O MISTÉRIO DA SAIA BRANCA
Um torcicolo terrível o atingia, tornando impossível o simples ato de girar a cabeça para o lado esquerdo. No princípio, as idéias estavam embaralhadas em sua cabeça, mas aos poucos começaram a clarear, e a lembrança dos motivos que o levaram a ficar naquela situação vieram à tona, e o deixaram extremamente preocupado.
Tinha os braços algemados às colunas da cabeceira da cama, suas pernas estavam unidas e atadas por uma fita adesiva. Seu tórax apresentava ferimentos e marcas profundas, o vermelho vivo do sangue contrastava com o branco do lençol.
O que mais o incomodava não era o torpor nos braços, nem os açoites da dor lancinante, na verdade, o que mais o preocupava, além da memória recente, era a perspectiva do que estava por vir.
Ele se lembrava de ter saído de casa com a usual desculpa de sempre, umas cervejas com os amigos, mas em sua cabeça os detalhes e artimanhas de sua vida promíscua já estavam arquitetados. Como sempre, a esposa que ficara em casa, jamais descobriria.
Seguia seu caminho de todas as sextas–feiras, quando os faróis de seu carro focalizaram um bom motivo para que ele faltasse ao compromisso. Sua colega de escritório, àquela altura, já o estaria esperando no outro lado da cidade, mas ela poderia esperar.
O motivo seria a mulher que surgira em seu caminho, de forma repentina e avassaladora.Sua beleza chamara tanto a atenção do homem, que ele nem ao menos pensou sobre a probabilidade de se encontrar alguém com uma fragilidade tão aparente, em um lugar como aquele. Uma estrada mal iluminada que ligava o subúrbio à agitação do centro da cidade.
O tom de seus cabelos extremamente loiros, se assemelhava à cor que encontramos nos fios que ornam a cabeça de algumas bonecas. A pele alva e suave, e os olhos tão azuis quanto o céu em uma tarde quente de verão, transmitiram a ele, no mesmo instante em que a viu, a mensagem de que, mesmo que ele tivesse mantido a fidelidade em todos os momentos de sua vida, naquele minuto, a partir de então, o deixaria de ser. A moça de fato o havia enfeitiçado.
A facilidade com que a estranha havia concordado em entrar no carro seria um segundo sintoma ignorado por ele naquela noite, mas o raciocínio lógico lhe faltava, pois todas as suas atenções estavam voltadas para ela. Para aquela mulher que vestia um suéter de lã, e uma longa saia, ambos de um branco reluzente.
Como um roteiro vindo de seus melhores sonhos, as poucas palavras emitidas pela moça acompanhavam os seus mais íntimos desejos, e estar a sós com ela fora uma seqüência natural no enredo. Seu coração batia acelerado. Seus atos eram atrapalhados, parecia que a inexperiência da adolescência o havia tomado de súbito.
Talvez fosse a pressa em alcançar logo o seu objetivo, estava cego, incontrolado, precisava e queria tocar os lábios mais tentadores que já havia visto.
O toque fora estranhamente frio, gelado na verdade. O beijo transmitira a ele uma sensação de vazio, de tristeza, de melancolia. Através de seus olhos fechados, ele fazia uma viagem penosa a um destino, onde a escuridão reinava, e a felicidade não poderia existir.
Ele queria abrir os olhos, mas não conseguia, queria se soltar daquele beijo, mas seus lábios teimavam em não obedecer. Sufocava e a agonia assaltava-lhe o corpo. Minutos? Horas? Não sabia precisar o tempo em que ficara naquela tortura, mas desejaria ter continuado nela, pois o que o tirou do transe, o levou para algo pior.
Um golpe violento, como lâminas rasgando-lhe a pele. Foi o que pareceu quando as unhas da mulher deslizaram pelas suas costas. Gritou, e ao abrir os olhos, não havia ninguém com ele no quarto. Olhava para todos os lados, mas nada via. Mas as aparências às vezes omitem a verdade, e uma voz chegou até seus ouvidos, uma voz feminina, cheia de ódio e rancor, uma voz que dizia:
- Vocês são todos iguais! – Um golpe furioso fez espirrar sangue de seu rosto.
- A mentira é sua soberana – O homem procurava, mas nada encontrava. Outro golpe, outro rasgo em seu tórax.
- Pare, por favor! Pare! – As súplicas não eram atendidas, e o castigo continuava.
Uma sucessão de golpes rápidos e certeiros abriam sua pele e rasgavam os seus músculos.
Seu sangue manchava as paredes e os móveis do quarto barato do motel.
- Você vai pagar! Vai pagar pelos seus pecados!
A dor causada pelos ferimentos fora tanta, que manter a consciência havia se tornado impossível para ele. O desmaio fora inevitável.
Ao acordar estava naquela situação desconfortável. Preso a uma cama, com o destino nas mãos de uma estranha. Uma estranha que não pertencia a este mundo, uma estranha que fora condenada e morta por ser a autora de um duplo assassinato. O ciúme a levou a matar o marido, e a própria mãe, a simples suspeita de terem um caso fora motivo mais do que suficiente para ela. Agora, ela vagava e punia aqueles que cometiam o mesmo erro.
Seus olhos preocupados procuravam uma saída, mas não havia ninguém para atender os seus chamados. Mas, como se os céus tivessem lhe permitido uma última chance, a porta se abriu e ela entrou pelo quarto. Sua esposa. Os olhos do homem se encheram de lágrimas, pensou em muitas coisas para dizer, queria expressar seu arrependimento, queria pedir desculpas, queria dizer que estava feliz, mas as únicas palavras que saíram de sua boca foram as egoístas:
- Me salve!
A última chance fora desperdiçada. O rosto familiar de sua esposa se convertera naquele antes lindo e agora detestável rosto, o da mulher de cabelos loiros e vestes brancos. Mas as surpresas desagradáveis não pararam, o rosto se converteu novamente, mas desta vez num crânio de órbitas vazias e negras.
A mulher caminhava na direção da cama, levava um machado nas mãos o homem gritava e chorava, mas sua voz não atravessava as paredes frias e ensangüentadas. O derradeiro golpe partiu sua cabeça e selou para sempre sua vida de pecados.
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De acordo com as investigações, o homem entrara sozinho no motel. As câmeras de segurança não registraram nenhuma pessoa com ele no carro, seja na recepção ou nas dependências internas do estabelecimento.
Os funcionários estão sendo interrogados. No momento não há qualquer pista.
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Em casa, a viúva recebia inúmeras manifestações de pesar e lamentação, um em especial fora dito bem próximo de seu ouvido, no instante de um abraço.
- Agora somos só nós – as palavras do vizinho foram ditas com malícia.
- E ainda temos o dinheiro do seguro de vida – respondeu, com um risinho escondido entre as lágrimas – peça o divórcio.
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Naquela noite, o rapaz saía da academia assobiando uma canção e carregando uma mochila nas costas, ao dobrar a esquina fora acometido por uma visão maravilhosa. Ela tinha os cabelos loiros e usava uma longa saia branca, que balançava ao vento.