"A Masmorra" 2ª Parte
2ª Parte
Por um capricho do destino, minha vida externa me foi subtraída e o interruptor foi um email enviado para mim por engano, ou quem sabe por um anjo torto.
Minha vida estava acabada. Era o fim. Deixei para trás planos, viagens, desejos contidos e sonhos engavetados. Sabia que não teria volta. Porém, sentia a dor e o desespero de estar preso nesta masmorra cerebral. Não podia falar, tocar, enfim não podia fazer nada além de sofrer com meus pensamentos. Como poderia viver assim? Não sentia dor física, mas minha alma estava em pedaços. Queria poder exprimir algum sentimento, provavelmente de raiva ao ver Juliana, mas era impossível o contato com o mundo externo. Só me resta torcer por uma morte rápida para não ter que suportar os infortúnios da minha mente e me perder nos labirintos obscuros da minha consciência.
Quando, finalmente, Juliana e os outros visitantes foram embora senti certo alívio. A presença dela era um tanto perturbadora para mim. Já devia ser noite. Fiquei só no quarto; eu e minha isolada e escura vida.
Tentei não pensar sobre os acontecimentos para não sofrer inutilmente. Procurei na memória algumas lembranças felizes, talvez engraçadas, para ter alguma distração até dormir ou, se tiver sorte, morrer.
Pensei em futebol, copa do mundo, essas coisas. Não deu certo. Fui buscar alguma história da infância, logo me veio à mente uma surra que levei de um garoto da rua de cima por causa de um pipa perdido. Não teve jeito. Minha cabeça se voltou para o dia anterior ao AVC.
Havíamos saído para jantar com um casal amigo. Só agora me dei conta como ela estava alegre e radiante naquela noite. Devia ter se encontrado com o dito cujo naquela tarde, talvez.
Durante o jantar falamos de amenidades em geral. Comentamos os absurdos que nossos políticos nos arrebatam todos os dias, as novidades do futebol e algumas besteiras das celebridades televisivas.
Depois de algumas taças de vinho começou a rodada de piadas e, fatalmente os comentários perniciosos sobre a vida sexual. Sempre algum de nós conhece alguém com alguma história picante.
-Meu cunhado tem um amigo de trabalho que come uma colega no próprio escritório. Eles não têm o menor constrangimento. Já os pegaram na escada, entre um andar e outro; já a viram fazendo sexo oral debaixo da mesa; já acharam calcinha dela no banheiro masculino; ela já comentou com as amigas as loucuras que eles faziam e que tinha tesão em fazer sexo em lugares públicos. Até que um dia o CEO da multinacional veio ao Brasil e os pegou na sala dele, encima da mesa. O cara foi convidado para transferir-se para uma filial na Nigéria. Quanto à garota, foi transferida para a matriz em Miami.
Rimos muito destas e outras histórias, meio verdadeiras, meio inventadas. Vejo agora o sorriso de Juliana naquele momento. Minha mente me fustigava com imagens dela fazendo sexo no trabalho, em cantos escondidos e contando para as amigas os detalhes de suas performances sexuais. Será que todo mundo na empresa sabia das suas aventuras?
Esse quadro me maltratava. Eu queria gritar, me atirar da janela, arrancar aqueles fios. Porque eu não morro de uma vez, meu Deus? Porque eu tenho que ficar nessa prisão com minhas chagas abertas apodrecendo?
A enfermeira entrou no quarto e viu que eu estava com os olhos vidrados. Torci para que ela me desse alguma droga para dormir ou apagar de vez. Ela injetou alguma coisa no soro, minha vista foi escurecendo até eu desaparecer.
(continua)