Caixinha de Música
Caixinha de Música
por Pedro Moreno (pedromoreno.com.br)
Toda a minha maldição veio na forma de uma simples caixinha de música. Eu sei que você ouve minhas palavras e mal consegue acreditar que um objeto tão simples tenha sido causador de tamanhas desgraças que ocorreram na minha vida. Espere! Não vá embora agora, fique e ouça o relato de um desesperado.
Tudo começou com a morte de minha tia-avó. Nenhum dos herdeiros se prontificou a ficar com a herança, um monte de quinquilharias de mau-gosto e sem um útil aproveitamento. Você sabe que eu não ando bem abonado ultimamente, então decidi retirar as coisas daquele imóvel alugado e vasculhar por algo interessante ou que tivesse um valor no mercado.
O senhorio da casa já havia empacotado as tralhas em quatro caixas de papelão, ainda dei uma olhada nos móveis, mas estes serviriam apenas de lenha para fogueira. O jeito era eu me contentar com que ganhei. Levei com dificuldade as caixas pelo caminho sinuoso, não criei falsas esperanças quanto ao que havia dentro delas, porém não custava tentar.
Chegando em casa abri todas as caixas e espalhei o conteúdo pelo chão. Nesse momento comecei a pensar no que levava uma pessoa a juntar tanta porcaria. Eram jornais velhos, cadernos sem páginas, pratos trincados... Definitivamente nada que pudesse ter algum valor.
Enquanto eu chafurdava, senti algo pesado enrolado em uma folha de jornal. Abri o embrulho e encontrei uma caixinha de música. Feita de madeira escura, ao abrir se levanta uma pequena bailarina feita de porcelana que começa a bailar sob a música cadenciada.
Fiquei um tempo sentado no chão apreciando o lindo objeto. Não que eu tenha tendências femininas ou qualquer coisa parecida. Apenas achei que podia guardar a caixa para mim. Nem dei atenção ao que mais podia conter as demais caixas da herança, guardei comigo minha pequena e fui ao quarto para admira-la tal qual criança com o brinquedo em dia de natal.
Eu passava os dedos pela rosa entalhada nas laterais da caixinha, os sulcos eram bem feitos e a simetria estava perfeita. Não havia uma só rebarba ou erro naquelas gravuras. Na frente havia entalhada algo que pareciam chamas que cobriam-na por inteiro formando um belo desenho. Na tampa havia uma clave de sol em alto relevo com cor mais clara que o restante da peça.
As horas passaram e eu só me dei conta disso quando senti fome. Levantei-me da cama e fui até a porta, dei uma última olhada para a caixinha e... resolvi a levar comigo para a cozinha. Pousei a pequena na mesa enquanto preparava a comida. Subitamente assustei-me com uma música. A caixa, que até então estava fechada, abriu-se sem prévio aviso ou interferência externa e começou a tocar. Fiquei hipnotizado pela bailarina dançando, de tal forma que nem dei conta que o fogo havia levantado até o teto. Quando percebi o calor tomando conta da cozinha, as cortinas já haviam pegado fogo.
A fumaça começou a tomar conta do lugar enquanto eu fazia de tudo para apagar a labareda. Quando enfim consegui conter o princípio de incêndio, o único som vinha da caixa musical quebrando o silêncio assustador que se instaurara. Fechei-a com raiva. Eu sei que você deve estar pensando que estou louco, mas deixe-me continuar que no final me dará razão para as minhas premissas.
Resolvi tomar um banho, porém por precaução deixei a caixa na pia. Liguei o chuveiro e comecei a me livrar do cheiro de fumaça. A água esquentou e eu abaixei a temperatura pelo termostato. Não adiantou. A água já ardia sobre a pele quando saí do box, uma nuvem branca de vapor tomou conta do banheiro enquanto eu tateava em busca da chave de força, quando eu a encontrei desliguei o chuveiro cortando sua energia, porém a água continuava saindo quente. Juro que não estou mentindo! Naquele momento olhei de soslaio para a caixa pousada em cima da pia, ela estava aberta com a mulher de porcelana bailando de forma sarcástica.
Fiquei cego de raiva, fechei a caixa bruscamente e saí do banheiro em direção à janela. Defenestrei aquela maldição amadeirada o mais longe que consegui e ainda ouvi o barulho do choque contra o asfalto. Fechei a janela com força e nem me dei conta da paranoia que tomava conta de mim corroendo minha sanidade.
Tranquei todas as portas e janelas. Subi até meu quarto e girei a chave rápido. Guardei-a na gaveta da cômoda e depois tranquei-a também por precaução. A segunda chave dormiria comigo. Deitei na cama e demorei para pegar no sono.
Tive pesadelos estranhos envolvendo a caixa de música. Acordei sobressaltado com o calor que fazia no meu quarto. Minha casa estava em chamas! Eu ouvia o crepitar do fogo tomando conta da minha casa. Pulei rápido para a cômoda, mas esta irrompeu em súbitas chamas. A maldita estava tentando me matar. Uma labareda teimava em passar pelas frestas da porta e enfim alcançou o tapete. Uma coluna de fumaça preta começou a tomar conta de meu quarto e eu no desespero pulei pela janela encontrando-me com o chão gramado em um baque surdo.
Não sei se sonhei ou foi realidade, mas quando eu estava estirado, antes da ambulância chegar, eu vi a caixa de música na frente do meu rosto, aberta com a música tocando e aquela bailarina com uma face demoníaca a bailar.