Calor!
Calor!
por Pedro Moreno criptadesangue.blogspot.com
O noticiário anunciara o dia mais quente do ano. Pelas ruas as pessoas andavam cansadas e o sol no asfalto cozinhava quem ficasse por muito tempo parado.
Mauro fechou a porta da casa e observou o cenário. Os cachorros de rua estirados no chão debaixo dos carros ou árvores. As crianças sem camisa brincavam com água na rua e as senhoras se protegendo como podiam.
O mormaço já era grande às nove horas da manhã. E Mauro imaginava como seria ao meio do dia com o astro no meio do céu.
Eram férias escolares e as crianças na rua mal deixavam-no passar com o carro. Logo que saiu do bairro chegou na avenida e então contemplou o caos. Nunca vira um congestionamento tão grande. O mar de carros prosseguia até não poder se ver mais.
Milhares de pessoas para fora dos veículos, ligando para seus patrões a fim de justificar o atraso. Homens sem camisa e mulheres com a manga arregaçada. Lugar ou outro podia se ouvir um choro de um bebê que se misturava às buzinas dos mal humorados.
Os que podiam estavam com o ar condicionado ligado. Não era o caso do Mauro, o carro era muito velho para fazer um investimento deste porte. As mãos no volante já estavam bronzeando quando ele tirou e as pousou nas pernas.
A lataria do carro estava esquentando e Mauro começou a suar. De tão abafado ele saiu do veículo, ao encostar a mão na maçaneta de metal ele queimou os dedos. Soltou um palavrão que era um desabafo enquanto saía do carro.
Quando saiu pode ver os outros motoristas. Alguns estavam fora do carro com olhar perdido no meio da estrada, enquanto outros buzinavam ferozmente na expectativa que isso fizesse o trânsito fluir melhor. Aos poucos a desordem começa a reinar deixando de lado os bons modos.
Um senhor gordo vestindo uma camisa social e com a gravata desafrouxada abriu a porta de tal maneira que a dobradiça quase soltou. Foi até um senhor grisalho a sua frente, que olhava desesperadamente para o relógio e o empurrou.
— Por quê você não anda? Hein? Por quê?
O homem gordo pulou sobre o caído. Começou a soca-lo como se a sua vida dependesse disso. Quando a situação não parecia poder ficar pior ele o mordeu o braço.
Os outros motoristas ao verem a situação começaram a puxar o canibal de cima do senhor. Porém fora tarde demais. Nacos de carnes estavam espalhados pelo chão e um deles ainda residiam na boca do maluco. Ele acabara de matar o idoso com uma dentada no pescoço.
Um dos motoristas conseguira agarrar o agressor e o derrubara no chão com a cara virada para o asfalto. As pessoas começavam a ligar para a emergência, mas sabiam que não conseguiriam chegar a tempo. Alguém colocou um tapete automotivo sobre o rosto do morto tentando lhe dar alguma dignidade.
Mauro assistiu tudo com medo e não percebeu uma senhora saindo de seu Fusca com o extintor na mão. Ela lhe acertou na nuca e ele foi para o chão imediatamente. A adrenalina correu pelo seu corpo e o forçou a se virar de frente para a mulher.
Ela pulou em cima dele e começou a ataca-lo com dentadas mordendo sua mão. A dor foi aguda, porém não era hora de lamentações. Mauro fechou o punho e acerto-a um soco em cheio no queixo. Caída, a mulher tentou se levantar mas foi interrompida por um chute e voltou para o chão, desta vez desmaiada.
Mauro mal pode se recuperar e um outro motorista pulou em suas costas mordendo sua nuca. Ele jogou o outro para frente e este caiu em cima do capô de um carro.
Não poderia lutar com todos então começou a correr. Mauro não sabia o que acontecia e nem queria saber qual era o problema com aquelas pessoas. Conforme fugiu em disparada sob o sol forte ele testemunhou várias pessoas que aparentemente tinham ficado loucas. Havia sangue derramado nas ruas e pedaços de carne “enfeitando” o asfalto.
Conforme avançava a cena piorava. Já era meio dia e pessoas estavam sendo comidas por um bando de canibais. O congestionamento não ajudava muito a fuga e logo ele foi interpelado por um deles.
A última visão de Mauro foi o sol. Forte e brilhante. Emprestando calor para aqueles que necessitam. Guarnecendo a vida na Terra.
Gostou? Veja em meu perfil meus outros textos no Recanto das Letras.