O FANTASMA DO SOBRADINHO

Lá pelos idos dos anos setenta, eu abandonei minha cidade no interior do Brasil e vim tentar a sorte no Rio de Janeiro.

Deixei esposa e meus sete filhos, não tinha certeza o que encontraria aqui, e não queria trazer minha família para um cenário de incertezas, uma coisa seria eu ter que dormir na rua, e outra seria eu submeter minha família a essa situação.

Assim que desembarquei na rodoviária da cidade maravilhosa, me dei conta que não sabia por onde eu começaria, para onde eu iria? E como iria?

Já que tinha pouco dinheiro no bolso. Naqueles primeiros dias andei pela zona sul da cidade sem rumo, caminhei pelo calçadão de Copacabana, conheci Ipanema, Leblon,lugar onde eu conheci um hippe chamado de João Miguel, mas que só gostava de ser chamado de JOHNNY.

JOHNNY era fã de uma tal de Janis Joplin,exibia para mim orgulhoso um autografo que receberá dela,quando se hospedou no Copacabana palace.

-Ela pulou nua na piscina! Dizia ele.

O que me fez nunca esquecer de JOHNNY, não foi o fato dele ser fã de Janis Joplin,o que me faz carregar a lembrança dele por todo esse tempo,foi por que ele foi responsável por me dar o endereço da onde eu poderia arrumar um emprego.

- Sobradinho, numero 40, na lapa! Disse ele estendendo um papel para mim.

- É certo? Perguntei.

- Sim, eles precisam de um caseiro, mas ninguém parece estar disposto a aceitar.

-E por quê?

-Lá existe uma concentração de forças negativa muito grande, saca?

Não sabia se ele estava viajando ou não, parecia estar muito louco, só Deus sabe o que ele tinha ingerido, de qualquer forma, aceitei o bilhete, me despedi dele, e fui averiguar a informação.

A Lapa estava animada, algumas pessoas aproveitavam o calor que fazia e participavam de uma roda de samba, regada a cerveja, o relógio marcava um pouco mais de meio dia será que aquelas pessoas não faziam nada da vida?

Postei-me em frente ao Sobradinho de numero 40 e o fiquei observando. Era uma bonita construção, toda pintada de branco, a porta e a janela possuía uma cor verde escura. Fechei os olhos por um momento e fiz uma oração em silêncio, pedindo a Deus que me arrumasse esse emprego.

Bati na porta três vezes, mas não fui atendido, um homem que me observava de dentro de uma mercearia ao lado gritou: - O responsável está no açougue mais a frente, é um português chamado Manuel.

Agradeci também em voz alta e fui em direção ao açougue.

O estabelecimento era todo decorado com bandeiras e fotos de jogadores vascaínos, perto do caixa, ao lado de uma estátua de são Jorge matando o dragão havia um quadro do seu Manuel abraçado com Roberto Dinamite.

Seu Manuel naquele momento nem reparou na minha entrada no açougue, estava envolvido em uma discussão acalorada, sobre quem era melhor jogador Zico ou Roberto Dinamite.

-Seu Manuel? Perguntei já sabendo que era ele, afinal o seu sotaque lusitano não me deixava enganar.

-Ora, pois, sim. Respondeu ele.

-Estou interessado em ser o caseiro do sobradinho existente nessa rua.

Manuel e o outro rapaz que achava Zico melhor que Roberto Dinamite trocaram alguns olhares, mas nada falaram.

-A vaga já foi preenchida? Perguntei quase perdendo as esperanças.

-Não, de fato nem esperava que fosse se quiser o emprego é seu.

Depois de acertarmos salários seu Manuel me deu a chave do sobradinho e disse que mais tarde quando fechasse o açougue passaria lá para ver como eu estava me saindo.

Antes de eu sair seu Manuel voltou a discutir com seu amigo sobre futebol: - Mas perdemos a copa de 74 porque a base não era o time do Vasco....

Deixando os dois discutindo sobre um esporte que eu mal conhecia na época, agora admito que sou um apaixonado como quase todo brasileiro,me dirigir ao sobradinho,abrir a porta e entrei.

Havia um forte cheiro de mofo no local, me parecia que o sobrado estava fechado há muito tempo.

O chão estava imundo, havia uma grande quantidade de teias de aranhas, nas paredes e no teto.

Na sala existia um jogo de sofá, coberto por um grande plástico transparente, um criado mudo, e uma estante que no meu modo de ver as coisas estava infestada por cupins. O piso de madeira aos meus pés rangia com cada passo que eu dava bem ao centro existia um quadrado que não era coberto por madeira, era cimentado, havia uma placa com o seguinte nome:

Joaquin Ribeiro

*1900 +1960

Será que havia alguém enterrado ali, quem seria louco de enterrar alguém em uma casa?

Isso não devia passar de uma brincadeira, pelo menos foi o que eu pensava na época.

Passei o resto do dia descobrindo aquele lugar, quando anoiteceu seu Manuel apareceu no sobrado para conversar comigo.

- Como ficou, a saber, do Emprego gajo?

-Foi um carinha que conheci no Leblon, chamado JOHNNY.

Seu Manuel serrou os olhos, levou a mão ao queixo e assumiu uma postura de quem estava pensando.

Instantaneamente veio a minha cabeça a seguinte afirmação: - Só assumiu a postura mesmo, porque português não pensa.

Esse pensamento me fez abafar um sorriso que teimava em não querer ir embora.

-Ele chegou a trabalhar aqui, mas só ficou um dia.

-Assumi uma postura mais seria e falei: Eu pretendo ficar muito mais pode ter certeza.

-Todos dizem isso. Respondeu ele.

-Porque aquela lápide no meio da sala? Perguntei.

- O antigo dono do imóvel era um sujeito muito avarento, homem de muitas posses e terras, mas viveu na miséria em seus últimos dias, lhe restando apenas esse imóvel e uma bicicleta, a qual ele fez questão de ser enterrado com ela nessa sala.

-E quem enterraria um homem na sala de casa?

-Ai já não sei, essa é a história que eu escuto há anos.

- Se fosse verdadeira essa história alguém já teria vindo aqui procurar o corpo.

- E quem se importaria com um velho sobrado? Histórias de um velho avarento que fez questão de ser enterrado com sua bicicleta na única residência que lhe restou?

Nada respondi. Percebendo meu silêncio seu Manuel se despediu e me convidou para passar na parte da manhã em seu açougue, eu seria presenteado com uma peça de alcatra.

Quando ele ia saindo eu perguntei: - Seu Manoel, porque esse sobrado precisa de um caseiro?

-Atualmente está tendo muita invasão em casas abandonadas, muitas vezes é a própria policia que faz uso disso, apenas para poder revender mais a frente, por isso que prefiro pagar alguém para olhar para mim.

-entendo! Respondi e fiquei observando ele se afastar.

Assim que fiquei só fui para o quarto e tratei de descansar o corpo, me deitei e fiquei pensando nos meus filhos e em minha esposa.

Acabei adormecendo.

Acordei ao ouvir um barulho em meu quarto. Assustado empertiguei meu corpo para frente e me deparei com alguém andando de bicicleta em círculos em meu quarto,ele ia dando voltas e mais voltas.

Embora me parecesse ter um rosto familiar eu não conseguia distinguir seu rosto, uma espécie de neblina em sua face, deixava o rosto desfocado me impedindo de ter um reconhecimento.

As suas duas mãos estavam fechadas e apenas apoiadas no guidão da bicicleta.

De uma hora para outra ele encostou sua bicicleta na parede e chutou uma cadeira que deslizou parando em minha frente. Em seguida o homem de terno cinza sentou-se de frente para mim.

Mesmo próximo eu não podia enxergar seu rosto,continuava fosco,mas podia ver as rugas e marcas em suas mãos,com certeza era uma pessoa idosa,e eu tinha certeza que era o homem enterrado na sala.

Suas mãos pareciam estar coladas eram totalmente fechadas, ele fazia força para abri-lás, mas de nada adiantava,os dedos não moviam nenhum centímetro.

-Onde eu estou é um lugar onde têm muito ouro, mas minhas mãos não abrem para eu pegar nenhuma moeda ou barra, mesmo sabendo a dor que vai me causar eu fico de cócoras e como tudo, o que cabe e o que não cabe! Disse o velho.

Engoli em seco e fui para o canto da cama, estava totalmente sem ação.

Em seguida o velho levantou da cadeira e caminhou até sua bicicleta, montou nela e atravessou a porta que estava fechada.

Trêmulo, me cobri da cabeça aos pés e me virei de cara para a parede, fiz todas as orações que eu conhecia e inventei algumas por precaução.

No dia seguinte acordei de cara para parede e todo coberto. Tirei o cobertor do meu corpo e respirei fundo, que sonho louco eu tive, realmente a história que seu Manuel me contou me impressionou. Sentei-me na cama e me espreguicei, quando enfim resolvi me levantar meu coração foi à boca; a cadeira que antes estava encostada na parede agora estava bem no meio do quarto de frente para mim.

Muitos de vocês vão achar que é mentira minha, mas não tenho motivos para isso, depois desse fato não pedi demissão, era mais fácil enfrentar um fantasma do que o desemprego numa cidade desconhecida,e além do mais se a policia me pegasse na rua sem uma carteira de trabalho já sabia o que aconteceria,era uma época difícil.

Trabalhei no Sobradinho de numero 40 por cinco anos, depois do meu primeiro dia, só vi o fantasma do sobradinho umas duas vezes.

Em uma delas ele apenas dava voltas pela casa em sua bicicleta;E na outra andava pelos corredores procurando algo de valor.

Já no final dos anos noventa, mais de dez anos depois de eu ter me demitido reencontrei seu Manuel, ainda discutia sobre futebol, estava eufórico porque o Vasco acabará de conquistar a taça libertadores da America, nesse mesmo ano eu soube que ele veio a falecer em decorrência de um infarto provocado pelo gol de Raul na final do mundial interclubes entre Vasco X Real Madrid, que acabou dando o titulo ao clube espanhol.

JOHNNY nunca mais o vi, não sei o que ele passou lá no sobradinho, mas de qualquer forma eu me sinto grato por ele ter me arrumado o emprego.

E se você ainda não acredita em meus relatos, o sobradinho continua em pé no mesmo lugar,ainda hoje alguns boêmios juram que de vez em quando podem ver o vulto de um homem andando de bicicleta na sala.