A Fotografia Maldita
A Fotografia Maldita
por Pedro Moreno da bibliotecadosvampiros.com
Dentro do antiquário, envolto a objetos antigos e empoeirados se encontra Dorival. Seguiu os passos de seu pai e se tornou comerciante de antiguidades e mercador de histórias estranhas. A pequena loja existe há mais de 100 anos sem ter mudado muito sua estrutura, apenas alguns quadros dos mais novos familiares são colocados na parede.
Já escuro e perto de fechar se encontra em frente a um desses quadros um homem na casa dos 30 anos, com cabelos compridos e negros unidos em uma trança. Sua pele é azeitonada e seus traços são retos e másculos valorizados por seu terno de corte clássico.
- Pois não? – diz o dono do Antiquário.
- Quanto está o quadro? – Indaga o homem com uma voz grave sem nem olhar para o proprietário do estabelecimento.
- Não está à venda senhor...
- César Hiddoni – interrompe o homem, desta vez olhando para Dorival. Os olhos eram de cinzas e profundos e quando fitaram o comerciante este estremeceu e ficou como se tivesse sob hipnose. Percebendo tal fato Hiddoni desviou o olhar e colocou a mão dentro do paletó puxando uma carteira. De dentro dela entregou um cheque em branco, assinou e entregou ao comerciante.
- Decida o seu preço;
Dorival olhou para o quadro e conferiu a foto. Era a primeira fotografia tirada de sua família assim que chegou de Portugal. Estava seus avós paternos e no colo deles o seu pai. A cena era de um jantar e vários daqueles rostos ele não sabia quem eram, mas pareciam felizes em frente a uma casa com a mesa posta no jardim. Ao ver a foto o comerciante sentiu saudosismo e o peso de uma tradição.
- Desculpe – Disse Dorival entregando o cheque – Não está a venda.
E então voltou para trás do balcão e continuou a ler seu jornal. César ainda olhou por um tempo a fotografia e saiu. O comerciante olhou para o relógio em seu pulso e concluiu estava na hora de fechar. Tudo perfeitamente trancado e conferido, foi para a sua casa torcendo por uma sopa quente nesta noite fria.
No outro dia pela manhã, Dorival, chegou na loja e descobriu que a porta estava destrancada, ficou aflito e percorreu os corredores para ver o que havia sido roubado e constatou que nada havia sido furtado de seu comércio. Inclusive o dinheiro que havia ficado no caixa estava intacto. Então pensou no quadro. Quando chegou ele estava no mesmo lugar. Sem entender sentou em sua cadeira e pôs-se a ler o jornal.
Enquanto estava absorvido na leitura passou-lhe uma coisa pela sua cabeça. A foto estava diferente. O comerciante levantou e caminhou até a foto. Ao olhar para o retrato reparou que faltava uma pessoa na foto. Não acreditava no que via. Então algo chamou-lhe a atenção, no canto da casa há um latão e em sua boca um par de pernas indicando uma pessoa de ponta cabeça. Na base do latão há um furo de onde escorre um líquido espesso.
Dorival sentiu um medo crescente e seu coração palpitou a ponto de fazer latejar seus dedos. O terror tomou conta do seu ser. Ele pegou a fotografia e a trancou em uma das gavetas de sua mesa pensando que só podia ser alucinação devido ao nervosismo que passou na noite anterior.
Antes de ir embora verificou três vezes se a porta estava bem trancada e arrastou móveis em frente de todas as janelas. Ao dormir teve pesadelos terríveis, mas nem consegue se lembra quando acorda. Antes de sair se olha no espelho e verifica que suas olheiras estão enormes por causa da noite mal dormida.
Mais uma vez sai para trabalhar e quando chega mais uma vez a porta está destrancada. Os pelos de seu braço se arrepiam e ele sente um suor gelado sair de sua nuca e escorrer pelas costas. Com a circulação sanguínea disparada ele encontra a gaveta de sua mesa escancarada e dentro dela a maldita foto.
Ao olhar para foto ele percebe que está faltando mais duas pessoas. Com a ansiedade lhe corroendo o estômago, Dorival percorre a foto com os olhos e encontra bem ao fundo da paisagem, em uma árvore um corpo suspenso pelo pescoço em uma corda. O outro desaparecido está dentro da casa e mal consegue-se enxerga-lo pela janela. Ele está pegando fogo em frente ao fogão.
O café da manhã ameaça a voltar e o comerciante deixa cair a foto quando corre para o banheiro. Ajoelhado em frente à louça ele pensa no que fazer. Enterra-la parece a melhor opção.
Munido de uma pá, Dorival avança até o quintal e em poucos minutos soterra o retrato temendo pelo pior. O suor escorre de sua testa e ondas de calor tomam conta de seu corpo forçando-o a sentar no chão até se sentir melhor.
Ainda mal o comerciante se viu na obrigação de levantar. Fechou a loja mais cedo e foi até sua casa arrastando o pé. Seus vizinhos que o viram perguntaram se tudo estava bem e não conseguiram uma resposta boa o suficiente. Chegou em casa e foi dormir.
Acordou no meio da noite suando e tremendo. O sono não queria voltar. Ficou horas rolando de um lado para o outro da cama e não conseguia pregar os olhos. Assim permaneceu até quando o sol deu a graça de seus primeiros raios, ele levantou, vestiu-se e foi trabalhar.
Chegou e conferiu que o buraco estava intacto. Do jeito que ficara na noite anterior. Suspirou aliviado, mas não por muito tempo. Ao tentar abrir a porta viu que estava aberta e para a sua surpresa o retrato se encontrava pendurado na parede. Ele tentou não olhar, mas a curiosidade era maior. Seus avós tinham sumido e só sobrara seu pai sentado na cadeira com cara de choro. No canto esquerdo da fotografia dava para ver uma cabeça sem o tronco parada em uma poça de sangue, quando aproximou o olhar percebeu ser sua avó.
No mesmo minuto Dorival desfaleceu e caiu no chão duro do antiquário, quando veio a acordar já estava escuro e a foto se encontrava em seu colo. Ao olhar encontrou o avô debaixo da mesa com o ventre aberto e suas víceras expostas. Aquilo era demais.
Pegou a fotografia e saiu deixando a loja aberta à procura de alguma ajuda, se é que alguém pudesse ajuda-lo. Chorando feito criança, o comerciante não pode ver uma pedra no meio do caminho e caiu batendo a cabeça contra a cerca de uma casa fazendo o retrato voar longe. Se ergueu com dificuldade e pegou a foto com as duas mãos.
Mal pode acreditar no que via.
A fotografia parecia viva. A pessoa dentro casa pegava fogo e o enforcado balançava contra o vento enquanto o seu pai parecia berrar de medo. Então ele veio. Um homem de cabelos compridos e terno de linhas retas apareceu de dentro da casa com uma faca. Avançou até o bebê e o segurou pelo pescoço. Era César Hiddoni.
Com um sorriso malévolo encostou a faca no pescoço da criança. Dorival não mais podia suportar e viu uma luz forte descendo a avenida na qual estava.
O caminhoneiro nem teve tempo de reagir.
Meses depois o filho de Dorival reabriu o antiquário. Estava estudando, mas abandonou a faculdade para continuar o negócio do pai. Quando certo dia já era praticamente hora de fechar entrou um senhor na loja, de cabelos negros amarrados em uma trança. De terno bem cortado e olhos cinzentos e pôs-se a olhar as fotografias na parede.
- Pois não? – diz o filho.
- Quanto está o quadro? – Indaga o homem com uma voz grave sem nem olhar no rosto do rapaz.
Ele olha o quadro e é o mesmo que fora encontrado na mão de seu pai, a única parte não atingida do corpo. Retratava seus bisavôs mais alguns rostos que ele não conseguia identificar, além do seu avô, ainda bebê, sentado no colo de sua bisavó.
- É de família...- Ele fala e pensa por um minuto - Faço por trinta.
O senhor assina um cheque e entrega ao rapaz que agradece. Ele se sente mal por ter vendido tal quadro e pelo olhar do sujeito. Mas acreditou que fez um bom negócio.