Primeiro encontro

(Sugiro a leitura previa de http://www.recantodasletras.com.br/contosdeterror/1154611)

Não foi a primeira vez que marquei de conhecer alguém pela internet, muitas vezes eu olhava a garota de longe, é fácil reconhecer, basta ver aquela com o nervosismo de quem mandou uma foto maquiada (quase todas mandam), algumas eu via se aproximando e ficava naquele constrangimento, vontade de virar as costas e sumir. Foi a primeira vez que topei encontrar alguém que não tinha enviado foto.

Na verdade eu nem estava azarando quando a conheci, apenas ficamos sozinhos de madrugada e acabei conversando com ela, nem lembro qual era o nick, apenas trocamos alguns comentários e logo desconectamos. Acho que passou uma semana para encontrá-la online de novo, na verdade eu sequer lembrava-me dela, mas ela se lembrou de mim e puxou papo, normalmente eramos os últimos a sair dos chats, no começo era sempre ela que me chamava, mas depois de um tempo incerto percebi que eu a procurava, não era a motivação normal: possibilidade de sexo fácil, mas sim por que era sempre agradável falar, ou melhor, teclar com ela, nunca houve nenhuma insinuação a nada por parte dela, apenas conversava comigo.

Queria assumir que foi idéia minha nos encontrar-nos, mas não foi uma idéia, foi mais uma necessidade de conhecer a pessoa por detras do teclado, chequei a pedir foto, mas deu uma evasiva que não tinha nenhuma scaneada e nem webcam, desconcertei-me pensado que devia ser uma baranga total ou pior, dei uma desculpa e desconectei.

Passei uma semana sem entrar em chat, era um misto de decepção e receio por encontrá-la, mas comecei a sentir falta, era uma das poucas pessoas, ou sendo mais sincero comigo mesmo era “a pessoa” com quem eu mais conversara nos últimos anos, lembrei de contar coisas que amigos e namoradas nunca souberam e senti-me pequeno pelo meu sumiço.

Liguei o micro e conectei, entrei meio sem animo em um chat conhecido, nem tive tempo de ler quem estava presente na sala quando chegou à primeira mensagem dela pelo MSN, meu peito acelerou e apertou-se antes de abrir, na verdade senti-me como um garoto tentando se esconder após reinação. Suspire e abri a mensagem, não havia nenhum rancor, nem decepção no que eu lia, apenas alegria pura por me achar online, comecei a escrever uma desculpa qualquer quando chegou outra mensagem dela se desculpando por não ter me achado nos últimos dias.

Conversamos durante horas neste dia, agradeci ser feriado na segunda-feira, assim não precisaria trabalhar, só consegui me despedir dela quando o dia amanhecia e na verdade foi ela que precisou desconectar.

Voltei a conversar com ela, agora diretamente pelo MSN quase que diariamente, mesmo quando não a encontrava eu mandava um e-mail contando o meu dia, foi mais uma vez por necessidade minha que eu pedi para conhecê-la pessoalmente. Minha surpresa foi tamanha, ela disse que preferia manter no virtual. Não foi um murro no estomago, foi mais como um atropelamento. Fiquei aturdido olhando para tela sem conseguir digitar.

No dia seguinte liguei o micro a abri o e-mail, mas não conseguia escrever nada, meu espírito queria contar-lhe o meu dia, contudo ainda estava abalado não conseguia concatenar minhas idéias, simplesmente estava sem chão.

Levou dois dias ate eu receber uma mensagem dela, me perguntado se eu estava magoado, fui sincero e respondi o mais secamente possível em um e-mail digitando apenas um “SIM” choroso.

De imediato recebi uma resposta dela:

Júlio,

Não é que eu não queira te encontrar, mas é que tenho medo de

você tirar a mágica que temos. Eu nunca conversei online com

alguém tanto tempo quanto você. Sinto que se mudarmos do

virtual para o real a mágica vai se perder. Já faz um tempo que

eu sinto que você ta apaixonado, mas você sequer me conhece

pessoalmente, não sabe quem sou tem apenas uma descrição

básica de quem sou.

Li a mensagem umas dez vezes pensando no que responder, desistir de pensar e apenas deixei sair o que sentia

Lara,

Eu não tenho expectativas em relação a você, não tenho uma

imagem idealizada, não sei o que dizer, tento ensaiar o texto, mas

tudo sai sintético e sem graça, apenas leia sem se importar como

esta escrito, apenas estou sendo sincero.

Eu não posso dizer que quero te conhecer, pois eu sinto que já

conheço, é verdade que tenho uma imagem de avatar tua, mas

eu já te conheço né? A quanto tempo a gente conversa? Eu me

abro para você como nunca consegui com ninguém e acho que

não vou ter com mais ninguém, sei lá, ta certo que eu não te

conheço, mas tudo que a gente falou este tempo, tudo que eu

sei de você, como você se sente a cada dia, as coisas que te

chateiam no dia a dia, o que te alegra e te entristece.

Sei lá, sei lá mesmo, você disse que eu to apaixonado, talvez eu

tenha apenas uma ilusão, mas é a coisa mais real que tenho.

Se encontra comigo, sem prometer nada, eu não vou te cobrar

nada.

Você conversa com alguém como conversa comigo? Eu não

consigo com ninguém alem de você.

Escrevi e desliguei o micro angustiado, não queria ler a resposta dela, temia demais uma negativa.

Não passou sequer um minuto quando tocou meu celular, eu já havia passado o número a meses, mas ela nunca tinha me ligado e sequer passado o dela (mais uma tentativa de manter no virtual)

Atendi aturdido soltando um alo engasgado.

— Júlio, é a Lara, eu tenho aula hoje, mas você me espera no jardim do museu do Ipiranga?

— Lara! Eu... Eu... ta... que horas?

— Dez e meia ta bom, te encontro lá. – e desligou.

Meu peito acelerado batia afoito, olhei as horas e preparei-me para a angústia da espera.

Chequei pontualmente com uma hora de antecedência, não conseguia manter minha atenção em outra coisa. Olhava as horas a todo momento, tentava distrair-me com qualquer coisa ate que meu celular vibrou.

— Júlio? To atrás de você.

Virei-me surpreso, o ultimo quarto de hora passou sem que eu percebesse e mais surpreso ainda com Lara. Compreenda-me, tinha motivos para crer que ela era no mínimo pouco atraente, ou como dizem bonitinha (feia arrumada), mas ao invés disto estava frente a uma garota bonita, não era uma beleza perfeita, mas era uma beleza sincera.

Ela percebeu minha surpresa e tomou as rédeas da situação, caminhamos um pouco eu ainda atônito e ela contendo o sorriso de mulher quando tem um menino apaixonado.

Não lembro onde paramos, mas conversamos por horas, eu sempre me perdendo no verde dos olhos.

Já devia ser quase duas da manha, meu sono havia desaparecido, mas ela disse que precisava ir, rachamos a conta e caminhei ao seu lado sem prestar atenção às ruas. Ela parou em frente a um prédio e disse — E aqui que eu moro.

Certa decepção formou-se em meu rosto, não me leve a mal, era a decepção por ter que parar de falar com ela. Olhei para os lados da rua deserta, sem saber o que fazer e sem certeza de onde estava.

— Quer me conhecer mesmo?

— Quero – respondi sem certeza do que isto significava.

Ela olhou para o chão, pensado em algo quando disse — Ta bom, sobe comigo. – enquanto abria a bolsa procurando uma chave.

Subi calado, fitando seu rosto tentando ser discreto, ela caminhou por um corredor e abriu a ultima porta, entrei meio desconcertado, eu sabia que ela morava sozinha, tinha desejo pelo que eu achava que aconteceria, mas ao mesmo tempo medo de manifestar esta certeza.

Era um apartamento simples, pouca decoração na sala. Ela tirou os sapatos largando-os ao lado a porta afastou-se em direção do que identifiquei como a cozinha dizendo para eu sentar-me no sofá.

Ela voltou momentos depois, largou sua bolsa no chão, agarrou um controle remoto ao lado do TV e colocou-se ao meu lado, sentando sobre as pernas cruzadas, ficando um pouco mais elevada do que eu (acho que não mencionei isto, mas sua altura chegava apenas ao meu peito)

Ligou a TV, buscando um canal de musicas, ficamos alguns momentos nos fitando, eu desconcertado, com medo de agir, quando ela disse apenas — Fala!

— Eu quero te beijar....

— Você não vai me beijar – e antes que eu me surpreendesse - Agora EU vou beijar você.

Dizem que é normal os homens serem apressados, buscarem logo o prazer, mas eu, pelo menos com ela, não tive pressa. Senti aquele beijo como se fosse a primeira vez que era beijado, deixei aos poucos minha inibição e toquei com carinho seus cabelos, ela afastou-se por um momento, mas logo se entregou a volúpia.

Não vou descrever as horas seguintes, apenas digo que eu jamais havia me dedicado a uma mulher como naquele momento, se eu tivesse um prazer seria conseqüência do dela. Beijei-lhe afetuosamente o sexo, ela estremeceu mais uma vez, balbuciando seu gozo

Estávamos despidos, meu corpo ainda ansiava, principalmente por que eu não havia me dedicado a mim, apenas a ela ate então. Ele ergueu-se e segurando minha mão puxou-me para o quarto. Estranhei ela pegar a bolsa no chão, mas cogitei que talvez fosse minha vez e que ela deveria estar prevenida.

Ela parou na porta do quarto e me fez entrar primeiro, era por demais escuro e procurei um interruptor de luz tateando-o sem efeito.

— Desculpa – ouvi-a dizer e sem entender fui jogado sobre a cama, não entendi a velocidade nem a força, em um momento eu estava em pé na porta do quarto, no outro estava sobre a cama, ela segurando-me com mãos de tenaz, olhou meu rosto incrédulo, lembro-me de ver seus olhos marejarem neste momento.

— Desculpe – disse novamente, e com facilidade virou-me de bruços na cama, torceu meu braço quase arrancando-o do ombro. – Não faz força, eu não quero te machucar, mas tenho sede. Tentei erguer-me, mas ela me imobilizava facilmente, era como uma criança fazendo força contra um adulto, ou mais que isto ainda.

Ela segurou meus braços forçando-os nas costas, senti seu rosto ao lado do meu, contudo seu hálito que antes era tão doce estava alterado, uma sensação ocre tomou conta de mim, contudo eu esta imóvel, indefeso.

Mantendo-me imóvel com apenas um braço ela alcançou sua bolsa, virou o conteúdo ao chão, coisas básica de toda mulher: agenda, batom, estojos de pós que nenhum homem sabe ao certo, caneta e para minha surpresa uma faca de cozinha.

— Não se mexe, eu não vou te machucar disse ela ao deslizar a lámina em meu ombro, Senti o calor do sangue a escorrer e o medo irracional arrancava meu peito, eu tentava gritar, mas ela pressionava meu rosto no travesseiro, sufocando-me em meio ao seu cheiro de centenas de anos.

Senti sua boca na ferida, sugando e beijando, sua respiração disparava como no gozo da sala, contudo mais forte, animalesca. Eu nem tentava mais fugir, não sei por quanto tempo ela se alimentou de mim, sei apenas que ela satisfeita urrou um gozo de fêmea selvagem

A ferida não fora profunda e ela buscando algo em uma cômoda estacou o sangue rapidamente, eu estava esgotado, não apenas pelo sangue perdido, mas também porque o gozo dela fora acompanhado pelo meu perdido em seus lençóis.

Ela ajudou-me a virar, seus olhos já não marejavam, mas sim despejavam lagrimas de despedida.

— Pode ir embora, eu vivo no escuro. Não conta para ninguém. Ninguém acredita mesmo...

— É Lara?

— Hã?

— É Lara mesmo o teu nome?

Ela virou o rosto para a luz parca que vinha da sala e respondeu apenas — Cláudia. É Cláudia.

Eu ergui meus braços, pesados pela fraqueza e limpei uma lagrima de seu rosto.

— Eu te conheço. Não quero ir...

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Para quem não leu meu conto Sede Noturna de uma olhada no link

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