A Faxina

A Faxina

por Pedro Moreno da bibliotecadosvampiros.com

“De todos os empregos do mundo, eu tinha que arranjar justo esse?” Perguntava-se Antônio enquanto esfregava o chão do manicômio. Apesar de não ter que lidar com os pacientes, afinal o hospital já fechara há muito tempo, muito lhe incomodava o horário da faxina, sempre realizada à noite. Segundo ele o adicional noturno não compensava a ansiedade que sentia.

Munido de balde e esfregão, o faxineiro era responsável por todos os corredores do hospício. Para o dono era uma economia, pois não precisava contratar um segurança noturno para vigiar. Para Antônio era algo assustador.

A cada barulho que ouvia o faxineiro se assustava. Também pudera. O hospício fora fechado por negligência e maus tratos aos pacientes que se revoltaram e mataram o diretor do local, segundo os jornais da época, com requintes de crueldade.

A faxina era feita uma vez por mês e de tempos em tempos Antônio se deparava com algum sem teto que acabava o assustando sem querer. Quando não eram garotos que jogavam pedras pelas janelas.

Definitivamente não era o melhor trabalho do mundo. Sua família não o via com bons olhos. E quantas pessoas você conhece que gostariam de namorar um faxineiro de um manicômio dito mal-assombrado? Quando as mulheres sabiam do emprego não voltavam a ligar e nem atendiam mais o telefone.

Quando chegou no começo da tarde o faxineiro conferiu todas as portas afim de conferir se não havia nenhum invasor. Depois de ter fechado a porta principal deixou a chave na fechadura o se pôs a varrer o chão. Agora chegava a pior hora, era o momento de passar o pano.

O desinfetante deixava um aroma forte de lavanda e aos poucos o chão ficava bonito e brilhante de novo. Antônio acreditava que se deixasse o lugar impecável logo seria alugado e o tormento acabaria para ele.

Quando terminou a antiga ala dos pacientes perigosos ele deu uma olhada pela janela e conferiu a rua bem iluminada. Ainda havia jovens pelas praças bebendo, logo mais apareceria a polícia e eles voltariam para casa. Quando ele se voltou para o corredor reparou que havia impressões de pegadas no chão.

Logo imaginou que teria sido descuidado, porém as impressões eram de pés descalços e menores que os dele. O faxineiro segurou a vassoura como se fosse uma arma e se aproximou de onde os passos entraram. Nada.

Na pequena sala que já serviu de confinamento para os doentes não havia nem janela. Apenas um banco guarnecia o cômodo e as pegadas paravam no meio da sala. Achando que poderia ser apenas descuido dele, Antônio esfregou o chão e tirou as pegadas.

Quando terminou ele se dirigiu às escadas, quando no meio do caminho para o próximo andar as luzes piscaram e por fim apagaram de vez.

“Droga isso só acontece comigo” pensou o faxineiro enquanto se encaminhava para a caixa de luz. Desceu todas as escadas, não estava tão escuro, pois havia iluminação da rua. As chaves do porão estavam juntas no molho que deixara na porta, porém quando chegou não havia nada.

Antônio ficou um tempo parado olhando para a porta e tentando imaginar onde deixara as chaves. Coçou a cabeça e ouviu o típico barulho de porta sendo destravada. Olhou em direção ao ruído, que vinha da porta até então trancada do porão.

Ele respirou fundo e com uma lanterna abriu com calma a porta. Iluminou toda a escada até o chão do cômodo e não havia nada. Desceu com cautela, e constatou que um dos fusíveis havia queimado. Desligou a força e trocou o defeituoso por um bom. O silêncio mortal foi interrompido pelo bater da porta do porão seguido pelo barulho de fechadura sendo usada.

O coração de Antônio acelerou quando ouviu passos em sua direção. A lanterna rolou iluminando uma parede e de relance uma pessoa vestida com uma camisa de força.

Depois de uma semana o empregador do faxineiro deu sua falta. Encontraram-no no porão do antigo hospício, seus dedos estavam em carne viva como se tivesse tentado escavar pela porta com as mãos nuas. No corpo havia várias marcas de dentes, incluindo em seu pescoço. O legista deu a causa da morte por perda de sangue, mas o novo faxineiro nunca soube o que acontecera com o anterior.