A MISTERIOSA VILA 34 - FALSA FELICIDADE
A carruagem segue deslizando na estrada por entre os penhascos do desfiladeiro, meu pensamento vagueia perseguido pela sombra abominável da indecisão, minha mente está entorpecida.
Isabelle me espera ansiosamente, tudo que sonhamos estava ali diante dos nossos olhos, após um calvário de desditas e desesperanças impostas pelo mal que nos alcançou. Preciso retomar minhas forças, tenho que voltar a essência da pedra e do sal, encarnar a dureza da rocha, mas não posso esquecer a ternura. Tenho Asgard meu amigo e aliado, porém estou num dilema socrático, preciso abrir uma das portas, a do sentimento ou a da razão.
Quase não conversamos durante a viagem, o velho é mesmo introspectivo, eu agonizava afogado no oceano turvo de pensamentos atrozes. Chegamos ao porto, desembarquei rápido, peguei meu alforje e me despedi do velho cocheiro. Corri para o cais, fui direto ao Gaivota, estava ansiando por chegar em casa abraçar Isabelle, sentir um pouco de felicidade, algo que me era raro e passageiro.
O Gaivota singrou sobre as águas tão rápido, quanto um golfinho caçando sardinhas. Depois de dois dias, chegamos a Kikivo no final da tarde. O céu começava a ficar com a tonalidade avermelhada, misturando-se as nuvens douradas ainda pelos últimos raios do sol, o inverno da Noruega se aproxima.
Acelerei o desembarque e apressadamente sai em direção a pequena vila. A rua estava quase deserta, não fosse alguns cisnes que passaram grasnando sobre minha cabeça voando em direção a ravina, ou poucas pessoas que saiam da padaria... eu diria que a vila estaria desabitada. Mas, as colunas de fumaça que se erguiam das chaminés, denunciavam a presença dos humanos reaquecendo para mais uma noite fria em suas aconchegantes edificações. Continuo caminhado a passos largos, quase ao final da ruazinha forrada de seixos marinhos, vejo meu pequeno bangalô, sua fachada exubera jardineiras coloridas que deixam pender os cachos de flores quase tocando o chão.
Chego à porta e bato três vezes, quase que instantaneamente a porta se abre, uma linda moça de cabelos pretos, olhos verdes e brilhantes me recebe efusivamente. Sinto toda a força da felicidade que brota da sua alma. Um abraço nos transforma em um só ser, nossas bocas se encontram, nossas mãos se buscam e se entrelaçam, nosso sangue se aquece antes de chegarmos à lareira, é Isabelle. Passamos uma noite de plenitude, quase a felicidade completa. Os urros de angustia e terror que ecoaram ao longo de muitas noites, nos deram uma trégua.
Mas, sabia que as duas portas fechadas, aguardavam o momento em que teria que decidi abrir uma delas, a leve dor na alma me inquiria e me rondava o pensamento, era o confronto entre a desgraça e a felicidade.