido. Buttuti agarrou a cabeça do preso e passou a chutar seu ventre até por fim conseguir separar o crânio do resto do corpo.

Barulho de grito e em seguida de ossos sendo esmigalhados acordaram o carcereiro que logo pegou as chaves e desceu, ao chegar segurou para que o vômito não saísse ao ver a cena de carnificina que se apoderara da cela do jovem ladrão. Sua cabeça separada do corpo ainda estava com os olhos esbugalhados. Mike olhou para a cela em frente e viu Butturi sentado olhando para uma parede, verificou os cadeados e nenhum deles estava aberto.

– S... Senhor Butturi? – gaguejou Mike.

– Destino terrível o do rapaz, não?

Mike deu uns três passos para trás e resolveu não questionar mais nada. No outro dia libertou Butturi de sua cela.