O Observador

O Observador

por Pedro Moreno (http://www.pedromoreno.com.br)

Mariana estalou os dedos animada com a conversa pelo computador. A aquisição de internet para o seu apartamento fora uma dádiva para suas longas noites em claro. Com apenas 16 anos de idade e sem muitas preocupações na vida, nada restava a não ser passar horas a fio navegando em sites de relacionamentos e bate-papos.

A garota tinha uma beleza acima dos padrões. Apesar de sua pouca idade, tinha todas as curvas necessárias para deixar muita mulher com inveja. Caso não admirassem seu corpo, poderiam se espelhar na ótima aluna que era. Sempre fora a primeira na sala em todas as matérias.

Por causa de sua afinidade com o estudo, seus pais quiseram uma escola de qualidade para sua filha prodígio, e acharam melhor enviá-la para o exterior. Mariana nasceu no Rio Grande do Sul, porém mora sozinha há dois anos nos EUA. Em um país estrangeiro, sem ter amigos, a internet se mostrou uma ótima companheira para suas noites de insônia e solidão.

É até engraçado pensar que a garota precisou sair do país para conversar mais com brasileiros. No seu país ela não cultivava o hábito de conversar pela internet. A cada mensagem uma risada, um carinho, uma emoção. Sentia um pedaço de Brasil na terra do Tio Sam.

O relógio marcou três da madrugada e Mariana continuava conversando enquanto a madrugada avançava a passos largos. Um homem com o apelido de “O Observador” parecia bem curioso quanto à sua vida. Ele se dizia ser do Rio de Janeiro, surfista e baladeiro. Ela dizia ser mineira, modelo e “pegadora”. Mariana acreditava tanto no que ele dizia quanto acreditava nas mentiras que ela mesmo contava. Na internet não havia lugar para a sinceridade.

Observador começou a entrar todos os dias no mesmo horário que ela, agora ela até já sabia seu nome real: Bruno. Os dois conversavam no bate-papo todos os dias, quando ela não acessava, Bruno perguntava se houvera algo de errado no dia anterior. Com o tempo, Mariana começou a sentir mal por ter inventado tanta mentira à seu respeito. A amizade entre os dois crescera.

Em uma das noites de conversa, Bruno quis saber se ela gostava da cor rosa, Mariana deu uma longa risada e disse que adorava, inclusive vestia um pijama desta cor neste exato momento. O outro lado respondeu um enigmático: “Eu sei”. A partir deste dia, Mariana começou a diminuir o tempo na Internet, não sabia exatamente o porque, mas achou melhor falar menos com seu amigo virtual. Chegou a entrar um dia sim e outro não. Bruno percebera a mudança e sempre perguntava se algo errado estava acontecendo. A relação entre os dois estava muito próxima e ela queria colocar um fim nisso.

Em um sábado chuvoso, ela se pôs a tirar o pó dos cômodos, quando passou pelo notebook reparou na poeira que já se acumulava. Começou a contar quanto tempo fazia desde a última vez que conversou com Bruno. 8 dias. Ele deveria estar angustiado. Passou a mão pelo teclado e pousou o dedo na tecla que ligaria o aparelho. Não. Mariana sentiu que não deveria fazer isso.

Movida pela insônia, a garota passou por todos os canais da TV e não achou nada que lhe prendesse a atenção, olhou para o notebook desligado e soltou um suspiro alto. Levantou-se do sofá e caminhou até a escrivania, passou os dedos delicados sobre o teclado e se sentiu observada. Olhou para a janela que dava para a rua e viu um homem parado na chuva. Com uma sobretudo marrom e chapéu, parecia uma figura retirada de algum filme sobre gangsteres. Ele parecia fitar o seu andar. Como não era possível ver o rosto do sujeito, Mariana não podia dizer onde exatamente ele estava olhando, por via das dúvidas fechou as cortinas trazendo escuridão para dentro do seu apartamento. Deitou-se na cama e acabou dormindo.

Acordou assustada com um barulho vindo do quarto, acendeu a luz com rapidez e viu que tinha empurrado o rádio da cômoda com a mão e este agora jazia no chão. Refeita do susto, levantou-se, vestida apenas com uma calcinha, e foi pegar um copo de água, só na cozinha percebeu que a cortina estava aberta, fechou-a e conferiu que aquele homem estranho não estava mais do lado de fora. Antes de sair viu a luz do notebook acesa como se tivesse em Estado de Espera. Movimentou o mouse e a tela acendeu. Seu navegador estava na sala de bate-papo que costumava entrar. Assim que seus olhou pousaram na tela, apareceu uma mensagem de Bruno: “Acordou?”.

Desesperada Mariana fechou o aparelho. Verificou todas as trancas das portas e janelas. Fechou todas as cortinas e por fim se escondeu em seu quarto. Ouviu um batida na porta. Seu coração apertou e seus olhos esquadrinharam o aposento em busca do telefone, só então se lembrou de tê-lo deixado na sala. A respiração só voltou ao normal depois de meia hora sem qualquer outro barulho. A garota abriu o quarto devagar, tudo estava escuro graças às cortinas fechadas, mas mesmo assim não havia ninguém no apartamento. Ela alcançou o telefone e sentou-se no chão enquanto ligava o aparelho. Mudo. Olhou para a porta de saída e ficou com medo de ele estar lá, no corredor, ainda a esperando. Lembrou-se do celular e girou os calcanhares em direção ao quarto, porém paralisou no batente. A cortina fazia movimentos de vento indicando que alguém abrira a janela. Sem pensar duas vezes, Mariana trancou a porta do quarto com a chave que se encontrava na mesma.

Ele está no apartamento.

O terror aumentava na medida que ela se via cercada. O maldito devia estar a observando faz tempo. Observador. Como poderia ter sido tão tola? Ele deve ser algum vizinho xereta e agora as coisas estavam passando do limite. Mariana aproximou-se da cortina que dava para o lado de fora e abriu uma fresta. Ele estava lá. Parado de pé no parapeito do lado de fora. Com o susto a garota caiu para trás para então lembrar que estava praticamente nua. Ela correu para trás do balcão da cozinha e ficou sentada no chão frio com medo. Mesmo do outro lado, ela sentia os olhos de Bruno sobre ela. A garota usou uma colher de retrovisor e pode enxergar o desgraçado parado à janela, sorrindo.

Um barulho de estilhaço cortou a noite. Diversos cacos de vidro pararam no chão do apertamento.

Logo as passadas pesadas de Bruno invadiram o quarto. Para Mariana a morte era certa, a questão é se ele a faria sofrer ou não. Desatou a chorar. O cômodo continuou em silêncio apenas cortado pelo soluço da garota, ela olhou para cima e o viu, apenas a observando e sorrindo. Sem conseguir pensar direito, Mariana pegou uma faca que estava na pia e cortou o ar em sua frente atingindo o invasor.

Um jato de sangue cobriu o corpo nu dela, salpicando de rubro sua beleza feminina. Enquanto Bruno segurava seu pescoço como se pudesse impedir o sangue de sair, ela pode notar como ele era estranho. Seu rosto era feio, apesar de alto ele era encurvado e seus braços quase tocavam seus joelhos. O cabelo oleoso e embaraçado em nada contribuía para ajudar na sua aparência. Seu dentes escancarados tinham uma cor amarela e rançosa e... Ele continuavam sorrindo enquanto olhava para a nudez da garota.

Mariana sentiu repulsa da figura que morria lentamente. Então se deu conta do que fizera. Não poderia matá-lo. O quê faria com o corpo? Tentando simular um suicídio, ela abriu a janela que dava para um beco e o arrastou para o parapeito. O imundo engasgava em seu próprio sangue viscoso. A garota o empurrou e Bruno encontrou a morte naquele beco sujo.

A garota se sentia nojenta por ter tocado naquele verme. Rumou para um banho sem sentir remorso da morte. Enquanto a água quente limpava seu corpo, não consertava sua sanidade. A porta do banheiro soltou um rangido e abriu devagar. Mariana puxou a cortina que atrapalhava a sua visão e pode ver Bruno, com a cabeça aberta deixando seu crânio exposto, sorrindo, com uma faca na mão.

Com um tapa desengonçado, a menina desarmou o maníaco e tratou de fugir, chegou na sala de seu apartamento e descobriu que não tinha para onde correr. Bruno saía zonzo do banheiro, o sangue já lhe cobria o rosto e empapava sua camisa. Ele se segurou no batente da porta e escancarou os dentes em uma tentativa frustrada de sorriso. Mariana sentiu um asco tomar conta dela. Sem conseguir pensar direito, imaginou que sua fuga se daria pelo parapeito da janela. Alcançou o lado de fora e nem bem conseguiu dar três passos, escorregou e acabou esparramada no meio-fio.

Do lado de dentro Bruno chegou até a janela e viu sua pequena vouyer estatelada na calçada, manchando de vermelho o concreto. Puxou uma cadeira e ficou a observando até a chegada da polícia.