Caçando

O cheiro de sangue atingiu Lucas como um soco. Não era a primeira vez que caçava. Nem a décima, nem a centésima... Na verdade o tempo passou tão rápido que ele nem mesmo podia se lembrar que era apenas um homem há dezesseis anos. Lucas não havia envelhecido um dia desde então. Ser imortal era um destino maldito e o vampiro sentia falta da sua humanidade.

Mas o cheiro de sangue sempre o atingia como um soco. E naqueles milésimos de segundo ele se sentia culpado por caçar, por se alimentar de gente, por ser um monstro. E essa culpa o fazia humano de novo. Por milésimos de segundo, mas o fazia humano.

Glória estava caminhando despreocupada, voltando para casa depois de um dia de trabalho. Ela passava por uma viela um pouco mais escura e lembrou-se que era noite. E que ela estava no Rio de Janeiro. E que estava sozinha. E que era mulher. E uma mulher bonita. Começou a se preocupar. Olhava constantemente para trás e para os lados, olhava para sua sombra projetada à frente, pouco visível por ser fruto de uma daquelas luzes amareladas e piscantes dos postes públicos, quando viu que uma segunda sombra que se aproximava. Apertou o passo.

Lucas avistou sua presa. Era uma jovem bonita, com 25 ou 26 anos. Tinha a pele tão branca que ele pode ver o sangue na face e no pescoço da moça. Os longos cabelos loiros cacheados soltavam-se pelo seu colo e costas, escondendo sua pele de forma provocante. Andando sozinha e despreocupada daquele jeito, entrando, sem saber, no último beco de sua vida, estava convidativa. Ele a seguiu.

Ela deveria ter pressentido. Lucas sentiu o cheio de medo que exalava a pele alva da moça quando ela começou a, inadvertidamente, olhar para os lados, e para trás, para o chão... Para todos os lugares.

Ele saltou, com uma leveza sobrenatural, sem produzir som algum, pousou perto da caça. Com rapidez se aproximou. De algum modo a moça percebeu e acelerou a caminhada. Ele também. Havia começado o jogo das trevas, e Lucas era bom nele. Especialmente depois daqueles milésimos de segundo, quando deixava de ser humano.