"A Masmorra"

1ª Parte

“Querido Léo

Fui dormir com seu aroma no meu corpo. Estava feliz, completa. Minha alma estava leve e agora me sinto mais gostosa com seus fluidos na minha pele, com você nas minhas entranhas, com o gosto da sua língua na minha boca. A vida está mais suportável. Temos vivido momentos maravilhosos. Feito coisas deliciosas juntos. Quebramos tabus e exploramos nossos corpos até o limite da imaginação. Fizemos coisas que eu nunca imaginei fazer, nem tampouco havia permitido. Com você, me senti à vontade para experimentar novos caminhos. O sexo agora para mim tem outra dimensão, tem mais tempero e sabor. Penso em ti todo o momento, apesar de não ter a menor idéia se nosso caso vai ter futuro. Mas enquanto durar, eu espero curtir até não poder mais: vou chupar até o caroço. Vamos repetir na próxima semana?

Um beijo molhado

Juliana “

Mal consegui ler até o final. Senti que minhas mãos trêmulas não obedeciam meu comando; caíram sobre o teclado. Minhas vistas embaçaram. Minha cabeça ficou pesada e o mundo girou rapidamente. Quis gritar, mas a voz não saiu. Achei que era um choque emocional passageiro diante daquele email bombástico. Como a minha Juliana podia fazer isso comigo? Será que foi algum engano ou mal entendido? O que está acontecendo? Não consigo me mexer. Caído sobre o computador, comecei a babar nas teclas. Na verdade eu queria mesmo era chorar de desespero. Não conseguia. Quem virá me socorrer? Na cozinha, a empregada estava com o rádio de pilha ligado ouvindo uma pregação evangélica ou coisa parecida. A máquina de lavar estava a todo vapor. Eu permanecia imóvel, sem saber por que não conseguia sequer falar.

Não sei ao certo como fui para no hospital. Quem em acudiu e como? Talvez eu tenha dormido ou desmaiado. Só sei que acordei no hospital com muita gente falando ao meu redor. Não conseguia identificar direito o que falavam. Acho que eu só ouvia de um ouvido e enxergava de um só olho. Não conseguia erguer as mãos ou as pernas. Tudo muito estranho. Fios, sondas e aparelhos ligados ao meu corpo. Minha língua insistia em ficar para fora, com um cachorro. Até então achava que eu tinha sofrido um colapso nervoso.

Assim que o quarto se esvaziou, o médico conversou com Juliana, que estava terrivelmente abatida com lágrimas incessantes pelo rosto.

-Ele teve um AVC, acidente vascular cerebral. Não sabemos ainda qual o grau de extensão. Foi muito sério. Mas, se ele fosse socorrido mais rapidamente, haveria chance das seqüelas serem menores do que parece ter acontecido.

-Doutor, ele vai voltar a falar, andar...

-Do jeito que está, acho muito difícil. Porém, às vezes acontecem casos surpreendentes. Não podemos garantir nada.

-Doutor, do jeito que ele está, ele consegue ouvir, pelo menos? Será que ele pensa, sente dor?

-Ninguém sabe ao certo. Talvez sim, talvez não. Quem fica entrevado dificilmente volta e quando volta não se lembra de nada. Só sabemos que há atividade cerebral, senão ele estaria morto.

Eu consegui ouvir tudo aquilo. Será que tudo não passava de um pesadelo? Eu queria gritar, chamar as pessoas, chorar, ao menos. Queria mandar aquela desgraçada embora da minha vida! Mas, minha mente não controlava nada. E ela, ao meu lado, chorando sem parar, passava a mão na minha cabeça. Depois chamou a enfermeira.

Eu estava todo cagado e nem havia percebido.

(continua)