Ecos

Amanda se reencosta no sofá, esta cansada, sua profissão de professora lhe cobra o suficiente para que tanto seu corpo quanto sua mente estejam exaustos ao fim do dia.

Ela realmente ama aquilo que faz, e não pode reclamar de seus atuais alunos, todos educados e disciplinados, tão diferentes daqueles do ano passado, chegou a ser vitima de perseguição e vandalismo, ainda pode se perceber um quase ilegível arranhado na porta do carro com a palavra “Vaca”.

Ela se estica toda, e pega o controle do aparelho de som na mesa de centro da sala, aperta alguns poucos botões e começa a emanar no ambiente o som das musicas que ela chama de “Musicas para relaxar”. O disco com uma coletânea de musicas antigas Européia, musicas da década de trinta e quarenta, de países como Itália, Alemanha e França.

Esforça-se mais um pouco e pega o jornal da tarde, começa a fulgi-lo, passa pela pagina política, botânica e quando chega aos classificados ela se depara com o anuncio de venda de um imóvel, ela olha profundamente a foto do dito imóvel e sua mente é arremetida para uma época um tanto distante em sua cabeça, sua respiração fica um pouco acelerada por esta sendo forçada a se lembrar de fatos que preferia não lembrar, mas que não consegue esquecer.

Com quinze anos Amanda era inocente e feliz, sua família sempre gozou de um status econômico invejável e ela era cercada por regalias privilegiadas por ser uma filha única de um casal relativamente jovem e bastante rico.

Ela se lembra da fatídica noite do dia 15/09/1997.

Percebendo que o próximo dia será cheio a pequena adolescente se recolhe bem cedo, eram por volta de oito da noite de domingo e ela já estava m seu quarto, não era de seu feitio dormir cedo, mas a segunda estava lhe deixando muito ansiosa, haverá uma espécie de baile de comemoração para o aniversario da escola, onde tem a chance de ter seu primeiro encontro com Rinaldo, o rapaz de quem ela é afim desde seus doze anos.

São duas da manhã e a noite esta anormalmente fria, levanta, pois sua garganta esta seca. Não gostava de ter que descer as escadas para pegar água na cozinha, mas acaba de descobrir que (certamente) seu Pai havia tomado toda água da Jarra que eles sempre deixam na sala de estar, certa vez seu pai prometeu comprar um bebedouro para colocar no andar superior, um desses bebedouros elétrico que refrigera a água para as noites mais quentes, mas obviamente ele não comprou, é sempre muito enrolado, Amanda brinca sempre que ele deveria ser político e não empresário. Mas isso não muda o fato de ela ter que descer ate o térreo para beber água.

As escadas parecem bem maiores e as luzes que se ascendem parecem bem mais fracas, segundo a teoria da relatividade ela finalmente chega ate o térreo da casa. A escuridão só não domina todo o local, pois a luz fraca que vem da rua entra pela grande janela, mas antes estivesse tudo escuro, a luz lúgubre projetando sombras impossíveis na parede assustando Amanda a cada dois passos, ate ela chegar ao interruptor, acionando-o e enchendo a sala de jantar de uma forte luz que faz os olhos arder. Ela sorri por ser tão medrosa um pouco mais tranqüila enfim ela pode saciar sua sede.

De repente ela é atingida por uma lufada de ar gelado, instintivamente ela se vira para a janela onde percebe que esta está completamente fechada, se aproxima um pouco quando ela pode ouvir uma cantiga de roda, confere o relógio e descobre que é 02h53min da manhã, quem estaria brincando de Ciranda a esta hora? Olha pela janela, e percebe uma densa neblina vermelha e mais a frente quatro vultos pequenos rodopiam em uma dança louca. A impossibilidade da cena deixa Amanda perplexa, ela sente um misto de medo visceral e curiosidade quase mórbida, e sem nem se dar conta ela já estava do lado de fora da casa.

Sente um cheiro de sangue muito forte, e quando o ar úmido da noite molha seus lábios ela pode perceber que esta nevoa vermelha não é composta de água e sim de sangue, o sabor do liquido vital deixa uma sensação de ferrugem na boca, e de tão forte chega a enjoar, mas mesmo assim ela caminha em direção ao vulto das sete crianças agora facilmente distinguidas.

O pijama branco de Amanda gora esta rosado, manchado com o sangue que impreguina o ar, fazendo-o denso quase palpável, a visão é turva quase impossível, mas não impede da figura das crianças se tornem nítidas, mesmo que sendo impossível de se distinguirem.

Ela é levada ate o outro lado da rua, uma praça, onde ela costuma brincar, correr, andar de bicicleta... Ser feliz... Mas agora não consegue entender, é como se ela não conhecesse o lugar, as arvores banhadas de sangue. Era o cenário mais bizarro e aterrorizante que ela jamais pode conhecer igual... E a diante a ciranda fica mais intensa.

De frente a estatua do fundador da cidade (que agora esta com a cabeça cortada) quatro pequenas crianças brincam sem se importarem com a presença de Amanda, elas correm em roda, de mãos dadas, cantando uma musica que Amanda não se lembra. Elas estão banhadas com este sangue do ar, seus longos cabelos de meninas gotejam sangue, seus rostos estão disformes pelo sangue espalhado no rosto... E a musica acaba no exato momento que as quatro olham para Amanda simultaneamente...

Ela acorda em seu sofá com o jornal aberto nos classificados, sua muito, e esta ofegante, seu corpo dói e seu lábio tem sabor de sangue e ferrugem, como naquela noite.

Já no banheiro tomando banho, como se sentisse o sangue pousando na pele e secando, deixando suas articulações viscosas, ela se lembra que quando a prefeitura da Cidade resolveu destruir a praça, para fazer um mercado, foram encontrados exatamente quatro corpos de meninas de exatamente sete anos, enterrados abaixo da estatua do fundador da cidade... Elas haviam sido mortas por um antigo morador, isso muito antes dela mesma ter nascido... Ela jamais contou o fato para ninguém.

Paulo Mendonça
Enviado por Paulo Mendonça em 03/09/2009
Reeditado em 03/09/2009
Código do texto: T1790683
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