2007 - Caçada ao Vampiro Índio

Caçada ao vampiro índio

Meu nome é Ghost Dog.

Você não me conhece. E nem deve.

Os que sabem de mim ou são meus colaboradores ou logo estão mortos de novo.

Porquê de novo?

Caço vampiros e ao mesmo tempo sou um deles.

Se você considera essa resposta insuficiente problema seu.

É a melhor que vai ter.

Brasil, Abril 2007.

Os investigadores rodeiam o cadáver.

- É o sétimo corpo esse mês. Mesmo Modus-Operanti: três facadas na garganta e pela falta de sangue acreditamos que o corpo tenha sido transportado de outro local. O mesmo estranho símbolo desenhado no seio direito.

Após essa explanação os investigadores conversam entre si e o legista entra no local para coletar evidências.

Um rapaz mulato com grandes cabelos rastáfari passa um algodão umedecido em volta da ferida no pescoço.

Aproveita para fotografar com seu celular Nokia N91 o estranho símbolo no seio direito da prostituta.

O Legista fica alerta ao sentir o toque no ombro.

É um investigador com um grosso bigode.

- Quem é você? Cadê o Agnaldo?

O mulato levanta o crachá mostrando seu nome e ocupação: Alceu de Medeiros Lima. Idade: vinte e sete anos e cargo: Assistente Técnico Legista.

O investigador franze o cenho.

- Que bosta! Um assistente!

O jovem justifica-se:

- O Agnaldo tá gripado...

O policial o mira de cima a baixo e afinal dá de ombros.

- Tá, tá. Faz seu trabalho. - e quando o rapaz se afasta, pensa alto: - tipo estranho.

Uma cicatriz corta o rosto do mulato de cima a baixo e o olho esquerdo não tem íris, sendo todo branco.

Fazendo seu serviço com presteza o jovem colhe algumas amostras e sai tão silenciosamente que os investigadores mal notam.

Minutos depois com o cabelo solto e sem o jaleco de legista, dirige seu Prisma 2007 pelas ruas de São Paulo.

O celular Nokia N91 toca e o rapaz atende.

- Alô. Ghost Dog?

O mulato com os rastáfari confirma.

- É ele mesmo.

A voz fria do outro lado da linha lhe fornece todos os detalhes sobre os assassinatos anteriores.

- É um vampiro. A análise química da saliva em volta da ferida no pescoço mostra que foi um desses malditos.

Ghost Dog quer alguns detalhes e pergunta sobre o símbolo gravado com sangue.

Seu interlocutor explica que se trata de um símbolo indígena da morte.

- Saturno... – murmura o jovem caçador entredentes. – o vampiro índio... Devia tê-lo caçado antes.

Volta para o apartamento em Moema que é sua base de operações naquele mês.

Quando desce do carro mal dá três passos e um gordo senhor branco o chama.

- Ei! Neguinho! Se riscar meu carro eu chamo a polícia hein?

Furioso Ghost Dog avança sobre o obeso.

Ele recua um passo e avisa arrogantemente:

- Não mexe comigo que eu sou deputado!

O caçador não se intimida.

- Esse é seu carro?

Aponta um grande Land Rover preto blindado.

O Senhor de cabelos encanecidos assentiu.

Juntando as duas mãos como um martelo, o mulato golpeia violentamente o capô do veículo que afunda.

Os vidros da lateral e do pára-brisa implodem em centenas de estilhaços.

O deputado fica atônito. Sua boca abre-se involuntariamente e derruba o caro Havana que ele fuma.

Não satisfeito ainda Ghost Dog caminha até o senhor e levanta seus cento e quarenta quilos de banha pela gola da camisa Ermenegildo Zegna.

- Vai reclamar na Câmara! Monte de bosta!

Atira o gordão na sarjeta imunda.

Entra no Hall do edifício e se fez anunciar.

Ignorando o elevador, sobe os oito andares de escada em poucos segundos e logo chega ao apartamento.

Um rapaz de constituição robusta o espera na porta vestido com um pijama de seda.

- Acabou de atacar meu vizinho!

O caçador rosna.

- Assim ele fica esperto!

Sentam-se e logo um rapaz forte, mas magro de cabelos cacheados se junta a eles.

- Informações.

Ordena o mulato secamente.

- Realmente é um símbolo indígena conhecido por poucos estudiosos e nenhum deles tem contato com vampiros. Investigamos bem.

Ghost Dog coça a cabeça pensativamente por alguns segundos. Vira-se para o rapaz forte que o recepcionou.

- E você Rui? O que levantou sobre o amaldiçoado?

O moço abre uma pasta com algumas fotos em infravermelho tratadas no Fotoshop, pois de outra maneira a imagem do imortal não apareceria.

- Este é Saturno, o vampiro índio. A primeira menção que temos dele é de mil setecentos e cinqüenta do famoso caçador Jeromé Flambeau, que morreu na divisa de Minas dois anos depois de começar a caçá-lo.

- Dois anos!! – espanta-se o rapaz cabeludo.

O mulato de cabelos rastafári nem pestaneja para responder:

- Antigamente os caçadores planejavam por anos antes de caçar um amaldiçoado, e assim como hoje muitos morriam durante a caçada. Esta sempre foi uma atividade de risco.

- Ah bom... – murmura o jovem.

Ghost Dog retira os óculos escuros. A longa cicatriz desce de sua têmpora esquerda atravessando os olhos e os lábios, lhe dando uma aparência selvagem.

Os outros dois caçadores instintivamente desviam olhar.

- O que mais temos sobre ele? – inquiriu o mulato.

Feliz por não precisar encará-lo, Rui remexeu seus papéis.

- Ãn... Bem... Temos poucos dados sobre ele... Diferente de outros vampiros não produz progênie em abundância, tem apenas uma cria chamada Ângela e a trata como uma princesa!

Ghost Dog e o outro caçador chamado Ulisses franzem a testa.

Rui continua:

- Ele é visto com ressalvas pelos outros da raça dele. Dizem que já combateu bruxas, demônios e até criaturas do espaço! Têm licença dos vampiros anciões do país para matar outros da espécie...

- O que? Um vampiro que mata vampiros? Impossível!

Um olhar do mulato calou Ulisses.

O rapaz forte continuou:

-... Dizem que ele exterminou um ancião com uma faca na segunda metade do século XVI e que transformou a si mesmo sendo atualmente um dos vampiros mais forte do país. Segundo nossos cálculos têm a força de um filho das trevas de mais ou menos três mil anos!

Ulisses abre a boca.

Ghost Dog estrala os dedos e se espreguiça.

- Ele não é indestrutível. Sabemos onde ele estará essa noite?

Recobrando-se do espanto o caçador de cabelos cacheados apenas responde:

- Sim.

Apesar do outono já dar sua cara aquela semana de Abril está bastante quente.

- Vamos na roda gigante Sá?

O índio resmungou uma negativa. Não que tivesse medo de altura, afinal pode escalar um prédio em poucos minutos, mas simplesmente aquela armação de ferro coberta de ferrugem não lhe é nem um pouco atraente.

A vampira de cabelos ondulados não se intimidou com a negativa e insistiu:

- Vamos vai? Prometo Que lá no alto te dou uma mordida!

É a primeira vez que Ângela o vê sorrir naquela noite.

Um grito infantil pouco atrás deles desperta a atenção de todos.

Com o canto dos olhos Saturno observa um trombadão roubar a cartela de ingressos de um menininho.

O ladrãozinho corre olhando para trás e rindo muito.

Tudo que o vampiro índio faz para detê-lo é levantar o braço direito bem esticado.

O malandro sente como se tivesse acertado um muro e cai esticado no chão sem sentidos.

O jovem de longos cabelos negros pega a cartela e a devolve para o menino que chega esbaforido.

Quando vê o aspecto sinistro do vampiro, o garoto murmura um agradecimento e volta correndo para perto da mãe.

Parece mais assustado do que agradecido na verdade.

Uma menininha de aproximadamente cinco anos, na fila de algodão-doce ao lado aponta o dedinho para o imortal.

- Moço, você é gente?

Saturno e Ângela riem gostosamente.

A mãe da pequenina se desculpa e entregando o doce para a menina a arrasta para longe dos dois estranhos.

- É incrível como só as crianças e os loucos parecem perceber nossa real situação...

O filho da noite refere-se ao fato de que são seres sobrenaturais.

- É... – replica a vampira pensativamente.

Dez minutos depois estão no alto da roda gigante onde se divertem a valer.

Andam em vários brinquedos enquanto próximos a eles três rapazes esperam uma brecha para atacá-los.

Depois da terceira volta nos carrinhos de bate-bate, o imortal já está impaciente.

- Angel, vam´bora.

A moça estrila.

- Ah seu chato! Só mais uma volta!

- A gente tem que ir para Mogi e você sabe que o trem demora pra caramba!

O tom de voz do filho da noite é implacável e ela acaba concordando.

Saem do parque de diversões iluminado entrando nas vielas escuras do Conjunto Habitacional São Francisco em São Rafael, próximo a divisa de Mauá.

Precisam de um ônibus que os leve até Mauá para conseguirem pegar o trem antes da meia noite.

Após terem passado pela travessa da melancolia ouvem uma voz gritando na escuridão:

- Ei! Idiota!

Os dois viram-se, alertas.

O rapaz que Saturno derrubara no parque estava próximo a eles acompanhado de dois homens.

Um é bem grandalhão.

- Cê acha que foi esperto né?

O ladrãozinho golpeia o estômago do índio com uma barra de ferro.

O imortal cai ajoelhado e segura a barra.

Começa a rir sendo logo acompanhado por Ângela.

- Do que cês tão rindo? – um dos homens saca um calibre trinta e oito.

A vampira o desarma imediatamente.

O índio toma a barra de ferro do rapaz e a dobra com imensa facilidade. Seus olhos tornam-se rubros e ele ordena com sua voz assustadora:

- CORRAM!

Sem esperar outro aviso os três saem em uma carreira desabalada desaparecendo nas esquinas vazias.

Os dois vampiros riem muito, mas passados alguns quarteirões próximos à Travessa Gioconda ouvem outra voz na escuridão:

- Ei! Idiota!

Ângela vira-se com a mão na cintura.

- Vocês não aprendem não é?

“CLICK”

Um gatilho é disparado e algo zune no ar.

- ANGEL! – berra o vampiro tarde demais.

Uma estaca atravessa o peito da moça e ela cai estática no asfalto.

Outras duas estacas zunem no ar e Saturno desvia-se da primeira.

A segunda perfura o índio na garganta.

Ele grunhe desconexamente e agarrado um Palio pelo pára-choque o atira contra um de seus atacantes.

- AHHHHH!

Rui morre imediatamente esmagado pelo veículo.

As bestas são recarregadas enquanto o índio arranca a estaca do pescoço.

O vampiro corre furiosamente na direção de um rapaz magro e cabeludo.

Um mulato de rastáfari vai até a vampira caída e a joga dentro da caçamba de um caminhão de lixo que ia para o Aterro Sanitário de Sapopemba descarregar sua coleta.

Saturno estava quase sobre um aterrorizado Ulisses.

Ghost Dog chama sua atenção:

- Sua garota vai ser triturada Vampiro!

O imortal para e olha para o caminhão. Entende o perigo que sua garota corre.

Vendo que Ulisses hesita a poucos metros do jovem de longos cabelos negros que fica dividido entre acabar com os caçadores e salvar sua amada o mulato grita:

- Extermine-o IDIOTA!

O rapaz de cabelos cacheados arma uma Granada de Luz.

Tarde demais.

Saturno toma o explosivo e o joga certeiramente em uma boca-de-lobo.

A luz jorra como um flash espantando todos os insetos e roedores do esgoto em um raio de cem metros quadrados.

Furioso, o índio esmigalha a mandíbula de Ulisses com uma mão.

Vira-se na direção de Ghost Dog e então por alguns segundos luta entre o desejo ardente de destroçar o mulato e salvar Ângela.

Afinal decide-se pelo amor de sua não-vida.

- Vou te pegar Caçador! Nem que leve cem anos!

Correndo entre os carros na Rua Bandeira Aracambi atrás do caminhão onde a garota está.

Ghost Dog vai até Ulisses que está morrendo.

Uma torrente de sangue jorra da boca destroçada do cabeludo.

Este ergue os braços agonizantes para o mulato.

O caçador sacode a cabeça.

- Imprudentes. Saiba que vou exterminar o vampiro que te matou!

Antes de completar a frase Ulisses está morto.

Ghost dog corre alguns quarteirões até onde estacionou seu Maverick preto.

Dá a parida e sai cantando pneu, atrás de sua presa:

O Vampiro índio.

Saturno corre até o caminhão de lixo.

Precisa alcançá-lo antes que Ângela seja triturada.

- “Ferida como está ela não terá chance alguma!” – pensa o índio.

Com um salto ele está sobre o veículo. O cheiro é insuportável naquela madrugada quente.

A parte basculante de trás está fechada.

Rasga a lataria com uma das garras e entra revolvendo o conteúdo da caçamba.

Ângela não está lá!

Confuso, o vampiro pôs a cabeça para fora e quando olha adiante estremece: quinze caminhões repletos de dejetos rodam em fila indiana.

- Que porra é essa? Alguma merda de desfile?

O imortal sente-se um imbecil por não olhar a placa do caminhão onde sua amada fora atirada.

Salta para o veículo em frente e vai rasgando a lataria de um a um consecutivamente.

Depois do quinto caminhão finalmente a encontra.

- Ângela...

“FOOM FOOM”.

O índio olha para o lado e qual não é sua surpresa ao ver Ghost Dog dirigindo um Maverick preto.

Na mão esquerda do mulato uma besta armada com uma estaca de carvalho.

- Caçador! – urra Saturno.

O oponente do vampiro atira, mas o jovem de cabelos negros agarra a estaca no ar.

O filho da noite ri com gosto.

- Pensou que eu fosse uma presa fácil, não?

Ghost dog abaixa os óculos escuros e sorri.

Tem um detonador na mão.

- O que? – espanta-se o filho da noite.

O mulato aperta um botão.

A estaca recheada de explosivos detona, arrasando a mão direita de Saturno e enchendo seu corpo com milhares de lascas de carvalho.

Com o impacto o índio cai dentro do caminhão, bem ao lado de sua amada.

Imediatamente arranca a estaca do peito dela.

- Calma amor...

Ghost Dog pega uma granada de luz e após armá-la a atira dentro do caminhão de lixo.

- PUTA MERDA!

O imortal reconhece o objeto cilíndrico que cai rolando perto deles.

Imediatamente o índio agarra um grande saco de lixo preto e salta sobre Ângela, cobrindo-a o melhor possível.

“FUSH”.

A luz irrompe pelas aberturas do caminhão assustando o condutor.

Quando a luminosidade cessa Saturno rasga a lateral do caminhão com as mãos.

Sua coluna vertebral totalmente exposta.

- CAÇADOR!

Mal aparece no rasgo da lataria e leva dois tiros de sal grosso no peito.

O sal grosso não costuma matar vampiros, mas dói e muito.

O filho da noite cai para trás.

- Boa!

O mulato ri com gosto.

Mal acabara de falar e a imensa carcaça de um Rotweiller explode contra o pára-brisa.

Pelo fedor, o animal estava morto há vários dias.

Com os olhos lacrimejantes, o caçador perde a direção do Maverick.

O veículo bate de leve em uma caçamba de lixo. A 120 Km/h isso foi fatal.

O potente carro rabeou e logo capotou na guia da calçada, derrubando um poste.

Diferente dos filmes de ação, o Maverick não explode apenas se parte ao meio com a violência do impacto.

Com seus olhos aguçados Saturno se regozija em ver o inimigo preso nas ferragens.

- Sá...

A voz de Ângela está muito fraca.

O vampiro a retira de entre os detritos.

- Meu amor...

Beijam-se e o imortal salta com ela nos braços correndo entre as ruas de São Rafael até chegar a Mauá.

Após meia hora chega ao cemitério do JD.STA. Lídia onde a acomoda na cripta de um grande mausoléu pertencente à Família Moreira Salles.

Precisa de sangue urgente.

Não pensa apenas em si. Sua garota está muito mal.

O índio pula com facilidade o muro do cemitério com facilidade apesar de seu estado e segue rumo aos becos mais escuros.

Na Rua Polidoro o próximo aos trilhos do trem vozes altas gritam em um ponto mal-iluminado.

- Aí maluco! O pó que cê me vendeu tava batizado!

O drogado cospe perdigotos de entre os dentes apodrecidos.

Atrás do dono da boca-de-fumo, os seguranças riram alto.

O patrão abaixou os óculos escuros.

- Cê tá me tirano Bocão? Ti vendi meu melhor baguio! Cê deu seus tiro no pó e agora chega cheio de histótia pra pága?

Quando o drogado vai replicar todos escutam um rosnado sinistro.

Ficam gelados até a medula.

O dono da boca-de-fumo faz sinal para um dos capangas.

- Vai lá Tonhão, porra!

O grandalhão engatilhou a PT 365 e some na escuridão.

No silêncio que se segue os três podem ouvir os próprios corações batendo com força.

Algo desce a curto espaço entre a escuridão e eles rolando.

É a cabeça de Tonhão.

Incrédulos viram que no rosto do segurança ainda estava estampado o intenso pavor.

Viram-se para fugir e berram de medo.

O vampiro os encara de frente. O rosto distorcido de fúria.

- Mete bala, Chicão!

Ordena o dono da boca-de-fumo.

O traficante e seu segurança fuzilam o índio que avança indiferente a tudo.

Não os mata. Só os desacorda com um simples toque; o drogado ainda tenta fugir, mas é atingido na nuca e cai desmaiado.

Cinco minutos depois o filho da noite chega à cripta onde havia deixado sua amada.

Ângela convulsiona incontrolavelmente, seus belos olhos castanhos revirados nas órbitas.

Está a um passo da morte definitiva.

O rapaz de cabelos negros não compreende. Já vira muitos vampiros ficarem bem ao terem a estaca retirada do peito.

A não ser que...

Rasgou a blusa de sua garota deixando os belos seios à mostra.

No local onde a estaca penetrara o peito a ferida borbulha.

Com a unha do dedo mínimo o imortal alarga ainda mais a ferida!

Um fio de sangue brota no lugar.

Com extremo cuidado Saturno introduz a mão dentro do tórax de Ângela.

O coração vampírico bate debilmente.

Subitamente, as pontas dos dedos do índio se inflamam.

- Mas que merda é essa?

Agarra o pequeno objeto pontiagudo com firmeza arrancando-o.

O deixa cair sobre a tampa de mármore italiano e seus dedos param de arder imediatamente.

Aquilo é a ponta da estaca. Feita de ferro frio benzido.

- Engenhoso... – murmura para si mesmo.

Rasga a garganta do traficante inconsciente, inundando a boca da moça com o precioso líquido rubro.

Mal havia entregado o segurança para os braços ávidos da vampira, quando o drogado acorda.

Bocão grita.

Acha que morreu e está no inferno, pois vê os dois vampiros de olhos vermelhos brilhantes com os dentes enterrados em Chicão.

Vira-se para fugir.

Saturno abandona sua presa e em instantes bloqueia a saída do drogado.

Risca o peito de Bocão arrancando um fio de sangue. Lambe o dedo.

O índio faz uma careta.

- Ack! Que gosto horrível! Com que você se droga?

Tremendo o malandro responde:

- Eu tomo crack, farinha... O que tivé! PelamordeDeus dexa eu vivê!

Cuspindo no chão o imortal consente.

- Tá. Sai fora. E cuidado com o quinto degrau...

O drogado mal escuta e se põe a correr.

O quinto degrau está quebrado. Em sua afobação Bocão tropeça no escuro e cai rolando.

- AAAAAHHHHCRACKLE.

Um estalo seco do pescoço partido.

O filho da noite revira os olhos e franze a testa.

- Humano estúpido...

Apanha o corpo e volta à cripta, pois a aurora já se anuncia no horizonte.

Dorme um sono reparador com Ângela sobre um colchão de corpos frescos.

Acorda no crepúsculo com passos no mausoléu acima.

Sua carne vampírica pouco a pouco tapa os ossos expostos pela Granada de Luz.

Ele galga as paredes íngremes do fosso em instantes e levanta o pesado tampo de mármore italiano com apenas uma mão.

Mesmo ferido Saturno ainda é um inimigo formidável.

Ghost Dog aparece na entrada do mausoléu. Está com a boca estufada, cheia de algo.

- CAÇADOR! – urra o imortal.

Atira o pesado tampo de quatrocentos e cinqüenta quilos e o mulato salta com agilidade desviando-se no último momento.

Um fio de líquido vaza de entre seus lábios.

O vampiro o agarra no ar e os dois descem as escadas rolando e trocando golpes.

O jovem de longos cabelos negros fica impressionado.

Aquele caçador é tão rápido e quase tão feroz quanto ele.

E o cheiro?

Ghost Dog cheira como um vampiro, mas é humano.

O mulato está com a boca cheia e cospe um jato de água no rosto do jovem de cabelos negros.

- Ahhhhhh

É água benta.

O olho esquerdo do imortal vaza e seu rosto começa a se dissolver.

Sorrindo de satisfação o caçador enfia uma estaca feita com o patíbulo de uma cruz retirada dos escombros de uma igreja do século XVII no peito de Saturno.

O filho da noite guincha.

Fica paralisado imediatamente.

Ghost Dog tira sua espada feita de uma liga de titânio e prata e a levanta-a para o golpe final.

- Devia ter te caçado antes. Enquanto você só matava criminosos eu fiz vista grossa, mas você começou a sacrificar mulheres não?

A espada começa a ser abaixada e um fêmur atravessa o ar.

O músculo infra-espinhoso é rompido e o mulato surpreso deixa a espada cair.

- É mentira! Meu Saturno não matou nenhuma dessa garotas! Estou com ele todas as noites a mais de um mês!

Fora Ângela que atirou o osso pontiagudo.

- E quem mais deixaria aquele símbolo indígena gravado no corpo delas?

Replicou Ghost Dog arrancando o osso de seu músculo infra-espinhoso.

Nesse momento, antes que a moça possa responder um forte cheiro inunda o cemitério.

Um cheiro de vampiros.

Pelo menos vinte.

Um deles sai da escuridão de entre os túmulos batendo palmas compassadas.

É louro e forte. O cavanhaque muito bem aparado.

- Ivan! – espanta-se a vampira.

Com seu forte sotaque Prussiano que nem setecentos anos de não-vida puderam dissipar ele sorri e avisa:

- As peças estão posicionadas e agora vou dar não um, mas dois xeques-mate!

Os capangas do loiro fecham o círculo em volta dos três.

Ângela, Saturno e Ghost Dog.

- Ora, ora... Em quatrocentos anos nunca vi meu meio-irmão índio tão indefeso. Meus parabéns abominação! – disse Ivan dirigindo-se ao caçador.

O mulato rosna alto. Seus caninos estão saltados de fúria.

O Prussiano o fizera acreditar que Saturno era o assassino das garotas. Odiava ser enganado.

Cospe aos pés do sapato do loiro.

- Matem-nos. – ordena Ivan com desprezo.

Ângela salta sobre a estaca e quando está prestes a arrancá-la do peito de seu amado é jogada longe por um vampiro Eslavo.

Furiosa, deixa suas garras crescerem cerca de cinco centímetros e seu lindo rosto torna-se uma máscara de ódio.

Os vampiros não ficam nem um pouco atemorizados, todos eles em um grau ou outro praticam a polimorfia.

Baltazar, o vampiro que jogou Ângela longe ri com gosto e a avisa com seu carregado sotaque do leste europeu.

- Só isso? É melhor você se esforçar menina, pois senão vou triturá-la como a um inseto!

A moça parte para cima dele.

Ela tem a força de um imortal de setecentos anos, mas falta-lhe a experiência.

Alejandro, um Tolteca, povo que deu origem aos Mexicanos, a pega pelo lado erguendo-a o ar a atira de encontro ao solo com violência.

- A exterminõ Señor Yvan? – quer saber ele.

Mal diz isso o Nahua é partido ao meio pela lâmina de Ghost Dog.

- Não. Eu extermino vocês! – avisa o caçador.

Ivan cruza os braços e sorri. Mesmo com toda sua habilidade Ghost Dog não é páreo para os vampiros que contratou.

Ângela se levanta meio tonta. Não acredita que aquele caçador maldito a esteja ajudando.

Ela rasga a face de um filho da noite que se aproxima demais e pula sobre seu amado.

- Angel... Cuidado... – avisa Saturno com a voz estrangulada.

Um Irlandês atira uma faca que passa entre os cabelos da moça que se abaixou um instante antes.

Ela puxa a estaca e é acertada por uma lápide de granito.

- Ah!

Um Banto de pele negra estranhamente pálida e olhos amarelados vêm em sua direção.

- Não. – grunhe o índio.

Com a mão hesitante o jovem de longos cabelos negros agarra a estaca e a arranca.

O negro enorme sorri sinistramente e Ângela pôde ver um colar de dentes caninos em seu peito.

Dentes arrancados de outros vampiros.

O Banto abre a mão e está a um passo da garota quando uma estaca atravessa o ar.

Saturno a atira com tanta violência que atravessa o coração vampírico do ex-escravo e vai se espetar em uma arvore a frente.

O índio cai exausto.

Ivan aproveita a confusão e caminha lentamente até seu inimigo secular.

- Saturno, querido. Lembra-se quando disse que ainda ia cravar essa faca em seu peito?

O indígena inerte observa com amargura a antiga faca enferrujada com que matara Euronimous. Criador de ambos.

O loiro ajoelha-se ao seu lado e levanta a camiseta preta agora esfarrapada.

Ghost Dog é atacado simultaneamente por seis ou sete vampiros de nacionalidades e forças diferentes.

Leva muitos golpes e fatia quatro deles rapidamente.

Sua espada de prata os fere seriamente quando não os extermina.

Mal Ângela livra-se do peso do Banto que está sobre ela e logo em seguida atirada pelo Eslavo, alguns metros ao longe.

Saturno tenta atacar Ivan, mas sem sucesso. Gastou toda sua energia atirando a estaca.

- Segure-o sim? – ordena o loiro para um vampiro Francês.

- Oui Monsieur Ivan!

O Franco agarra os braços do índio.

Novamente cercado, Ghost Dog procura no bolso da jaqueta sua última Granada de Luz. O bolso está vazio.

Ângela se levanta entre as sepulturas. Seu atacante deve a considerar muito fraca para continuar perseguindo-a. Está entre os que lutam contra o caçador.

- Tem um último pedido? – pergunta Ivan sarcasticamente.

Segura a faca benzida com uma luva de arminho bem encostada ao peito do índio.

- Sim tenho... – murmura Saturno. – ÂNGELA! CORRE! – berra em seguida.

“CLICK”

O Prussiano e o Franco olham com espanto para a mão do índio.

A Granada de Luz está com ele.

A moça que voltava para a luta ao ver o objeto na mão de seu amado saltou para trás de um mausoléu.

Os vampiros que acabam de subjugar Ghost Dog, olham com espanto para o índio.

Ivan vira-se e começa a correr.

Saturno agarra o Francês e tenta se cobrir o melhor possível com seu corpo histérico.

“FUSH”

A luz lambe os corpos vampíricos desintegrando-os totalmente em uma área de cem metros quadrados.

Metade do corpo de Ivan é varrido pela luz.

- AHHHHHHHH.

Cego por um momento, o mulato de rastafári sente as mãos que o seguravam se desvanecerem em pó.

O loiro tira um comunicador do bolso frouxo da camisa.

- SO-SOCORRO!!

Um helicóptero surge nos céus e atira um gancho que recolhe a forma agonizante de Ivan.

Ghost Dog vendo aquilo corre mancando para fora do cemitério até seu Maverick preto.

Debaixo das roupas refinadas do Francês algo se mexe.

Saturno está vivo. Mas não completo.

Suas pernas e braços sumiram. Consumidas pela Granada de Luz.

É pouco mais do que uma cabeça semi-derretida colada em um tórax.

Está em choque e tremendo muito.

Ângela sai detrás do mausoléu e agarra seu amado.

- Saturno... – chora ela.

- Fuja... – murmura o índio.

Ferida ela carrega o trapo humano que é o grande amor de sua vida.

- Adeus idiota! Ainda vou te matar – ri Ivan apesar da dor.

Ghost Dog abre o porta-malas do carro e retira uma bazuca de uso militar.

- Adeus. – sussurra o mulato apertando o gatilho.

“CLICK”

O míssil atravessa o ar rodopiando.

- Merda...

O helicóptero explode caindo em um terreno baldio.

O mulato volta o cemitério e encontra a seguinte mensagem nas cinzas:

Ainda vou te pegar CAÇADOR.

Alguns anos depois em 2010 Ghost Dog deita em sua cama no seu apartamento na Granja Viana, um bairro rico de São Paulo quando nota um bilhete sobre a escrivaninha.

Pega e o lê.

- Olá... Sou Saturno... E NUNCA ESQUEÇO!

Imediatamente o caçador sente o cheiro da nitroglicerina e salta a janela.

O prédio de dez andares desaba na explosão.

FIM.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 07/04/2009
Código do texto: T1526418
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