O réu

Puseram o condenado sobre uma imensa mesa. A atmosfera da sala ardia no olhar ríspido do observador que ansioso esperava aproximar-se mais e mais da vítima. Chegando-lhe perto, ao alcance da mão, volveu-lhe bruscamente e sobre ele pôs os seus olhos, penetrando-o e analisando-o como se buscá-se-lhe decifrar até a alma.

Eu, como seu pai, nada pude fazer. Estremecia calado e somente isso, nada mais. Disseram verdades retiradas dele e tantas bobagens também que em seu peito não as havia escrito e minha voz, nunca, e a ninguém, as havia dito. Hora alegre, hora triste, ouvimos tudo; o condenado e eu, seu triste pai e admirador.

Ninguém correu-lhe ao socorro. Parecia aprender mais e mais com a sua condenação. Eu, calado, sem nada falar sobre o que concordava ou admitia, estava protegendo-me do tiroteio. Temia que ao condená-lo, condenassem-me também. Que horas aquelas. A boca seca e o coração disparado esperavam o fim da leitura da sentença que deveria trazer a condenação, ou menos provavelmente a absolvição que se assim acontecesse deveria vir acompanhada de elogios.

Tiraram-lhe o indizível até o anjo da guarda do seu enredo, presenteado por seu pai. O indescritível encontraram nele. Acharam diabos e deuses em sua entranhas, sorrisos, lágrimas, desmiuçaram-lhe até o espírito, fragmentando-o no intuito de encontrar-se dentro dele, algo que o condenasse. Eu, pai aflito, continuava a ouvir o Juiz. Nada podia pedir-lhe; seria em vão, desnecessário e apelativo até. Continuei ali, ansioso, mas confiante que nem tudo estava perdido.

Até que chegou a hora de ler a sentença. Havia-lhe condenado a nunca ser esquecido. Aprovado no gosto daquele Juiz, meu filho pôde ser inocentado e posto no caminho da imortalidade. Restavam-lhe os outros Juízes. Seu julgamento nunca teria um fim. A emoção que ele passou, a força de suas frases, o bem que os outros lhe dispuseram a dar, seria o preço de sua doce ou amarga condenação de “ser” imortal.

Posso informar a quem interessar possa que, falo do meu lindo filho: um “poemeto” de luz, que o fiz quando ainda não sabia se podia ser seu pai. O juiz? meu amigo o senhor conhecido por todos, um crítico literário. Registre-se, cumpra-se, note-se e anote-se sobre ele, tudo o que mais interessar à quantos lê-lo, pondo-lhe e retirando-lhe das livrarias ou bibliotecas, seculum seculorum, amém.