Eles não voltam sozinhos [02/03]

Mariano havia se isolado num canto do hospital, não queria falar com ninguém. Como seria voltar para a casa, e ver os brinquedos de sua filha espalhados?

Ele conseguiria se recuperar desse trauma? Acreditava que não. Se não fosse por Raquel já teria dado um ponto final em sua vida.

-Pai! Ouviu Raquel o chamar.

Olhou para trás e encontrou a filha de apenas seis anos com os olhos vermelhos.

-Minha Irmâ está no céu?

-Está sim minha filha, papai do céu está cuidando dela agora.

O que Mariano desconhecia era que enquanto ele conversava com a filha no corredor do hospital, uma auxiliar de necropsia caia desmaiada no chão do necrotério. Antonio Veras após dois dias de óbito chamou pela esposa.

Na chegada a delegacia no dia seguinte a morte da sua filha, Mariano teve que deixar seu carro estacionado dentro do estacionamento de um supermercado, pois não existia como se aproximar da delegacia de carro;uma multidão se espremia por toda a rua da delegacia, jornalistas,religiosos, curiosos,todos atraídos pela história do homem que voltou do mundo dos mortos.

Alguns religiosos acreditavam que havia acontecido um milagre, enquanto outros achavam que era obra do coisa ruim.,Mariano conseguiu entrar na delegacia com uma certa dificuldade,assim que adentrou pela porta foi recebido pelo delegado Silas com um olhar incrédulo: -Não esperava você aqui! -Sinto muito pela sua filha.

-Tudo bem. Essa é a lei da vida, não podemos fazer nada.

-Como está o médico?

-Em coma. Ele chamou pela mulher, e depois disso não teve mais nenhuma ação, mas a cada hora que passa seu quadro clinico evolui; ele já respira sem a ajuda de aparelhos.

-Eu vi alguns jornalistas dizerem que ele teria ressuscitado quatro pessoas que estavam próximo dele no necrotério, isso é verdade?

-Isso é verdade. Mas não vamos dar nenhum tipo de declaração para a imprensa.

- E Por quê? Perguntou Mariano.

-Não acho que seja o momento certo.

-Preciso de um dossiê completo sobre ele e a esposa. Quero saber quem são essas pessoas realmente!

-Pedirei para te mandarem Mariano.

Mariano ficou parado em frente ao delegado sem dizer nada, o que chamou a atenção de Silas: - Quer dizer mais alguma coisa?

-Na verdade, queria autorização para levar o corpo da minha filha até o Doutor Veras.

-Droga Mariano você sabe que não podemos permitir isso. Não posso te negar isso, você vai fazer por sua conta e risco, terá que ser durante a madrugada, mas se alguém te pegar, lembre-se você foi sozinho!

-Tudo bem Silas. Ninguém vai me pegar! Em seguida virou as costas e seguiu o caminho para fora da delegacia.

O guarda responsável pela segurança do quarto do Doutor Veras, já havia sido informado do que aconteceria ali, exatamente as duas da manhã em ponto fingiu estar passando mal da barriga para se ausentar do seu posto, Mariano entrou facilmente no quarto do Doutor, tão fácil quanto tirar o corpo de sua filha do necrotério.

O corpo do Doutor Veras estava isolado em um quarto particular, ao entrar sentiu seu corpo todo arrepiar. Tinha a sensação de que algo o vigiava, era como se a escuridão do quarto tentasse o engolir.

As sombras que o farfalhar das arvores criavam na parede, mas pareciam esculturas mal formadas de humanóides.

Mariano deitou sua filha gentilmente ao lado do Douto Veras e apenas esperou.

Meia hora havia se passado, e nada acontecerá, Mariano estava nervoso, temia que alguma enfermeira entrasse no quarto para avaliar o estado do paciente.

- Por favor, meu Deus traga a minha menina de volta pensou ele.

Às três horas da manha, o guarda o avisou que a enfermeira estava vindo que ele tinha que sair dali o mais rápido possível,tentou resistir,mas sabia que nada aconteceria,aceitando o destino,pegou o corpo sem vida de sua filha no colo e saiu dali.

Na primeira hora do dia seguinte ele estava frente a frente com Márcia, estava completamente transtornado:-Quero saber como seu marido ressuscitava alguém e por que com a minha filha não funcionou!

-Não sei como funciona, só sei que acontece. Pense o seguinte, talvez não fosse para acontecer.

Mariano agarrou Márcia pelo pescoço e apertou o mais forte que podia logo depois dois detetives entraram esbaforidos na sala e o puxaram para fora: - O que está fazendo Mariano? Gritou um dos detetives.

-Me soltem! Retrucou Mariano, caminhando em direção a saída da delegacia.

Era o dia do enterro de Lívia. A temperatura estava agradável, o sol de vez em quando aparecia por entre as nuvens, Mariano nada dizia, não chorava mais, para muitos ele estava passando a imagem de um homem frio, mas não era essa a verdade, seu sofrimento era tamanho que era como se ele na verdade não estivesse Ali.

Lívia apresentava uma aparência serena. Parecia estar dormindo.

Mariano não tirava os olhos da filha, podia jurar que a filha estava mexendo a boca, quando a menina abriu os olhos alguns suspiros puderam ser ouvidos.

A avó da menina se aproximou para lhe fechar os olhos, bruscamente à mão de Lívia emergiu do caixão impedindo ela de realizar o ato.

A menina estava viva!

Algumas pessoas desmaiaram outras correram em pânico, e algumas poucas oravam: Era um milagre diziam elas!

Mariano sabia o que tinha acontecido, correu até a filha e a tirou do caixão: - Graças a Deus! Dizia ele apertando a filha entre seus braços.

-Nunca mais vou deixar você partir, papai vai estar sempre com você.

Naquela noite o caso foi transmitido pela TV, alguém havia filmado tudo com um celular.

Médicos, legistas e alguns conhecidos deram diversas declarações, afirmando que a menina teve o óbito constatado há dois dias por falência múltipla de órgãos.

Mauricio estremeceu sabia que sua casa estaria cheia de repórteres querendo uma exclusiva com sua filha. Querendo evitar a pressão sufocante que sofreriam da mídia, resolveu arrumar suas coisas e ir para sua casa de campo, onde dificilmente seria encontrado.

Acordou suas filhas no meio da noite e partiu em direção ao campo onde ao menos teria alguns dias de sossego.

Uma semana após sua partida, sua filha ainda estava quieta, raramente falava algo, passava a maior parte do tempo assistindo desenhos animados, ele tomava o maior cuidado para ela não assistir nada, além disso; não queria que ela soubesse o que o mundo falava dela.

Voltou a pensar em Márcia Veras, ela poderia dizer o que aconteceu com a menina Monica, será que ela ficou no mesmo estado que sua filha? Não agüentando mais pegou o telefone e ligou para o delegado Silas.

-Alô! Atendeu o delegado.

-É Mariano Falando Doutor.

-Meu Deus, onde você se meteu cara está todo mundo atrás de você?

-Tinha que preservar minha filha, não entregaria meu cordeiro aos lobos da imprensa.

-É você está certo...

- Preciso falar com Márcia Veras.

-Não sei se será possível, depois do que você fez a el....

-Escute Silas! Disse não deixando o delegado concluir sua frase.

– Minha filha está um pouco estranha e sei que ela pode me ajudar a entender o que está acontecendo.

Mariano ouviu uma respiração profunda de Silas do outro lado da linha, e em seguida ouviu a resposta: - Tudo bem venha por volta das sete da manhã!

No caminho Mariano estava preocupado com suas filhas, será que elas ficariam bem sozinhas?

Não poderia trazê-las, mas também não poderia ficar carregando essa angustia no peito, foi uma decisão difícil mas ele sabia quer era a decisão correta.

Assim que entrou na sala de interrogatório, Márcia o fitou de cima embaixo e disse: - Sabia que voltaria!

-Como?

-Quando vi a reportagem sobre sua filha na TV.

-Entendo. Respondeu Mariano sentando-se de frente para ela.

-Ela quase não fala correto?

-Passa a maior parte do tempo apenas vendo desenhos.

-Foi assim também com a menina Mônica.

-O que aconteceu a ela?

-Entenda que meu marido nunca havia ressuscitado alguém tão próximo; só acompanhava a distancia e mesmo assim durante pouco tempo, apenas para saber se não haveria nenhum efeito colateral nesse regresso.

- Mônica foi um caso diferente, ela passou a ser uma menina retraída, enforcou seu gato de estimação e o amarrou em um poste na rua, disse aos pais que ele tinha roubado sua comida no prato.

Durante uma brincadeira na escola ela enfiou um lápis no olho de um garoto o deixando cego.

-Meu deus. Disse em uma voz quase inaudível o Detetive.

-Meu marido passou a freqüentar a casa dela todos os dias à noite para tentar um meio de cura-lá, ele percebeu que quando você traz uma pessoa de volta de outro mundo, ela não volta sozinha, volta sempre acompanhado de alguma coisa, e essa coisa passa a ser a parte dominante,não existe salvação,meu marido morreu tentando salvar Mônica; ele conseguiu tirar os demônios dela os transferindo para ele,acreditando que assim ela estaria curada,mas ela morreu durante o exorcismo,sua alma também se foi,por isso que aquela noite ele tentou me matar,não era mais o meu marido naquele corpo,o que estava nela passou para ele.

-Você está me dizendo que quem está em minha casa não é mais minha filha?

-Exatamente. Quem está com ela?

-Minha filha mais nova!

-Então é melhor você correr!

- Não acredito nisso!

- Lembra os nomes que você investigou?

-Os pacientes do seu marido?

Todos eles comentaram diversas atrocidades depois da ressurreição, se não acredita investigue!

-Milton Nunes, foi preso por pedofilia há dois anos atrás segundo investigações ele teria abusado de mais de trinta crianças com idades de quatro á onze anos; Amanda Souza, Presa há um ano atrás por assassinar a própria filha, a mantinha em prisão domiciliar, certa vez obrigou ela transar com cinco bêbados que ela convidou a sua própria casa, a menina fazia suas necessidades em um balde porque viva acorrentada na parede;Ronaldo de Jesus contraiu o vírus da AIDS depois de se relacionar com travestis,não satisfeito passou a contaminar outras pessoas durante a saidinhas de bancos,espetava suas vitimas com uma agulha.

-Chega! Gritou Mariano. Ele não queria acreditar naquilo, mas algo gritava dentro dele para El ir o mais rápido possível para casa, na saída da delegacia foi parado pelo Delegado Silas que Perguntou: - Como foi com ela, tirou suas duvidas?

-Sim.

-Pela sua cara, não descobriu coisa boa.

Mariano forçou um sorriso e respondeu: - Só estou preocupado com as meninas sozinhas em casa.

-Então é melhor você ir embora mesmo.

Mariano balançou a cabeça afirmativamente e caminhou para saída quando foi impendido mais uma vez por Silas: - Mariano!

-Sim. Respondeu visivelmente contrariado.

-O dossiê que você havia pedido sobre o casal Veras chegou, leve ele.

Mariano colocou o envelope embaixo do braço agradeceu e foi em direção ao seu carro, sua angustia crescia a cada segundo.

No caminho um acidente provocado por um caminhão que tinha tombado na estrada provocou um congestionamento de um quilômetro.

Arrependia-se agora de ser tão pão duro, nunca quis colocar um telefone na casa para evitar gastos que para ele era desnecessário, afinal, ia uma ou duas vezes no ano a casa de campo, ter um telefone lá não serviria para nada.

Assim que chegou em casa,correu para sala gritando pelo nome das meninas,ninguém respondia.

O desespero começou a tomar conta dele, correu para os fundos da casa e lá também não havia ninguém.

Caminhou em direção ao matagal e embaixo de um arvore encontrou um vestido jogado; era de Raquel sua filha mais nova.