O RETORNO

- Depreeeessa.., corram e não parem enquanto eu não mandar.

- Mais rápido, não olhem para trás, apenas corram o quanto puderem.

Enquanto aquela voz de comando ia dando o tom da fuga, no espaço as nuvens bailavam de forma desordenada, pareciam estar sob o comando de alguém.

Apenas um pálido sol podia ser visto através das espessas nuvens que se formavam.

Não havia vento, no entanto as nuvens se torciam e retorciam criando formas estranhas e esquisitas.

Naquele momento, no entanto, ninguém tinha tempo ou mesmo disposição para parar e ver aquele fantástico espetáculo. O único desejo do momento era a fuga.

E a voz dela ia ditando as normas que eram seguidas à risca, pois o pavor era grande.

- Mais depressa, não percam tempo, que este tempo é muito escasso.

- Vamos, precisamos encontrar um abrigo para nos proteger. Talvez a velha casa da fazenda ainda possa nos abrigar.

Enquanto corriam apressados, tudo escurecia: Como se enorme lâmpada estivesse sendo desligada e era pleno meio-dia. A escuridão aumentava à medida que a mulher com seus dois filhos corriam no estreito caminho que levava à antiga casa da fazenda.

A noite chegava, em pleno meio-dia.

Enquanto ia escurecendo rapidamente os fugitivos se aproximavam do destino almejado, pareciam que seus pés tinham asas, tal era a velocidade que empreendiam no momento da fuga.

A mãe zelosa e ao mesmo tempo medrosa, incentivava as crianças com palavras de ordem que iam escasseando devido ao enorme cansaço.

- Depressa, filhos; estamos chegando.

No alto, onde deveria haver um sol esplendoroso, a negritude da noite havia tomado conta de todo o espaço. Nuvens negras impediam que quaisquer raios de sol passassem. Se assim ficasse por muito tempo, com certeza haveria frio, tal era o breu em que se encontrava o ambiente.

Quando os últimos passos foram percorridos pelos fugitivos, a primeira explosão foi ouvida. Não parecia ser um trovão, porquanto nenhum relâmpago havia cortado os ares. O estrondo era diferente dos trovões a que estavam acostumados ouvir.

Entraram tão apressados na velha casa que tanto tempo estivera abandonada que nem se preocuparam em olhar para se prevenirem de possíveis animais peçonhentos que poderiam estar vivendo ali, mesmo estando a porta fechada quando chegaram.

Já totalmente escuro, a mãe, valendo-se de fósforos que trazia, mandou que as crianças ficassem paradas e quietas dentro da casa, enquanto iria procurar alguma coisa para acender e clarear o ambiente.

Encontrou sobre um velho fogão a lenha uma antiga lamparina que ainda continha um pouco de combustível. Agitou-a e ouvindo o som, sentiu o cheiro exalado. Pegou um fósforo e acendeu o que restava do pavio.

Após acender a antiga lâmpada, vasculhou a sala da casa e vendo que nada de anormal havia nela que pudesse representar perigos a eles, mandou que se sentassem num canto e aguardassem.

Enquanto dava as ordens, fazia de forma que nem mesmo sabia o que estava esperando. Apenas sentia que algo de anormal estava acontecendo ou iria acontecer.

Quando as crianças sentaram-se, ela dirigiu-se a outro cômodo procurando alguma coisa que lhe pudesse ser útil, em caso de necessidade ou mesmo se tivesse que prolongar seu tempo ali.

Quando o segundo estrondo aconteceu, ela estava pegando um velho facão que encontrara no chão de terra batida. O susto foi tão grande que ela pensou ter sentido um choque quando pegou o instrumento.

Depois da segunda explosão, ouviu os gritos das crianças e correu de volta à sala, para ver o que havia ocorrido. Quando entrou na sala, esta estava toda iluminada e além das crianças que se encontravam em pé no meio da sala, havia, ELE.

Do jeito que vinha assustada com o facão na mão, correu contra Aquilo que imaginava ser perigoso e estivesse fazendo algum mal a seus filhos. Quando levantou o facão e tentou desferi-lo contra o estranho, sentiu-se paralisada e não mais conseguiu efetuar nenhum movimento. No exato momento ouviu um som que poderia ser identificado como palavras:

- Por que todo esse medo, humana, existe alguma coisa de errado que não possa suportar ou entender?

Ela apenas ouvia, mas nada poderia responder, estava toda imobilizada, com o braço estendido e em sua mão direita, o facão.

A voz que parecia vir do estranho continuou:

- Você não deve preocupar-se com nada, embora não possa absorver de imediato nossa forma, pode ficar tranqüila, o que vamos fazer será para seu próprio bem e de toda a humanidade.

Enquanto ia falando ela apenas ouvia e em momento algum conseguiu esboçar qualquer movimento .

Seus filhos continuavam parados no meio da sala iluminada, ao lado delas o estranho. Ela, parada, em posição de ataque, apenas ouvia.

- Quando acabar tudo que viemos fazer, ninguém se lembrará de nada, mas nossas alternativas evolucionais estarão implantadas. Ninguém saberá, no entanto, restarão lembranças que irão aflorar e mesmo que isso aconteça, jamais conseguirá articular qualquer movimento para falar ou para se expressar que possa denunciar nossa presença na Terra.

- Seus filhos irão comigo e quando eu os devolver serão outros e irão ajudar no processo evolutivo de uma nova raça humana.

Quando parou de falar, com outro estrondo e toda a sala ficou às escuras e ela do jeito em que se encontrava, ficou. Apenas a lamparina com sua luz bruxuleante estava esquecida num canto.

O tempo que pareceu ser eternidades, passou e no quarto estrondo a sala se iluminou novamente, então viu seus filhos no centro da sala ao lado do estranho ser.

Minutos depois a sala foi escurecendo de novo, foi então que ela sentiu que seus movimentos estavam voltando e quando caiu, ouviu do filho maior uma pergunta:

- Mãe, a senhora caiu?

Quando acordou, lá fora a chuva caía torrencialmente. Sem muita noção do que acontecia no momento, perguntou:

- O que aconteceu?

- Não se lembra, não ?

- Nós corremos para se proteger da chuva aqui, porque a senhora está gripada e não pode se molhar.

- Só isso ?

- Sim o que mais, mãe?

- Nada, filho; nada.

Lembrou-se de tudo, mas nada conseguia dizer.

Quando a chuva passou, viu o sol ressurgido, deveria passar das cinco horas da tarde, pois ele já estava perto do ocaso.

Ao saírem da velha casa, viu que o tempo estava limpo e as crianças apresentavam um brilho diferente no olhar. Sabia que alguma coisa deveria ter ocorrido, mas, não conseguia expressar-se.

Seguiram no caminho rumo à casa que ficava ali perto, sem entender o que havia ocorrido, as crianças pareciam que nunca tinham andado por aquele caminho.

Durante mais de cinco minutos em sua mente, iam e vinham as recordações dos últimos momentos do dia, mas quando tentava falar sobre eles, não conseguia articular qualquer pensamento.

Quando chegaram à casa, o marido se encontrava deitado na rede e ao vê-la, foi logo perguntando:

- Onde passaram a chuva?

- Na velha casa que fica no caminho de cá.

- Que casa é esta mulher ?

- Ora, Tião, a casa onde morava seu Antônio, antigo dono desta propriedade.

- Mãe, de que você está falando?

- Ora, filho, não vai me dizer que não se lembra de onde passamos a chuva.

- Claro que lembro, ficamos parados debaixo do viaduto da ferrovia.

- Mulher, você se esqueceu de que eu demoli a casa que foi do seu Antonio no ano passado?

Ela ouviu tudo e ficou calada, sabia que alguma coisa de errado havia acontecido. Colocou o velho facão sobre a mesa que ficava na varanda e se dirigiu à cozinha, precisava preparar o jantar.

Ao chegar na cozinha, lembrou-se do facão que pegara dentro da casa, e retornou para mostrar ao marido e lhe dizer aonde conseguira . Quando chegou à varanda os dois filhos tinham um brilho esquisito nos olhos e o marido sorria de modo estranho. Sobre a mesa, apenas uma folha de samambaia jazia inerte.

Dirigiu-se ao marido e perguntou:

- Quem colocou isso sobre a mesa?

- Você, mulher, não se lembra mais?

Ela lembrava e sabia só que nada podia falar, saiu de mansinho e quando saía da varanda ouviu o marido cochichar com os filhos:

- É, acho que preciso levar sua mãe ao médico, ela anda muito esquisita e falando coisas estranhas.

O filho mais velho completou a fala do pai:

- É, anda falando coisas realmente muito estranhas e sorriu de forma maliciosa.

Depois do jantar, alegando um pouco de indisposição, ela dirigiu-se ao quarto e, quando o marido tentou falar com ela, fingiu estar dormindo.

Precisava colocar em ordem suas idéias, necessitava, portanto de silêncio.

Durante quase toda a noite não conseguiu dormir, com as cenas do acontecido do dia, que não lhe abandonava. Precisava tirar tudo a limpo no dia seguinte.

Acordou bem cedo e antes mesmo que os outros levantassem, ela saiu para a varanda e sobre a mesa a folha de samambaia ainda estava lá. Pegou-a com a mão direita e saiu rumo à antiga casa, onde fora palco de tão insólito acontecimento que agora parecia ter sido apenas um sonho.

Ao se aproximar do local onde deveria estar a casa, notou que apenas entulhos havia e no meio destes uma lamparina ainda acesa, queimando o que restava do querosene. Olhou a lamparina e viu que havia nela a marca de que alguém a pegara, retirando dela a poeira. Foi ao local onde deveria ser o cômodo onde achara o facão e lá estava ele, entre os entulhos.

Abaixou-se, pegou o facão, então viu que ainda estava dentro da casa, que o marido havia dito ter demolido um ano antes. Com o facão na mão, abriu a outra porta que dava para o quintal nos fundos da casa e saiu.

Do lado de fora, a enorme cidade ocupava um espaço imenso. Quando viu tudo aquilo teve certeza que alguma coisa de anormal havia acontecido ou ela estaria ficando louca.

Aquele ser que ela vira no dia anterior encontrava-se a sua frente e ao vê-la disse:

- Seja bem vinda, Maria, você reencontrou o caminho, vamos.

Colocou-se ao lado do anjo e o acompanhou, rumo a um lugar qualquer do paraíso.

Sem nenhum questionamento ou dúvida, sorriu e disse:

- Vamos... é muito bom voltar para casa.

26-02-08 –VEM.

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 27/02/2008
Reeditado em 07/08/2008
Código do texto: T877541