Porcelana.

Tânia Rodrigues era uma figura impar. Considerada louca pelos amigos de profissão,estrela decadente pela imprensa e injustiçada pelos fãs.

Ganhou notoriedade na mídia ainda criança,quando interpretou uma das filhas do casal de mocinhos de uma novela.

A forma natural que ela se portava diante das câmeras,deixou o pais inteiro apaixonado por aquela criança de apenas oito anos. Choveram entrevistas,participações em programas de tv e comerciais.

O interesse do publico por Tânia foi diminuindo à medida que ela crescia;os papeis na televisão foram ficando cada vez mais escassos,não era mais convidada para propagandas e muito menos para programas vespertinos de final de semana.

Na adolescência só aparecia na mídia,por problemas particulares;briga com o pai,brigas na escola e agressões a jornalistas. Teve problemas sérios com bebidas alcoólicas e drogas;foi internada numa clinica por causa disso duas vezes antes de completar dezoito anos.

Agora aos trinta e dois anos,ela estava completamente falida.

Ainda era uma mulher atraente: um metro e setenta e cinco,cabelos lisos e negros como a penugem de um corvo,olhos castanhos claros,e um corpo esguio que nada devia a nenhuma celebridade feminina do momento.

Tinha pousado nua recentemente para uma revista de nu feminino. O dinheiro arrecadado só foi suficiente para quitar seu apartamento.

Essas coisas passavam na sua cabeça,enquanto observava as pessoas (que mais pareciam formigas naquela altura) pela janela do vigésimo andar.

-Tenho certeza que consigo vender o produto para alguma emissora,ninguém ainda tentou fazer isso, no nosso país. Disse Heleno,seu empresário

-É. Pode ser que der certo. A idéia é boa. Respondeu Tânia enquanto dava uma leve batida com o cigarro no cinzeiro . – A Casa que eu encontrei fica numa área isolada.

Tânia virou-se para Heleno e perguntou: - Muito distante da cidade?

- Sim. Respondeu ele. Segundo eu apurei,a casa tem fama de ser assombrada.

Sentou em frente ao computador,e convidou Tânia para se aproximar,enquanto ele abria um site.

Aqui, veja. –Disse o empresário apontando o dedo em direção a tela.

No final do século dezenove,ela foi usada para um ritual satânico. Um grupo de seis pessoas invadiu e matou uma família inteira composta de quatro pessoas;O pai Pedro Fonseca,a mãe Maria Pereira,e os gêmeos Isabela Fonseca e Getulio Fonseca.

O corpo do pai foi encontrado degolado na sala,sua cabeça estava encravada na entrada da cozinha por uma estaca. A mãe sofreu abusos sexuais antes de ser crucificada de cabeça para baixo. As crianças foram levadas até a área de serviço da casa e incendiadas,os lunáticos,comeram os restos mortais ,acreditando que a pureza delas passariam para eles.

Desenharam um pentagrama com sangue de porco no chão, cometeram um suicídio coletivo. Um livro encontrado com eles,fez as autoridades chegarem a seguinte conclusão: Eles acreditavam que fazendo aquilo eles renasceriam mais poderosos,viveriam para sempre e teriam o domínio sobre tudo o que era mortal.

-Uau. Respondeu ela. Tem gente que acredita nessas baboseiras.

-Na metade do século vinte. Foram registrados quatro casos de suicido na casa.

Em 1997, os vizinhos pediram a prefeitura local que o casarão fosse demolido,porque ouviam gritos e barulhos vindo da casa,como era época de eleição, o prefeito aprovou o projeto que previa a demolição, foram enviados quatro tratores para fazer o serviço e adivinha o que aconteceu?

-Conte-me. Respondeu Tânia com uma voz que expressava toda a sua chateação com a história.

Sem se importar com o pouco caso dela,o empresário continuou lendo.

-Todos eles enguiçaram ao mesmo tempo. Não acha isso incrível?

E não é só isso. Vinte homens que estavam trabalhando no local sofreram algum tipo de doença os impossibilitando de terminar o serviço, com as dificuldades ocorridas o prefeito decidiu que o casarão ficaria de pé.

- É um excelente lugar para a minha volta ao topo. Disse Tânia sentando no colo do empresário. – Você está muito cheirosa hoje, que perfume está usando?

-Isso é segredo. Respondeu Tânia enquanto beijava seu empresário.

Na noite seguinte Tânia chegou atrasada. Toda a equipe já estava a sua espera.

-Onde você estava? Perguntou Heleno.

Me perdi. Contou ela.

Tudo bem. Já está tudo arrumado as câmeras já estão instaladas para você passar a noite.

Colocamos uma tv na sala para não ficar entediada.

Tânia, não levava muita coisa na sua bolsa,apenas um pouco de dinheiro,alguns absorventes e sua chave de fenda da sorte. Foi com ela que tinha se protegido durante uma briga com seu pai,depois disso a carregou para qualquer lugar que ela fosse.

Ao entrar no casarão maravilhou-se com as pinturas na parede em tom pastel. no chão havia um enorme tapete que cobria toda a extensão da sala. Uma grande escadaria que se localizava no norte da casa, levava até os quartos,enquanto que ao seu lado esquerdo uma grande porta de vidro,de aproximadamente dois metros e meio fazia a divisão entre sala e a cozinha.

-Você vai ficar bem? Perguntou Heleno. –Sim. Disse respondeu Tânia.

Amanha voltaremos. As câmeras serão ligadas automaticamente

Em cinco minutos.

Tânia foi até a janela e se certificou de que ninguém estivesse olhando e beijou fogosamente Heleno. –Amanha,quando eu sair daqui você será todinho meu!!

Assim que todos se foram Tânia ligou a televisão e deitou no sofá ,eram oito horas da noite,tinha doze horas para ficar naquela casa.

A imagem da tv não estava boa;toda hora perdia a sintonia, chuviscos a todo o momento tomavam conta da tela.

Adormeceu no sofá, e teve um sonho estranho.

Sonhava que estava deitada de lado na sua cama,e ouvia baixinho um radio relógio antigo,a musica suave do Roxette,entrava na sua cabeça,quase a empurrando para o sono.

Derrepente,sentiu um vulto deitando ao seu lado na cama,virou-se rápido e se deparou com um chinês: Que possuía uma grande barba,bigode fino e cabelos longos. O chinês ria,enquanto a enforcava.

Acordou assustada e olhou o relógio; já se passava das nove, tinha dormido demais.

Resolveu ir à cozinha beber água.

Tomava seu copo de água distraidamente,quando o barulho de vidro se quebrando a fez dar um pulo,virou-se para trás e descobriu que a porta de vidro havia estourado.

Ainda assustada Tânia se aproximou dos cacos de vidro no chão. Tinha certeza que havia fechado a porta,e além disso,aquela era uma porta pesada,mesmo que estivesse aberta não quebraria assim,de modo tão fácil.

Voltou para sala tentando achar alguma explicação plausível para o acontecido,quando a televisão ligou sozinha.

Tânia não acreditava no que estava vendo;ela estava na tv. Era uma gravação antiga.

Ela estava no Faustão,ria de uma piada totalmente sem sentido;havia tempo,mas ela se lembrava bem,que aquele riso tinha sido forçado.

Faustão a perguntou em seguida: Você tem medo da morte? Ela olhou para baixo,balançou o corpo de um lado para o outro e retrucou: Eu não sei, e você?

A televisão voltou a ficar sem sinal,para em seguida ser tomada por uma confusão de imagens. Tânia podia distinguir a imagem de um homem de paletó preto com grandes olheiras olhando fixamente para ela. Viu um homem de quatro comendo grama, Tânia desligou a televisão assustada e correu em direção a porta. Estava trancada.

Voltou até sua bolsa,e se deu conta que não trouxe o celular,o tinha esquecido carregando em cima da cama.

A televisão voltou a ligar,dessa vez ela estava no programa do Jô, junto com seu pai.

Ela já era uma adolescente,estava tentando recomeçar a carreira na época, o que ninguém sabia era que aquele era um dia marcante para ela,foi o dia que sua chave de fenda da sorte salvou sua vida.

Seu pai tinha dado mais um dos seus inúmeros ataques. Não aceitava o fato da filha estar sumindo cada vez mais da mídia,vivia dizendo que ela era uma preguiçosa que não se esforçava o suficiente. A entrevista ao Jô tinha sido horrível, ela não estava nada carismática. Ela queria explicar a ele que era impossível ser carismática cheia de dores,ele a estava obrigando a ficar sem comer por dias,dizia que gorda ela não conseguiria nada,a fome era tanta que estava com dores no estômago.

Com raiva o pai tentou agredi-la.

Tânia correu para a oficina dele e pegou uma chave de fenda,quando ele se aproximou ela enfiou a chave de fenda no braço dele que soltou um urro desesperado de dor.

-Nunca mais me toque seu desgraçado! Gritou ela.

Com medo de que aquilo pudesse prejudicar a imagem da filha,seu pai não procurou as autoridades, nem medico algum;o que ocasionou sua morte por infecção generalizada alguns meses depois.

Rever aquela entrevista trouxe todos esse sentimentos à tona . Na raiva pegou a televisão e a atirou contra a parede,provocando a explosão do tubo.

Sentou no sofá e começou a chorar. Queria fumar um cigarro, mas Heleno tinha a avisado que não pegaria bem ela aparecer fumando em frente às câmeras,afinal,ela já tinha uma imagem bastante prejudicada.

Risos ecoavam por toda a casa,parecia que alguém tinha ligado um som estéreo.

A porta da frente sofria baques violentos,alguém,parecia estar forçando pelo lado fora.

Levantou e foi em direção às janelas,sairia por ali,afastou as cortinas e teve uma decepção: As Janelas eram bloqueadas por dentro. Tábuas, foram pregadas em todas as janelas.

O sofá deslizou de uma ponta da sala a outra,a maçaneta da porta da frente girava.

Lá em cima no ultimo degrau da escada,uma figura vestida de Pierrot a observava .

Tânia chorava,nunca esteve tão assustada na vida,ela só queria reconquistar a fama perdida.

O Homem vestido de Pierrot,foi andando tranqüilamente em direção a algum quarto da casa.

Tânia caminhou até o sofá e pegou sua bolsa,a atravessou no peito,e respirou fundo,ela tinha que fazer alguma coisa,seu pai estava rindo dela,onde quer que ele estivesse.

Uma musica antiga dos trapalhões tomou conta da casa:

UMA PIRUETA,DUAS PIRUETAS.. BRAVO,BRAVO......

Logo em seguida balões de gás começaram a aparecer em todos os cantos da casa. no lugar onde antes estava o Pierrot,agora passava um homem trepado em uma grande perna de pau,tinha a cara com pintura de palhaço,mas Tânia reparou que seu olhar era triste,lembrava a ela olhar do pai. Não podia ser possível, o pai estava morto. Mas depois dessa noite nada parecia impossível para ela.

Respirou fundo, e decidiu lutar,subiu a escada,com passos corajosos e decididos,olhou porta por porta mais nada encontrou. Na ultima;uma grande porta dupla,luzes acesas denunciava,que havia alguém ali,as sombras eram refletidas para o corredor onde Tânia estava. Colocou a mão dentro da sua bolsa e caminhou devagar em direção a porta.

A porta se abriu antes que ela pudesse ter tido qualquer tipo de reação.

Sem perder mais tempo,Tânia tirou sua mão da bolsa e desferiu um golpe com sua chave de fenda da sorte na direção da pessoa que abria a porta.

Quanta agonia três segundos podem ser na vida de uma pessoa?

Na vida de Tânia,esses três segundos,mais pareciam cem anos.

No mesmo momento que lançou sua mão em direção a vulto que abria a porta. Seus olhos captaram uma imagem,era Heleno. Heleno que abria porta,ela queria parar o ataque,mas era tarde já tinha iniciado o movimento.

Antes da chave de fenda ser encravada no coração de Heleno,Tânia ainda viu que uma platéia assistia a tudo atônita no canto da sala.

O corpo de Heleno tombou tendo espasmos no chão.

Um câmera que filmava largou seu equipamento de trabalho para vomitar.

Um apresentador famoso,assistia a tudo boquiaberto. O publico não se mexia. talvez esperando algum tipo de explicação pelo ocorrido.

Tânia agora entendia. Tinha sido vitima de uma brincadeira de mau gosto. Uma câmera escondida. Isso com certeza tinha acabado de destruir sua imagem que já não era boa.

Correu de volta para a casa,algumas pessoas da produção do programa corriam atrás dela dizendo que tudo ia ficar bem,que o que aconteceu foi um acidente. Não nada iria ficar bem. Ela sabia.

Parou no segundo andar e se jogou. Morta. Quem sabe assim não voltaria a ser uma atriz de sucesso?