Invocação profana

Eu vim ao velório de Lafferty para ver se tudo transcorrerá de forma normal.

Meu nome é Edgard e sou o que as pessoas chamam de feiticeiro.

A mulher de Lafferty percebe minha presença no local.

- O que você está fazendo aqui? Tem muita coragem de vir depois de tudo o que fez com meu marido. Vai embora daqui.

Ela começa a chorar.

- Sempre fizeram mal ao meu marido.

- Senhora, de forma alguma eu vim aqui para causar algum tipo de provocação, de criar algum mal-estar.

As outras pessoas a acalmam. Dizem que não vale a pena. Ela senta-se e me deixa em paz.

Estou aqui porque Lafferty não é um ser humano e sim um demônio que assumiu a forma humana.

Ele foi invocado por um bruxo do mal. O bruxo o queria para que o demônio o servisse.

Depois que Lafferty habituou-se ao nosso mundo, mandou matar seu mestre, através de três crianças sob seu domínio.

Lafferty sempre teve muita afeição por crianças. As três atacaram o bruxo e o esquartejaram.

Aquele bruxo era meu inimigo, por isso, eu sempre me mantinha vigilante aos seus passos.

Lafferty fugiu de minhas mãos jogando as crianças contra mim. Ainda bem que, quando ele se distanciou, as crianças voltaram ao normal. Eu segui seu rastro e o encontrei.

O demônio assumiu a forma humana para poder viver entre nós e acabou se casando. Nunca teve filhos. Imagino o que seria essas crianças.

Ele sempre praticava bruxaria e eu sempre tentei detê-lo. Minha intervenção em sua vida provocou o ódio da mulher dele sobre mim. Ela nunca soube da verdadeira identidade do marido nem suas reais intenções.

Lafferty causou uma grande mudança nas crianças da vizinhança em que ele morava. Elas passaram a ignorar seus pais e suas obrigações apenas para ficarem com ele. Boatos de pedofilia corriam soltos.

Um pai mais louco e descontrolado por causa da bebida achou que Lafferty era um pedófilo e deu-lhe um tiro no peito. Parecia ser o fim do demônio, mas eu sei que não é. Temo que hoje seus seguidores venham ressuscitá-lo.

Vejo cinco homens entrando no recinto. São eles. Sinto a energia maligna. Bastou a entrada deles para que as cinco crianças que estão aqui, ficassem paralisadas. Que feitiço tão poderoso. Agora, os homens estão saindo e as crianças indo atrás. Vou segui-los.

Quando chego ao corredor, uma das crianças está no meio do caminho segurando uma faca. Com certeza tentará me deter.

Ela está parada. Só vai me atacar se eu avançar. Avanço. A criança desfere um golpe com a faca que quase atinge meu abdômen, eu esquivo.

Pego o braço do garoto e o torço. A faca cai. Empurro o garoto que também cai. Pego a faca e corro para fora do lugar. Eles sumiram. Os cinco homens e as quatro crianças. Eu falhei.

Quando volto ao velório, a criança que me atacou está normal e ao lado de sua mãe.

Eles irão tentar ressuscitar Lafferty esta noite, depois que for enterrado, mas pra que querem as crianças?

Noite.

Estou no cemitério onde Lafferty foi enterrado. Eles estão aqui, vestidos com mantos e capuzes vermelhos. As crianças os seguem como zumbis. Todos dirigem-se ao túmulo de Lafferty.

Atrás de mim, me seguindo às escondidas, uma garota de cabelos prateados que carrega um bastão branco.

Chegam ao túmulo. Está na hora de agir.

- Já chega desta loucura - eu digo.

- Minhas palavras são as mesmas de Edgard. Vocês vão morrer - fala a garota de cabelos prateados.

Esta é Ravena. Eu a chamei para me ajudar. Ela é uma feiticeira diferente. Usa armas místicas capazes de enfrentar a magia. Também é um tanto temperamental. Não tem piedade com seus inimigos.

- Não irá nos deter, Edgard. Um simples feitiço será suficiente para eliminar vocês dois - diz um dos sacerdotes.

Eles levantam os braços, suas mãos brilham e cada um aponta para um túmulo. Num instante, cada cadáver é arrancado de sua sepultura e ganha vida. Não imaginava que o poder deles estivesse num nível tão alto.

Os cinco cadáveres avançam até nós. Ravena apóia-se no seu bastão e desfere um chute em um deles. Eu, por minha vez, invoco a magia do fogo criando uma bola de fogo que vai instantaneamente em direção a dois cadáveres que queimam até não restar mais nada.

Enquanto isso, os sacerdotes arrancam o caixão de Lafferty de seu túmulo. Com um simples gesto de um deles, a tampa é arrancada. Duas crianças com dois baldes cheios de sangue aproximam-se do caixão. Aquele sangue deve ser para ressuscitar Lafferty.

As crianças jogam o sangue no corpo dele. Imagino que aquele sangue seja humano.

O bastão de Ravena é banhado por energia branca. Um rápido golpe transforma em pó as cabeças de dois zumbis.

Atravesso, com o dedo indicador da mão direita, a testa de um dos zumbis. Luzes brancas saem de seus olhos, ouvidos, nariz e boca e, em seguida, sua cabeça explode. Lamentável. Não devia ter feito isso. Me sujei um pouco. Estamos prontos para os sacerdotes.

O sangue derramado é logo absorvido pelo corpo de Lafferty que adquire sua verdadeira forma.

Seu corpo levanta-se e brilha de energia vermelha.

- Edgard, nada pode me deter - diz ele. - Saiba que descobri uma maneira de aumentar meus poderes. Durante uma de minhas experiências místicas, um de meus servos morreu tendo seu corpo ferido gravemente. Tive contato com seu sangue e vi que o meu corpo absorvia esse sangue, o que me deixava mais forte. Edgard, sabe por que eu sempre tive afeição por crianças?

- Não, demônio.

- Agora descobri. O sangue delas me torna ainda mais forte que o sangue de adultos. O sangue dessas quatro crianças aumentará em muito o meu poder.

- Você jamais encostará nelas, demônio maldito - diz Ravena.

- Sacerdotes, acabem com esses dois - ordena o demônio.

Com um gesto de suas mãos, Lafferty chama as crianças que avançam lentamente em sua direção.

Os sacerdotes tiram seus mantos e iniciam a batalha.

Um deles vem em minha direção. Ele salta, mas antes que possa me alcançar, eu o paraliso no ar com apenas o toque do meu dedo indicador em sua testa.

Ravena salta. No ar, aperta um botão em seu bastão que faz surgir uma lâmina em sua extremidade. Ela usa essa lâmina para cortar a cabeça do sacerdote que paralisei.

Agora, Ravena não tem mais um bastão, mas uma lança.

- Ravena, isso não era necessário.

- Edgard, não é hora para sermões. Temos que deter aquele demônio a todo custo.

Os outros quatro sacerdotes preparam-se para nos atacar. Dois deles concentram-se em Ravena e os outros dois em mim.

Os que concentram-se em Ravena invocam, cada um, uma bola de energia negra rodeada por dois anéis amarelos.

Eles as disparam. Ravena gira a lança com tamanha velocidade que consegue defender-se do feitiço. Ela corre e salta para cima dos sacerdotes.

Dos olhos dos outros dois são disparados feixes de energia contra mim. Minhas mãos brilham e uma energia as cobre e é com essa energia que me defendo.

O salto de Ravena termina com ela descendo a lâmina de sua lança desde o alto até o chão diante de um sacerdote. Aparentemente, não aconteceu nada, mas, de repente, o sangue começa a escorrer do alto de sua cabeça e seu corpo divide-se em dois. Ravena o cortou.

As pontas de dois dedos do outro sacerdote brilham, mas Ravena é mais rápida e atravessa o peito dele com sua lâmina suspendendo seu corpo. O feixe de energia que saiu de seus dedos se perdeu na noite. O sacerdote não teve tempo para mirar.

As crianças estão enfileiradas prontas para o abate de Lafferty. Rapidamente disparo ondas de energia nas crianças que transformam-se em uma jaula encantada. Não durarão muito, mas nos darão mais tempo.

Quanto a esses sacerdotes, eles invocam energia através dos olhos. Mostrarei a eles o poder do meu terceiro olho.

Minha testa brilha com uma energia amarela e um terceiro olho surge, com o dobro do tamanho de um olho comum. Meu corpo levanta-se no ar, acima dos sacerdotes, que estão espantados e com medo.

Do terceiro olho que invoquei, disparo uma rajada de energia dourada que cobre os sacerdotes, queimando-os até virarem pó. Não gostaria de fazer isso, mas não há tempo.

Lafferty esmurra a jaula que está se quebrando. Ravena parte para cima dele. Ela salta sobre Lafferty para cortá-lo, mas, com sua mão esquerda, ele dispara uma rajada de energia vermelha que atinge Ravena fazendo-a cair longe.

- Ravena...

Não posso ajudá-la, preciso cuidar das crianças.

O último golpe. A jaula se estilhaça. Disparo de minhas mãos uma rajada de energia dourada que atinge Lafferty afastando-o das crianças. É hora do confronto final.

Corro, salto e uso meu terceiro olho. Lafferty defende-se de minha rajada com as duas mãos. Ela o empurra um pouco para trás, mas ao término do feitiço não aconteceu nada. Apenas as mãos de Lafferty se mostram um pouco queimadas.

- Feiticeiro, como você viu, meu poder aumentou o suficiente para fazer com que você se junte aos seus antepassados.

Com sua mão direita, Lafferty invoca uma esfera de energia completamente negra. Do dedo indicador de sua mão esquerda, ele dispara um feixe de energia.

Eu desvio esse feixe com apenas um braço, mas atrás dele vem a esfera de energia. Salto para escapar. Ela atinge o chão, explode, mas, mesmo estando no ar sou atingido e caio. Vou me levantando, mas a dificuldade é grande. Meu corpo está muito machucado. De minha testa, escorre sangue.

- Ah! Ah! Ah! Com tão pouco sangue meu poder aumentou demais. Com o sangue dessas crianças, serei invencível.

As crianças continuam em estado de transe.

- Imagine, feiticeiro, se eu me alimentar também do seu sangue.

Lafferty começa a invocar outra esfera negra. Me levanto com dificuldade. Não tenho mais energia para escapar.

- Prepare-se, Edgard. O infortúnio que você me causa a tanto tempo terá fim.

De repente, do meio da escuridão, a lança de Ravena surge cortando o ar e atravessando o corpo de Lafferty. A esfera negra desaparece, e quem reaparece é Ravena, arrastando-se por entre os túmulos.

Lafferty geme. As armas de Ravena são místicas, ou seja, banhadas com energia branca. Se fosse uma lança normal, no seu atual estado de poder, Lafferty não sentiria tanto.

Ravena aproxima-se de mim e diz:

- É nossa chance, Edgard.

- Sim.

Estico meus braços para a frente, mãos levantadas e invoco minhas últimas energias para criar uma esfera dourada de energia parecida com a esfera negra de Lafferty.

Ele arranca de seu corpo a lança de Ravena e disparo a esfera. Lafferty tenta defender-se com as duas mãos, mas a esfera de energia explode cobrindo Lafferty de energia dourada e queimando seu corpo. Ele cai ajoelhado e balbucia:

- Não. Já estava tudo em minhas mãos. Como pode?

Eu também caio ajoelhado.

Ravena tira do bolso de sua jaqueta, shurikens circulares e os atira contra Lafferty. Os shurikens atravessam seu pescoço cortando sua cabeça que cai e, logo em seguida, seu corpo. Lafferty está morto.

- Ele não era o demônio que você me descreveu, Edgard. Era muito mais poderoso.

- Acho que o sangue que usaram para ressuscitá-lo era sangue de crianças. Malditos.

As crianças acordam de seu transe provocado por um feitiço dos sacerdotes e prorrogado por Lafferty. Elas estão assustadas e se perguntam o que estão fazendo naquele lugar. Duas começam a chorar.

- Parece que você está momentaneamente acabado, Edgard. Cabe a mim chamar os pais dessas crianças para virem buscá-las.

- Por favor, Ravena, se você estiver em condições.

- Claro, mas não se esqueça de me chamar quando tiver outra festinha assim.

- Com certeza, amiga. Pode ter certeza.

Robert Phoenix
Enviado por Robert Phoenix em 19/04/2010
Reeditado em 19/10/2019
Código do texto: T2207200
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