A Volta
Túlio e Glauco estavam reunidos em um bar que não visitavam havia muito tempo. Como sempre =, pararam suas vidas para desabafar um ao outro sobre os dilemas existenciais que os acometiam. Sendo o principal desses dilemas a amarga realidade que suas vidas amorosas andavam um fiasco.
- Sabe quem voltou? – perguntou Túlio, a bebericar um vermute aguado cujas pedras de gelo derretiam dentro da taça.
- Quem?
- Lorena – exclamou ele. – Ela me encontrou em uma praça e veio puxar assunto. Depois de quase cinco anos, estamos conversando novamente.
- Isso é bom – redarguiu Glauco. – Às vezes, o tempo passa para que as pessoas amadureçam e de fato unam seus destinos uma à outra.
- Você está metafísico demais, amigo – replicou Túlio. – Tudo o que eu tinha de esperança nessa vida, já se esvaiu...
Glauco meditou um minuto. Bebericou seu vermute – que também estava aguado – e por alguns segundos nada disse. Olhou para fora da janela, fixou-se em alguém do outro lado da rua e franziu o cenho.
- Alguém também voltou – comentou ele a Túlio. – E isso está me deixando preocupado!
Túlio arrumou a manga da camisa que vestia, acercou o rosto ao de Glauco e perguntou, laconicamente, de modo melífluo:
- Por acaso a Julia?
Glauco esbugalhou os olhos e fitou o amigo.
- Como é que você sabe?
- Está parada faz duas horas ali do outro lado da rua, a te olhar fixamente. Tentei disfarçar, mas ela não tira os olhos daqui.
Glauco coçou a cabeça e desabafou:
- Ela vem me mandando e-mails estranhos já faz alguns dias – comentou ele. – Aquele nosso amor morreu há muitos anos, já está enterrado. Nem Laura, nos atributos de seu ciúme doentio, começou a me perseguir como ela está a fazer!
- Qual é o teor dos e-mails?
Glauco esvaziou sua taça.
- Ela diz que o meu silêncio é perturbador, que adoraria me encontrar para que tenhamos algum diálogo ou algo do tipo. Contudo, a morte para mim é o contato com ela. Fez-me sofrer horrores e agora quer júbilos?
- Ela quer tua atenção por algum motivo...
- Um recomeço? – inquiriu Glauco, apreensivo. – Eu já dei-lhe inúmeras negativas por e-mail. Queria o meu telefone. Sabe quando não há mais o que se falar com uma pessoa? Somos ela e eu!
- Não é o que parece – debochou Túlio, a apontar e a mostrar a Glauco que Julia se acercava do restaurante onde estavam.
Não demorou muito para que Julia adentrasse o local, sentasse-se em uma mesa próxima à que estavam Glauco e Túlio e pedisse o mesmo que ambos: vermute. Os dois ficaram calados, a observá-la. Túlio, com curiosidade; Glauco, com apreensão.
Ela cochichou alguma coisa ao garçom do restaurante. Não demorou muito para que o rapaz levasse à mesa de Glauco e Túlio duas novas taças com vermute.
Glauco irritou-se e se levantou. Dirigiu-se à mesa de Julia e sentou-se discretamente. Em voz baixa, inquiriu-a:
- Por que me está perseguindo?
- Perseguindo? – perguntou ela, com deboche. – Eu vim apreciar um vermute e, coincidentemente, vi dois conhecidos. Resolvi pagar-lhes dois vermutes – replicou, a hastear a taça a Túlio – que, sem graça, hasteou a sua a ela.
- Não tem graça, Julia – disse Glauco. – O que você está fazendo não tem graça nenhuma! Isso me mata aos poucos!
- Eu quero matar de uma vez – replicou Julia.
Calma e melifluamente, ela tirou os talheres de dentro de um saco plástico que já estavam sobre a mesa. Sem hesitação, ela desferiu a faca na jugular de Glauco. Ele passou a engasgar-se e a cuspir sangue, a agonizar no chão antes de morrer. Respingos de sangue sujaram o rosto de Julia. Túlio assistiu a tudo com bastante temor. Os demais clientes do restaurante fugiram.
Julia abriu sua bolsa, retirou algumas notas de dinheiro e pô-las sobre a mesa. Terminou de beber seu vermute, saudou Túlio com a cabeça, limpou a sola de seu salto sobre os restos mortais de Glauco e saiu calmamente do restaurante.